Por Ursula Alonso Manso , do Rio de Janeiro
Fotos Divulgação
O nome por trás da criação da cervejaria carioca Hocus Pocus, Pedro Butelli, é doutor em economia. Ele só foi acreditar que podia fazer cerveja (da boa, claro) quando levou para um concurso da Associação dos Cervejeiros Artesanais (Acerva) uma English Mild, produzida em apenas oito dias no fogão de casa. Ganhou o primeiro lugar no teste às cegas – o que funcionou como o empurrãozinho que faltava para lançar a marca no mercado. Em 2012, um ano antes do concurso, Butelli e o sócio, Vinícius Kfuri, haviam participado de um curso com o mestre cervejeiro Leonardo Botto. “Lembro de quando Vinícius levou, em uma garrafa pet, para eu experimentar a primeira cerveja que eles fizeram depois do curso”, diz Botto. “Sempre dei força para seguirem adiante e o resultado está aí.” A Magic Trap, uma Belgian Strong Golden Ale, a primeira cerveja da Hocus Pocus, foi lançada em setembro de 2014, no Botto Bar, na Praça da Bandeira. A partir daí, Butelli, que dava aulas na Fundação Getulio Vargas (FGV), e Kfuri, trader em um banco de investimentos, começaram a dupla jornada, entregando os produtos da Hocus Pocus em bares e restaurantes após o expediente.
Mas a “brincadeira” ficou séria. Kfuri largou o emprego no final de 2014. Seis meses depois foi a vez de Butelli. Para dar um aroma profissional à cervejaria, em agosto de 2015, eles convidaram o trader de combustíveis marítimos Bruno Mansur, que haviam conhecido na Acerva, para assumir a área comercial da Hocus Pocus. “O Bruno é uma das pessoas mais viciadas em cerveja que já vi”, diz Butelli. Para cuidar da parte financeira da empresa, no final do ano passado, a eles juntou-se Álida Walvis, casada com Kfuri e que até então atuava como gerente em um banco de investimentos.
Estava formado o quarteto da Hocus Pocus. A marca, hoje, conta com uma linha de sete cervejas, entre IPAs, APAs e Amber Ale. À exceção da Coffee Hush, que leva café, todas as outras são produzidas na fábrica da Antuérpia, em Juiz de Fora, Minas Gerais, apenas com água, malte, lúpulo e levedura. “Nossa ideia é lançar uma nova cerveja a cada dois ou três meses”, diz Butelli. Para o Lasai, onde só entra Hocus Pocus, os sócios apresentaram cinco tipos de cerveja para harmonizar com a gastronomia do restaurante. O chef Rafa Costa e Silva ficou com a Hush, que não é exclusiva da casa, mas leva a marca do Lasai no rótulo.
De 1.000 litros no lançamento, no Botto Bar, a Hocus Pocus fabrica, atualmente, 25.000 litros de cerveja por mês, distribuídos em mais de 300 pontos de venda entre Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Ceará, Goiás e Rio Grande do Sul. E tem planos de crescer ainda mais, chegando até o Amazonas. Butelli credita boa parte do sucesso ao Untappd, que funciona como uma rede social de cervejas artesanais, na qual os usuários classificam o que bebem.
Segundo ele, a Magic Trap e a APA Cadabra são as melhores em seus estilos no Brasil, enquanto a Coffee Hush é considerada a melhor no mundo no seu estilo. Também está nos planos do quarteto abrir um segundo Hocus Pocus DNA, o bar próprio da marca.
O primeiro, aberto no segundo semestre do ano passado, em Botafogo, vive cheio e oferece sabores exclusivos, como a Pandora. “Com o bar, conseguimos testar a aceitação de novas cervejas e controlar a qualidade do produto do início ao fim, até o momento em que ele vai para o copo do cliente”, diz Butelli. Outro projeto é ter uma fábrica para chamar de sua. “Mas vamos aos poucos, com recursos próprios, não queremos investidores que depois terminem influenciando no processo de criação.”
O portfólio
Magic Trap
Dourada e do estilo Belgian Strong Golden Ale, a Magic Trap é uma cerveja mais frutada e mais forte que outras do mesmo estilo. Usa uma levedura Trapista a temperaturas que maximizam o aroma esterificado intenso de banana, o que acaba mascarando seu teor alcoólico elevado. Assim, ela passa a impressão de ser uma cerveja bem leve, enquanto esconde uma força que só se encontra nas belgas mais pesadas.
