Alimentando o conhecimento
Por Beatriz Albertoni
Fotos Naira Martins Fotografia/ divulgação

Em uma aula de gastronomia, quem normalmente comanda as caçarolas são chefs experientes com passagens por renomados restaurantes. No entanto, no evento Conversa na Cozinha, promovido pela Fundação Nestlé Brasil, grandes nomes da gastronomia brasileira como Bel Coelho (Cladestino, SP), Rodrigo Oliveira (Mocotó e Esquina Mocotó, SP), Betty Kovesi (Escola Wilma Kovesi, SP), Ligia Karasawa (Eataly, SP), Telma Shiraishi (Aizomê, SP), Paulo Yoller (Meats, SP), Mara Salles (Tordesilhas, SP) e Ana Soares (Mesa III, SP) sentaram-se à mesa dos estudantes. Isso porque, dessa vez, quem ensinou as receitas e compartilhou histórias de vida foram as cozinheiras de escolas públicas.
Silvânia da Silva Bezerra, Rosângela Bueno de Oliveira, Rosimeire da Silva, Maria dos Reis e Tatiana Batista são algumas das merendeiras de escolas de São Paulo e de Guarulhos vencedoras do Nutrir nas Escolas, um dos pilares de atuação do Programa Nutrir Crianças Saudáveis, concurso que premia educadores e instituições que estimulam uma vida mais saudável a partir de alimentação balanceada e atividades físicas.
O projeto tem como objetivo ajudar a melhorar o cenário de aumento de peso e sedentarismo entre as crianças por meio do conhecimento. Parte essencial dessa mudança, as cozinheiras se empenham em preparar receitas que sejam nutritivas e, ao mesmo tempo, atrativas para o paladar infantil.
No encontro que aconteceu na Escola Wilma Kövesi de Cozinha, as merendeiras demonstraram o preparo de alguns pratos que servem nas escolas. Enquanto isso, os chefs presentes puderam tirar dúvidas e oferecer dicas para facilitar o dia a dia na cozinha. Mara Salles, chef do restaurante Tordesilhas e parceira do Nutrir desde 2013, não deixou de destacar o uso do glutamato monossódico de maneira correta. “Muitas cozinheiras usam produtos industrializados nos preparos, o que não é bom. E alguns elementos, como o glutamato, podem ser encontrados facilmente na natureza”, diz.
Bel Coelho também trouxe à tona a importante relação entre cozinheiros e nutricionistas. “É um trabalho de união”, diz. A chef do restaurante Clandestino diz que fez questão de colocar o seu filho em uma escola pública. “Venho de uma família de elite e sempre estudei em escola particular. Sinto que não vivi o Brasil de verdade”, conta. “Tenho trabalhado na cozinha da escola tentando transformar ali em uma atividade prazerosa tanto para as crianças, quanto para as cozinheiras.”
Receitas nutritivas, incluindo ingredientes para melhorar a alimentação dos alunos, foram destaque no encontro, como o bolinho de batata-doce com recheio de proteína texturizada de soja preparado por Rosimeire e Maria, cozinheiras da Escola João XXIII.
Silvânia, da Escola Municipal de Ensino Fundamental José Quirino Ribeiro, também utilizou a carne de soja para preparar uma lasanha de abobrinha vegetariana. “Meu filho não come carne e, aproveitando isso, desenvolvi essa receita para que os alunos também se alimentem de forma mais saudável. O legal é que eles gostaram tanto que sempre perguntam quando terá de novo”, diz.
A beterraba, mais um alimento essencial à dieta infantil, entrou sutilmente na sobremesa de Tatiana. Ela preparou um delicioso alfajor com recheio de café e cobertura de chocolate com beterraba. “É um ingrediente a mais”, conta.
Provando que criança também lambe os beiços para salada, Rosângela, da EPG Evanira Vieira Romao, ensinou o passo-a-passo de uma feita com macarrão, cenoura e abobrinha. “Sempre pensamos no bem-estar dos alunos. Essa receita, por exemplo, eles, em conjunto com a professora em sala de aula, que deram o nome de salada surpresa. Isso faz com que se interessem mais pela comida”, conta.
Glaucia Simon foi quem conduziu a apresentação das cozinheiras e diz que é importante aproximar a merenda da sala de aula. “Muitas crianças não conhecem certos ingredientes e de onde vêm. Hoje percebemos que elas levam conhecimento das escolas para casa, antes era o contrário. Isso é educar”, afirma.
Além dos pequenos, o projeto Nutrir nas Escolas também propõe desafios para educadores físicos, gestores, nutricionistas e cozinheiros. Na cozinha, alguns dos objetivos são evitar o desperdício e criar receitas apetitosas para aumentar o consumo de ingredientes rejeitados pelos alunos.
“A criança paulistana tem muita dificuldade em consumir peixe”, diz Glaucia. “É preciso preparar os pescados de forma correta para ficar saboroso. O que não é fácil, já que muitas escolas não têm nem mesmo um forno à disposição”. Rosimeire e Maria, em alguns de seus testes, inspiraram-se na receita de pirarucu de casaca para preparar a polaca de casaca. “Servimos e as crianças adoraram. Quando falamos que era peixe, muitas nem acreditaram”, diz Maria.
O projeto que em 2017 teve 512 escolas inscritas, 1238 educadores participantes e cerca de 460 mil alunos envolvidos hoje está com mais de 1800 novos desafios em andamento, a fim de difundir ainda mais o conhecimento e melhorar o cenário da saúde de crianças em idade escolar. Em relação às cozinheiras, as protagonistas do encontro, Glaucia diz que precisam saber que são capazes. “E entender qual o papel delas e a importância desse trabalho na vida das crianças.”