O maior de Portugal
Nova safra do mítico Barca Velha, o vinho que continua sendo o número 1 dos portugueses
Por Ricardo Castilho / Fotos: Divulgação
As uvas chegavam à adega com grande qualidade, mas o clima de apreensão era geral. Ao começar a fermentação alcoólica, rapidamente a temperatura ultrapassava os 30 graus e entrava em um ponto crítico. Se o carregamento de gelo vindo de Matosinhos, na região do Porto, não chegasse ao Douro Superior em tempo hábil, o enólogo Fernando Nicolau de Almeida sabia que todo o seu esforço e trabalho teriam sido perdidos. Estamos em 1952, e Fernando Nicolau, que tinha começado a desenhar um grande vinho de mesa para o Douro em 1940, sabia que, se não controlasse a temperatura, o projeto seria adiado mais uma vez. Mas a sorte e a torcida de todos estavam a seu lado, o carregamento chegou e as cubas foram envolvidas com cilindros de aço inoxidável cheios de gelo. A intenção era clara em sua cabeça. Ao diminuir a temperatura, atrasaria a fermentação e faria uma maceração mais longa. Ao prolongar o contato do líquido com as cascas das uvas, conseguiria extrair mais aromas e sabores, necessários para se fazer um grande vinho. Enquanto do lado de fora da Quinta do Vale Meão, no Douro Superior, onde o vinho seria elaborado, o sol escaldante dominava, no interior da adega blocos e blocos de gelo chegavam para abraçar as uvas Tintas Roriz, Barroca, Amarela e Touriga Nacional e garantir uma fermentação tranquila. O projeto, porém, começou com a seleção de uvas nos principais vinhedos da empresa, no Douro Superior, plantadas em diferentes altitudes. A extração que se pretendia, com taninos na medida e a máxima expressão da fruta, foi conseguida graças a um equipamento importado da França, que fazia a remontagem por bomba em balseiros.
Durante o planejamento para a elaboração do grande vinho, Fernando Nicolau procurou estudar e testar bastante. Foi até a França, estagiou em Bordeaux e na Borgonha, em busca de respostas sobre aromas, corpo e longevidade. O processo também incluiu viagens à espanhola Rioja e longas conversas com o francês Émile Peynaud, uma das maiores autoridades no mundo do vinho, que foi crucial na tomada da decisão definitiva para o nascimento do Barca Velha. O francês teria aconselhado: “Deixe os vinhos verdes tintos de lado e se dedique a este”.
O vinho nasceu, cresceu e conquistou uma legião de apaixonados por toda parte. Saiu a Quinta do Vale Meão, entrou a Quinta da Leda; a Touriga Franca passou a participar dos lotes; Nicolau de Almeida foi formando seus sucessores: primeiro, José Maria Soares Franco e, atualmente, o fera Luís Sottomayor, profissional que parece ter nascido para fazer esse vinho, dono da cultura e elegância necessárias para moldá-lo.
O Barca Velha é um vinho que pretende sempre atingir o equilíbrio natural de maturação, mesclando uvas de vinhas de baixa altitude, caso da Quinta da Leda, próxima ao Rio Douro, com as mesmas variedades das uvas vindas das partes mais altas da região, em um trabalho permanente e incansável pela busca de qualidade. A vinificação é bem cuidadosa, feita em pequenas cubas, com maceração longa, conseguindo a extração necessária para um longo envelhecimento. Depois, o vinho parte para o amadurecimento em carvalho francês, mas sempre utilizado com sabedoria, de modo que a bebida não venha a aromatizar. Adquirida pela Casa Ferreira em 1979, a Quinta da Leda, na encosta sul do Monte Calábria, foi uma aposta certeira para garantir a continuidade de uvas da melhor qualidade para o Barca Velha. Suas condições são muito especiais: Das 33.000 garrafas produzidas, 2.000 são destinadas ao consumidor brasileiro, importadas pela Zahil, que faz um trabalho de excelência com os vinhos da Casa Ferreira, marca que pertence ao grupo Sogrape. Elaborado apenas em safras especiais, essa é a vigésima edição do Barca Velha, o que mostra que essa máxima é seguida à risca. Trata-se de um vinho de grande riqueza aromática. Ao paladar, é intenso, com taninos muito redondos, com muita fruta, madeira sutil, final longo, no qual se percebem os caminhos para uma grande longevidade. São vinhos como o Barca Velha que nos fazem sonhar e nos apresentam personalidades que fazem obras de arte. Foi o caso do português Fernando Nicolau de Almeida, que, com as poucas condições de que dispunha na década de 1950, mas repleto de cultura e curiosidade, mantinha o sonho de fazer um grande tinto. Por isso, o Barca Velha continuará sempre no time dos grandes vinhos, daqueles que são muito maiores do que o próprio líquido que trazem em suas garrafas. Eles também guardam histórias, bonitas histórias.A Quinta da Leda e 20 safras