A quinta das quintas
O principal vinho da Quinta da Leda, produzido de forma mais consistente ano a ano, é o que leva seu nome, um tinto potente e elegante
Dentro do portfólio da Casa Ferreirinha, uma das joias de Portugal, um de seus vinhos mais emblemáticos é o Quinta da Leda. Em duas oportunidades, uma no Brasil, com a presença de Filipe Neves, gerente de marcas da Casa Ferreirinha, e outra no Douro visitando a propriedade, com a presença do enólogo Luis Sottomayor, participamos de uma vertical com algumas safras desse tinto potente e suculento e de projetos da casa.
No Brasil, os vinhos da Quinta da Leda são importados pela Zahil e têm lugar especial dentro da gama de rótulos produzidos pela Casa Ferreirinha, hoje controlada pela Sogrape. Basta dizer que de uma parte dos 76 hectares de vinhedos localizados no Douro Superior nasce, em anos especiais, o Barca-Velha, talvez o grande nome entre os tintos portugueses.
A história da quinta começa em 1979, com a venda da propriedade original, local de origem do Barca-Velha (onde hoje está a Quinta do Vale Meão). Disposto a não perder o potencial do nome Barca-Velha e daquela parte especial do Douro Superior, foi comprada a Quinta da Leda, onde o projeto surgiu do zero.
Se por um lado teriam de enfrentar o tempo para que as videiras se tornassem adultas e expressassem todo o seu potencial, por outro foi o primeiro vinhedo da região a ser plantado com as castas separadas nas parcelas do terreno e com a seleção de clones de cada variedade – decisão tomada por João Nicolau de Almeida, então enólogo da Casa Ferreirinha. Ao final predominaram (e ainda predominam) as variedades Touriga Franca e Touriga Nacional, com cerca de 20% plantado com Tinta Roriz, Tinto Cão e Tinta Barroca.
A explicação para tal proporção é a natural resistência que a Touriga Franca mantém para resistir às altas temperaturas e à seca. Parte do problema também foi solucionado com um moderno estudo de medição do stress hídrico da videira, que comprovou que em alguns anos a irrigação seria o único caminho para prevenir uma quebra significativa (em quantidade e qualidade) da safra.
Vale lembrar que a prática é proibida nos vinhedos que se destinam à produção de vinho do Porto. Embora estejamos tratando aqui de um tinto de mesa (não fortificado), a Quinta da Leda também fornece uvas para a produção de Porto.
Uma preocupação levantada durante a degustação foi se os rendimentos não foram aumentados em razão da permissão para irrigar. Filipe comentou que os rendimentos por planta seguem baixos e dentro de um mesmo padrão ao longo da história. “Além disso, irrigamos apenas 30 hectares de vinhedos na Quinta da Leda, uma porção pequena, se comparada ao tamanho da propriedade”, afirmou Filipe.
A vertical partiu da safra mais antiga, de 1997, até a mais recente, de 2014. Vamos às particularidades de cada ano e aos vinhos provados em Portugal.
Quinta da Leda 1997
93 pontos
Esta foi a primeira safra do vinho. Apesar de um varietal de Touriga Nacional ter sido lançado na safra 1995, reconhecidamente não é o vinho tido como representativo da quinta. Na taça, o vinho se mostrou surpreendentemente vivo no nariz e na boca. A fruta negra (ameixa e cereja seca) e a violeta ainda estão presentes e envolvidas por uma série de aromas de evolução dessas duas décadas: tabaco, própolis e café. Na boca, a ótima acidez ajuda na percepção de vivacidade e os taninos estão bem amaciados e finos. A leve untuosidade e o álcool, que não se notam, formam um perfil sedutor e complexo, quando no final aparecem algo de tosta e tomilho.
Quinta da Leda Touriga Nacional 1997
92 pontos
Na forma varietal, o vinho mostrou a mesma força, estrutura e qualidade, com a fruta negra acompanhada de notas florais. Perdeu um pouco na elegância.
Quinta da Leda 1999
91 pontos
Neste ano o vinho mostrou outro perfil, com fruta mais madura (ameixa, cereja em calda e mel) com floral e ervas muito discretos, também retrato de um ano mais quente. Embora menos complexo que o 1997, este Quinta da Leda apresentou ótimo equilíbrio na boca. O vinho ganhou em estrutura e vem acompanhado de taninos muito finos, com boa intensidade e acidez adequada. No final, os tostados (pimenta negra e cacau) dão uma camada extra de aromas.
