A gigante Lusovini
Reunir o que há de melhor em Portugal, esta é a ambiciosa proposta da Lusovini. Para tanto, em alguns casos cuida desde os vinhedos até o engarrafamento, em outro faz a gestão dos produtos e das marcas e ainda zela pela representação e distribuição
O amplo campo de atuação da Lusovini não torna tarefa das mais fáceis reconhecer todos os seus produtos, mas nos bastidores existem assinaturas que não deixam dúvida sobre o padrão de seus vinhos. Anselmo Mendes (Vinhos Verdes), Domingos Alves de Sousa (Douro), Luis Duarte (Alentejo), Alvaro de Castro (Dão) e Andresen (Porto) são alguns dos nomes que assinam vários dos rótulos produzidos exclusivamente (exceto os Porto Andresen) e distribuídos pela Lusovini*. No entanto, o que aparentemente seria suficiente para mostrar força ao mercado não é sua principal fortaleza.
Os dois principais pilares da empresa estão nos vinhedos próprios, com os vinhos que dali saem, e na equipe de sócios e enólogos experientes: Casimiro Gomes, João Paulo Gouveia e Sónia Martins. O primeiro é o principal gestor e acompanha de forma mais próxima os vinhos da Bairrada; João Paulo Gouveia é natural do Dão, professor de viticultura e hoje ocupa importante função na política agrária na região; e Sónia Martins é a enóloga que percorre as diversas regiões portuguesas e é a responsável pela produção e pela supervisão dos vinhos.
Para conhecer melhor as forças da Lusovini, fizemos uma visita às três regiões onde nascem os principais rótulos da companhia.

Alentejo
A abordagem alentejana da Lusovini é bem única, basicamente porque sua aposta é em Portalegre, no Alto Alentejo. Nessa zona, no meio da Serra de São Mamede, os vinhedos estão em altitudes próximas de 750 metros. Pode parecer pouco, mas o Alentejo, conhecido pelo clima quente, aqui se transforma em um setor frio, onde chega a nevar no inverno, e em muitos anos, como 2017, a colheita é a mais tardia se comparada aos vinhedos do Dão e da Bairrada.
Em Portalegre, são dois vinhedos que resultam na linha Sericaia; a Vinha do Palmeiro é focada em variedades brancas e a Vinha do Coronel em tintas. A Vinha do Palmeiro, como é costume na região, tem dimensão diminuta, ao contrário das grandes extensões da porção central do Alentejo, e está plantada com Arinto, Antão Vaz e Roupeiro. Dentro do paradoxo de vinhas velhas, as castas estão misturadas no campo e a colheita deve ser feita em etapas diárias. Dentro do tripé de equilíbrio dos vinhos brancos, cada variedade responde principalmente por um critério; a Arinto aporta acidez e frescor, a Antão Vaz dá estrutura e textura e a Roupeiro se ocupa dos aromas.
Ao entrar na pequena construção destinada à produção, uma surpresa, além dos pequenos tanques de inox, algumas talhas (ânforas de terracota) que são utilizadas para fermentação de brancos e tintos. Mas aqui, como em todo o Alentejo, não se trata de embarcar em uma moda, mas de recuperar uma forma tradicional de produção dos vinhos locais. “Há uma inteligência por trás das talhas. Eram usadas em maior parte para brancos, pois, como há maior influência do oxigênio pela porosidade das talhas, os vinhos precisavam ter maior acidez para suportar”, diz Sónia Martins, o que vai ao encontro do atual gosto dos consumidores por vinhos mais frescos, tanto brancos quanto tintos.
Adicionalmente, o formato ovalado das talhas dispensa o trabalho de bâtonnage, a agitação das borras das leveduras no vinho após a fermentação para ganhar textura, aromas e sabores, já que há uma movimentação constante do mosto nesse formato de recipiente. Como o tema é tratado de forma racional na vinícola, apenas uma parte dos vinhos passa pelas talhas.
A Vinha do Coronel está a apenas alguns poucos quilômetros de distância do Palmeiro, em um platô que facilita os trabalhos no vinhedo. Não há grande variação no perfil do solo com manchas de granito, argila e calcário, com textura de areia grossa, isso sim, o mais importante, pois não retém água na superfície e não se transforma em obstáculo para as raízes das videiras.
Como se trata de zona fria, videiras com raízes superficiais poderiam sucumbir ao clima. O foco aqui está nas castas tintas, com Tinta Roriz (ou Aragonez), Trincadeira e Alicante Bouschet plantadas em fileiras intercaladas, o que torna os trabalhos no vinhedo um pouco mais fáceis que no Palmeiro. A condução em fileiras também permitiu uma forma simples de diminuir o ataque de oídio (um fungo que atinge folhas e frutos em clima seco). O simples levantamento da canópia (galhos) da videira permitiu maior arejamento e menos ataques do fungo. Consequentemente, diminui-se a necessidade da aplicação de enxofre nas vinhas. A regularidade com que esse vinhedo consegue produzir frutas com qualidade resulta no principal vinho da Lusovini no Alentejo, que leva seu nome.
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Bairrada
A região que tem como base a cidade de Coimbra tem produzido alguns dos vinhos com maior personalidade em Portugal, tudo graças à combinação dos solos calcários e ao melhor manejo das variedades locais, em especial a tinta Baga.