Hush
A Hush é como a Hocus Pocus interpreta uma Amber Ale clássica. Avermelhada, translúcida, com alto drinkability e aroma complexo que tem origem no personagem principal dessa cerveja: o malte caramelizado. Com 5,5% de ABV, leve e com um final seco, foi feita em parceria com o chef Rafa Costa e Silva, do restaurante Lasai, premiado com uma estrela Michelin, e é o resultado do trabalho conjunto de pessoas que amam o que fazem e passaram boa parte da vida estudando para criar experiências sensoriais surpreendentes.
Coffee Hush
A Coffee Hush é a que surge quando a Hush e uma quantidade imensa de grãos de café se misturam antes de ir para a garrafa. De cor âmbar avermelhada e translúcida, a cerveja fica pouco tempo em contato com os grãos, extraindo apenas os compostos mais solúveis do café, que conferem notas mais frutadas e frescas, em vez dos aromas torrados e adstringentes que podem vir de extrações mais profundas. Isso garante um aroma leve, acidez controlada e complexidade dificilmente encontrada tanto em cervejas quanto em cafés.
APA Cadabra
A APA Cadabra foi inspirada na escola americana de fazer cervejas. Cargas absurdas de lúpulo nas etapas finais do processo geram um aroma cítrico e intenso, remetendo principalmente a maracujá. O sabor segue o aroma, adicionando ainda um amargor médio característico do estilo, que acompanha seus 5,2% de ABV.
Interstellar
A Interstellar é a primeira American IPA feita pela Hocus Pocus. Utilizando o dobro da quantidade de lúpulo da APA Cadabra em um perfil bem diferente que inclui Azacca e Mosaic, a Interstellar é uma bomba de aromas de manga e maracujá, com sabor de lúpulo extremo para uma IPA de “apenas” 7% de ABV. Lançada no Mondial de La Bière de 2015, foi a segunda colocada entre mais de 800 cervejas na votação do público que compareceu ao evento.
Overdrive
A Overdrive é uma Northeast Double IPA (ou Vermont DIPA, ou New England DIPA) Single Hop Citra com aveia em sua composição e fermentada com o Conan, fermento clássico do estilo. A primeira impressão é de que estamos olhando para um suco de frutas turvo e com alta retenção de espuma. Os 20g/L de Citra, com o fermento, geram um aroma de pêssego intenso, com abacaxi e maracujá em segundo plano. A combinação aveia/Citra/Conan cria uma maciez e suavidade que ignoram os 85 IBUs e 8.2% ABV.
Event Horizon
Event Horizon é o nome que se dá para o limite do espaço-tempo além do qual não existe a possibilidade de retorno. Tudo o que passar por essa linha imaginária, até a luz, estará totalmente isolado de qualquer contato com o universo anterior para sempre. Essa Northeast IPA foi criada para apresentar um perfil aromático bem diferente do cítrico por que estamos tão apaixonados em outras IPAs. Algo que surpreenda e que, como muitas experiências que temos pela primeira vez, causa uma certa perplexidade de início, mas basta começar a se acostumar com esses aromas extremamente complexos para iniciar uma busca irreversível por aromas cada vez mais inusitados, que causam sensações físicas ao olfato. Na falta de uma única palavra curta, simples e em português, “DANK” é o termo mais preciso para essa cerveja. É um aroma altamente pungente, terroso, “úmido” e resinoso, com presença de pinho e um tom cítrico que equilibram um pouco esse soco no nariz que mascara muito bem o dulçor do pêssego que vem do fermento Conan.
Sazonais/Limitadas
Pandora (exclusiva do Hocus Pocus DNA)
Fazer uma Lager realmente boa é um desafio gigantesco: qualquer falha, por menor que seja, se torna óbvia. Outro desafio é o de fazer uma Lager que surpreenda o paladar dos beer geeks mais exigentes. Essa Pandora é uma Helles que marca o início de uma fase em que experimentaremos com estilos a que não nos aventuramos antes, sempre tentando destacar as melhores características de cada estilo.
Time Travel
“Apresentamos a cerveja mais densa, complexa e pesada feita pela Hocus Pocus até hoje. A Time Travel é uma Double Imperial Stout com 15% ABV escondidos por trás de grãos de café, raspas de coco, nibs de cacau do Acre, Rondônia e Xingu, e baunilha do Tahiti. É uma cerveja de guarda que já foi maturada durante seis meses e que pode ser esquecida na adega, viajando no tempo e sendo degustada para comemorar um futuro no qual as cervejarias artesanais terão resistido brava e heroicamente aos ataques de gigantes que não põem a alma na cerveja