Acorda, Brasil

(*) POR CARLOS CABRAL
Em fevereiro de 1982, fiz minha primeira viagem profissional à Serra Gaúcha, numa comitiva da recém-criada Sociedade Brasileira dos Amigos do Vinho (Sbav). O grupo foi recebido com todas as honras, fato comum naquelas plagas. Ao final de um grande almoço, fui surpreendido com a declaração do presidente da Cooperativa Vinícola Aurora, Armindo Schenato – na época a mais poderosa do Brasil –, de que não apoiaria a Sbav porque, em suas palavras: “Não apoiaria um leão que no futuro me atacará pelas costas”. De bate-pronto, respondi: “Então, o senhor não confia no vinho que faz?”
Passado o mal-estar, ficou a reflexão. Os consumidores brasileiros a cada dia adotam o vinho e o produto nacional que, por sua vez, cresce em qualidade. Em outros tempos, nossos rótulos eram um cartório gaúcho e, em termos de importação, o Brasil mais parecia uma Albânia comunista. Mas, felizmente, tudo mudou.
Com a abertura das importações a partir de 1990, uma enxurrada de vinhos importados passou a freqüentar a mesa dos brasileiros. Em contrapartida, o setor vinícola nacional se modernizou. Nossos produtores já não têm medo de inscrever seus vinhos em concursos internacionais, e os espumantes são nosso maior orgulho. As sociedades e as confrarias se multiplicaram. A Sbav e a Associação Brasileira de Sommeliers (ABS) têm uma legião de seguidores.
Se voltarmos no tempo, veremos que em 1996 o mercado estava assim organizado: 70% do consumo de vinhos eram de produtos nacionais e 30%, de importados. Em 2001, essa situação chegou ao equilíbrio. Em 2007, a ordem se inverteu: 25% dos vinhos consumidos eram nacionais, e 75%, importados. Um espanto! E não digam que isso se deve à melhoria da qualidade das bebidas, porque temos uma porção de rótulos importados de baixa qualidade habitando livremente nossas mesas.
O que ocorre? A meu ver, dois são os problemas. O primeiro é a maldita carga de impostos que o vinho brasileiro paga, além de seu alto custo de produção e de fretes. Lamentavelmente, o vinho no Brasil é visto como “bebida alcoólica” e não como alimento, como na Europa. Se a sonhada reforma tributária for ao Congresso, espero que a bancada evangélica não esteja presente – ela sempre se esquece de que Jesus gostava de vinho!
O segundo problema é bem “tupiniquim”. Os órgãos oficiais que controlam a política do vinho não investem na “prata da casa”. A União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra) e o Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin) deveriam ditar as regras e agir sobre a divulgação da bebida brasileira de Norte a Sul, de Leste a Oeste. Deveriam apoiar as confrarias dionisíacas e as entidades que formam enófilos. Louvamos o trabalho da “Wine of Brasil”, que divulga nossa bebida no exterior, mas de que nos serve visitarmos os quintais dos vizinhos se ainda não conhecemos o nosso?
No momento em que a Europa, o Chile e a Argentina estão entupidos de vinhos, e nós somos “a bola da vez”, a ordem deveria ser travar com todos eles uma guerra saudável. Os europeus possuem subsídios aos montes e até nos oferecem rótulos a preço de banana. Os argentinos e os chilenos também. Degustações temáticas e convites para que a imprensa especializada visite seus vinhedos não param de chegar. E nós?
Não vejo investimentos sólidos nesse setor. Algumas ações tímidas e isoladas, e só. Se quisermos ser respeitados e eleitos pelos nossos consumidores, devemos investir muito, e não aguardarmos atos patrióticos. Portanto, senhores do vinho, vamos investir no Brasil e nos brasileiros desde hoje, para não chorarmos amanhã!
(*) Carlos Cabral estuda vinhos há 38 anos. É consultor e um apaixonado pelo tema