No caso da Lusovini, alguns dos vinhos que mais impressionam no catálogo vêm dessa região. Uma parte da explicação está na origem bairradina de Sónia e Casimiro, dois dos sócios da empresa. Sónia destaca também que nem toda a Bairrada tem solo calcário, essas parcelas são como pequenas e irregulares manchas no solo, o que requer um bom mapeamento para identificá-las e dar o tratamento adequado. Quando chove, é fácil notar essa característica. Em um vinhedo plano, notam-se fileiras com águas empoçadas (com argila compacta) e outras com solo seco (pedras calcárias).
Outra característica da Bairrada é o enorme fracionamento dos terrenos, segundo Sónia, um vinhedo contíguo de 1 hectare é considerado de boa extensão. A proximidade do mar ajuda a modular o clima, sem tantos picos de calor ou frio, e traz alguma umidade, o que pode ser muito benéfico quando se está nas parcelas calcárias, mas pode ser desastroso se está com um solo muito argiloso e compacto. Como em qualquer cenário complexo, quando se acerta o caminho, a recompensa é proporcionalmente maior. E a variedade Baga desempenha um papel importante nesse caso de premiar o enófilo. A variedade tinta tem forte personalidade, tanto no campo quanto na taça. No campo, é produtiva e tem cacho compacto, o que a deixa sensível a podridões e extremos de temperatura.
Casimiro, cuja família produz vinhos no local há mais de 300 anos, comentou que a variedade é caprichosa e demanda trabalho, mas, por outro lado, tem muita personalidade e resulta em grandes vinhos. “Aprendemos a domar a Baga. As frutas podem ir do verde ao sobremaduro em um piscar de olhos. Para controlar isso, fazemos uma exposição gradual dos cachos. No início da maturação, eles recebem apenas insolação matinal e deixamos as folhas proteger os cachos do forte sol da tarde. Conforme se avança no ciclo, vamos expondo as frutas ao sol poente também”, diz o enólogo.
Outra estratégia que a variedade permite aplicar é aproveitar seu vigor para uma colheita antecipada para fazer espumantes e deixar os cachos com melhor formação ter maior concentração e resultar em tintos. Do lado das variedades brancas, Maria Gomes e Bical dividem as atenções quando a primeira é mais responsável pelo frescor e a segunda pela textura, pelo corpo e pela personalidade.
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Dão
O coração da Lusovini está no Dão. A principal unidade de produção do grupo, além de ser a sede administrativa, de hospedar um museu regional do vinho e de contar com o ótimo restaurante (Taberna da Adega) para os que estão no entorno de Viseu, é o local em que os vinhos feitos nas outras quintas Lusovini fazem o estágio final em barricas e são engarrafados.
Ali também estão as quintas de João Paulo Gouveia, sócio da Lusovini, enólogo e professor de viticultura, que dão origem à linha Pedra Cancela. Ao contrário da Bairrada, a região do Dão é bem protegida da influência atlântica por estar cercada de serras, as principais do Caramulo e a famosa da Estrela. Aliás, esta segunda, onde se produz o simbólico queijo Serra da Estrela, é a serra mais alta de Portugal continental, beirando os 2.000 metros. O que pode parecer um dado ordinário traz um dos grandes preceitos locais para a viticultura: “Enquanto há neve na Serra, há o risco de geadas no vinhedo”. A região, aliás, é a primeira denominação de origem de vinhos tranquilos de Portugal (em 1908), depois apenas do fortificado Porto, em 1756. Aliás, o Douro e o Porto fizeram a fama da Touriga Nacional, que tem como origem justamente o Dão.
No entanto, ao longo da história, a produção local perdeu fôlego e, enquanto o Douro apostava na qualidade, o Dão preferiu se concentrar em vinhos de mais volume, priorizando os preços mais acessíveis. O sinal de alerta foi dado e agora muitas vinícolas começam a entender que os vinhos do Dão, tanto tintos quanto brancos, têm vocação para a qualidade, em vez de grande volume. Variedades locais interessantes, clima continental moderado e o solo granítico dão suporte a esse potencial. O bom provimento de água das vertentes, com solo de areia granítica, ajuda a amadurecer as uvas lentamente, fazendo com que tintos sejam maduros, mas sem perder o frescor, com álcool moderado e com taninos compactos e macios.
Esse momento de recuperação do Dão o faz berço das melhores oportunidades de compra hoje em dia. No catálogo de castas, além da Touriga Nacional, as tintas Alfrocheiro e Tinta Roriz são as maiores apostas da Lusovini e, com as brancas, lideram a Encruzado e a Malvasia Fina. Pode parecer conservador, em princípio, mas a Lusovini investe também na recuperação de castas autóctones, com mudas identificadas nas vinhas velhas. Variedades até então desconhecidas como Uva-cão, Barcelo, Rufete Marufo, Pilongo e Cidreiro, apenas para citar algumas, ganharam uma quinta exclusiva, a Quinta da Fidalga, destinada ao cultivo dessas variedades com manejo moderno, dividido em parcelas e fileiras.
Esse é apenas um dos experimentos da Lusovini, que também identificou três diferentes clones de Touriga Nacional em seus vinhedos, com ótimo potencial enológico, e testa diferentes teores de enxofre aplicado no vinhedo para diminuir o uso do defensivo e evitar a utilização de sulfitos na vinificação.

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Aprendemos a domar a baga. As frutas podem ir do verdade ao sobremadura em um piscar de olhos. Para controlar isso, fazemos apenas uma exposição gradual dos cachos. No início da maturação, recebem apenas insolação matinal e deixamos as folhas proteger os cachos do forte sol da tarde. Conforme se avança no ciclo, vamos expondo as frutas ao sol poente também
Casimiro Gomes