Quinta da Leda 2003
91 pontos
Um ano tórrido em toda a Europa resultou em um Quinta da Leda curioso, no qual o stress do calor se percebe apenas nos taninos, com perfil mediterrâneo (um pouco mais rústicos) e um toque de álcool a mais que deve ser integrado em alguns anos. Nos demais aspectos, o nariz limpo e dominado por violeta, frutas negras maduras e ervas, e a ótima acidez indicam um bom manejo no campo e ótimo ponto de colheita. Os tostados estão presentes com chocolate ao leite e incenso ao final. Esta foi a primeira safra vinificada na própria quinta, construção finalizada em 2001. Em 2002, não foi feito o Quinta da Leda por questões climáticas. Até hoje, após a fermentação, o vinho viaja até Vila Nova de Gaia, onde faz estágio nas barricas francesas, via de regra por 18 meses e 50% novas.
Quinta da Leda 2004
92 pontos
Um dos grandes anos da década passada. O que sobressai neste é a robustez e profundidade, com o álcool perfeito, nariz de frutas vermelhas, mas com notas de tabaco e chocolate bem integradas. Também passou 18 meses em barricas de carvalho.
Quinta da Leda Vinha Ribeira 2004
95 pontos
De uma parcela especial nasceu esse potente e delicioso vinho, de cor rubi-profundo, aroma intenso e complexo, no qual domina a fruta vermelha, como cereja, misturada com notas balsâmicas e de tabaco. Na boca, aparece o floral, e sobressai a acidez que lhe confere frescor, bem como taninos de qualidade, regressando os aromas a frutos vermelhos. Final intenso e com grande potencial de envelhecimento.
Quinta da Leda 2005
90 pontos
Ao contrário de 2003, 2005 foi um ano aclamado em muitas partes da Europa, mas no Douro Superior foi um ciclo de seca quase completa. Em um ano, houve menos que 100 milímetros de chuva, índice de deserto. O vinho segue íntegro com aromas de frutas negras em compota (ameixa e cereja), com pão tostado e baunilha. Na boca é fácil de agradar, com taninos redondos e macios, o que resulta em textura aveludada com delicada untuosidade. O álcool está bem integrado e apenas a acidez está um degrau abaixo do esperado. No final, cânfora e mentol passam alguma sensação de frescor.
Quinta da Leda 2008
93 pontos
Provado em garrafa magnum (1,5 L). Esta foi a primeira safra na vertical sob comando do atual enólogo, Luís Sottomayor (sucedendo a Domingos Soares Franco). Trata-se de uma safra considerada excelente e que resultou no recém-lançado Barca-Velha. Já no visual trata-se da amostra mais concentrada do painel. Ainda jovem, traz no nariz violeta, fruta negra fresca (amora e cereja), coco e mel. O conjunto de taninos, acidez e álcool é sedutor e sem arestas. No final, algo de pólvora e violeta. A pureza dos aromas e o equilíbrio dos componentes indica que aqui há potencial para ir longe, apesar de se mostrar muito atraente desde hoje.
Quinta da Leda 2009
91 pontos
Mesmo com a idade, continuou mostrando cor rubi de boa intensidade. Aromas complexos, com saliência para as notas de frutos vermelhos e negros, balsâmico a resina e a cedro. Um ligeiro cacau e chocolate, fruto de uma boa maturação e madeira discreta muito bem integrada. Na boca, excelente volume, acidez bem integrada, taninos de boa qualidade, frutos vermelhos e pretos bem presentes, uma ligeira nota arbustiva e um final longo e harmonioso.
Quinta da Leda 2011
91 pontos
Esta safra foi considerada quente, mas sem extremos de calor. No nariz não se o percebe muito – o vinho está em fase fechada, quando saltam com timidez aromas de violeta, pólvora e madeira tostada. Na boca há a confirmação que se trata de uma fase. A fruta negra e a violeta se mostram com maior vigor e de forma pura. Há bastante extrato e os taninos são compactos e muito finos. A acidez é correta e o álcool mal se nota. No final, algo de baunilha e pimenta-da-jamaica. O vinho deve premiar os pacientes.
Quinta da Leda 2014
90 pontos
Esta é a primeira safra em que a Touriga Franca assume o protagonismo no vinho, com 60% do blend (seguida da Touriga Nacional e Tinto Cão com 15% cada uma e 10% de Tinta Roriz). Ainda que muito jovem, é possível perceber uma mudança no estilo do vinho, com fruta fresca, menor concentração e menos tostado. A fruta negra fresca (cereja) recebe a companhia de frutas vermelhas (framboesa) e especiarias (pimenta rosa). O perfil na boca segue a mesma construção de anos anteriores, com delicada untuosidade, taninos finos, presentes, mas nada agressivos, e com acidez pulsante. No final, um toque lático, de pimenta rosa e erva-doce reforçam o novo caminho da Quinta da Leda.
Por Marcel Miwa
Colaborou Ricardo Castilho
Fotos Ricardo Castilho e Divulgação