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A revolta dos chefs: estrelas da gastronomia decidem se posicionar sobre avaliações de clientes

Tássia Magalhães, do Nelita, e Rodrigo Oliveira, do Mocotó, são alguns dos profissionais que vieram a público para reclamar de atitudes da clientela que consideram injustas

Por: Daniel Salles

“Do fundo do coração espero que você melhore como pessoa. Você não é e nunca será tratado como superior a qualquer pessoa dentro do Nelita e, por fim, pessoas assim não são bem vindas aqui”. Terminou assim a legenda do post no qual a chef Tássia Magalhães espinafrou um cliente que reclamou na internet do restaurante dela, o Nelita, em São Paulo. Convém explicar que a insatisfação do freguês se refere a um jantar ocorrido na noite de 11 de outubro, quando a cidade enfrentou um dos piores temporais dos últimos tempos. Por culpa da chuva, 7 pessoas morreram e quase 2 milhões de endereços ficaram sem energia elétrica, incluindo o Nelita, que fez o que pôde para atender quem optou por permanecer no endereço — ele figura em 26º na edição deste ano do ranking “Latin America’s 50 Best Restaurants”.

Ricardo Castilho JR

“Me faltam palavras para descrever meu descontentamento”, escreveu o tal cliente, ao avaliar o Nelita com 1 estrela no Google. “Sendo uma das mesas que optou (sic) por permanecer no local (…), me causa total estranheza a completa falta de tato do restaurante ao me entregarem uma conta de mais R$ 1.000 para duas pessoas sem absolutamente nenhum desconto ou gentileza (nem uma sobremesa, por exemplo). No final, me sinto como um completo idiota de ter optado por permanecer no local, comer no escuro, com calor, sem poder pedir o que realmente queria e receber o mesmo tratamento e conta como se o serviço tivesse sido o de um dia normal. E lembrando que na entrada ainda mencionei ser meu aniversário. Mesquinhos, sem tato e de péssima hospitalidade que não combinam com a pretensão e o preço praticado pelo estabelecimento”. 

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Magalhães conta que só se debruçou para valer sobre a avaliação, copiada na conta do Nelita no Instagram, na segunda-feira, quando o cliente voltou à carga: “nenhuma resposta ou reação?”. “Aí eu achei uma afronta”, resume a cozinheira, que postou o seguinte na mesma rede social: “Tínhamos 25 pessoas dentro do Nelita [quando acabou a luz, por volta das 19h40], encerramos a porta e atendemos somente as pessoas que já estavam sentadas — claro que ninguém é obrigado a ficar dentro de um restaurante sem energia (…). Nos reorganizamos, colocamos velas, abrimos as portas, conversamos com todas as mesas e perguntamos se estava tudo bem, e assim seguimos da melhor maneira possível”. 

Ela escreveu que lembrava com detalhes da mesa do cliente descontente, que ganhou duas taças de espumante de graça pelo fato de ser o aniversário dele. “Até quando teremos que aguentar e ficar com medo de clientes que acham que estão acima de tudo? Querer se beneficiar da desgraça dos outros, sair de casa para jantar, pedir tudo, comer e beber e no final achar que o restaurante tinha o dever de dar uma cortesia e um desconto para ele, pois ele optou por ficar no restaurante, não, não podemos aceitar”. Em seguida, contou que o Nelita faturou 70% a menos do que de costume na sexta e absolutamente nada no sábado. A postagem de Magalhães teve mais de 4.800 curtidas, 1.600 compartilhamentos e 930 comentários, a maioria em apoio à postura dela. 

Ricardo D'Angelo

À frente do Mocotó, o chef Rodrigo Oliveira também se manifestou, recentemente, sobre avaliações de seu restaurante no Google que considera injustas. Tirou fotos de várias delas e compartilhou o conjunto no Instagram, com respostas bem-humoradas para cada uma. Para a mulher que deu uma estrela (alegando que não pôde almoçar porque chegou às 16h55 e foi informada de que o restaurante fecha às 17h), escreveu o seguinte: “Não dá mesmo para chegar às 16h55. Só se for num lugar especializado em miojo”. No fim do post, Oliveira explicou o seguinte: “Quando alguém dá uma nota 1 (que eu acho que só deveria ser usada quando acontece algum desastre), muitas vezes são necessárias dezenas de avaliações 5 estrelas para a média voltar ao patamar anterior”. 

Ouvir falar de chefs que não abaixam a cabeça para os clientes em caso de críticas injustas ou desrespeitosas é cada vez mais comum. “A internet permite a livre expressão e também a expressão excessiva dos clientes, às vezes contaminada por frustrações pessoais que não têm nenhuma relação com o restaurante ou bar onde eles tiverem uma experiência que consideram insatisfatória”, diz Fernando Blower, presidente do SindRio, o Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro. 

Blower, como é de imaginar, assim como Magalhães e Oliveira, não acha que o cliente tem sempre razão — ideia, felizmente, com cada vez menos adeptos no Brasil. “Os descontentamentos dos clientes, em muitos casos, se devem à falta de conhecimento da proposta do bar ou restaurante”, argumenta o presidente do SindRio. “Daí a importância de deixar bem claro para a clientela o que ela deve esperar. É muito comum ouvir críticas, por exemplo, em relação ao tamanho das porções servidas em menus-degustação. Mas essa é uma característica de sequências do tipo. Se o cliente não sabe disso é uma coisa. Se sabe e resolveu pagar por um menu-degustação mesmo assim, não pode reclamar depois”.

Com fama de “pavio curto”, que não nega, Thomas Troisgros não costuma baixar a guarda quando os clientes passam dos limites. No Toto, um de seus restaurantes de maior sucesso, boa parte das dores de cabeça estão relacionadas à política de reservas da casa. Em resumo, no mínimo 70% dos ocupantes da mesa precisam estar no local na hora da reserva, com tolerância de no máximo 15 minutos — do contrário, entra-se na fila de espera. Certa feita, uma cliente chegou a tempo da reserva que havia feito — mas ainda faltava a turma toda com quem ela iria jantar. Informada pelo chef de que a reserva dela seria cancelada, ela disparou: “Você está achando que está em Nova York? Quero ver até quando isso aqui vai durar”. Com o sangue fervendo, Troisgros não deixou barato: “Eu não preciso da sua energia aqui”. Em tempo: o Toto segue firme e forte. 

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