Catalunha: Entre Tradição, Técnica e Experiências Gastronômicas

Por Cecilia Padilha (@yeswecook)

Na Catalunha, a gastronomia se apresenta como reflexo de uma tradição que se reinventa a cada temporada. Restaurantes, hotéis e pequenos “achados escondidos” da região mostram que o cuidado com o ingrediente, a técnica e a experiência do cliente são práticas que definem a excelência da cozinha local.

Can Bosch: cozinha de gerações

Em Cambrils, o restaurante Can Bosch é um exemplo dessa filosofia. À frente da casa, o chef Arnau Bosch trabalha com precisão e sem perder a sensibilidade da casa com décadas de história que atravessa gerações. A cozinha se conecta diretamente à região: os vegetais vêm da Verdcamps Fruits, maior produtora local com 300 hectares de fincas orgânicas premiadas por sustentabilidade. São cerca de 30 produtos que mudam de acordo com a estação, garantindo respeito à sazonalidade. Os frutos do mar saem diretamente de suas praias; já os cogumelos, de suas montanhas.

Pães, massas e confeitaria são feitos internamente, e até a lavanderia da casa integra a rotina de cuidado. A mãe de Arnau, Monserrat, atua no salão com atenção impecável, sempre com um enorme sorriso no rosto, tornando o serviço tão parte da experiência quanto o próprio prato. A carta de vinhos acompanha a filosofia de excelência: mais de 4.000 garrafas, com nomes como Petrus, Chateau Latour, Mouton Rothschild e Vega Sicilia. A equipe, com média de 11 anos de casa, traduz estabilidade e profundo conhecimento da casa, criando um ambiente repleto de afeto em que cada detalhe importa.

A anchova, com uma fina camada de manteiga e torrada crocante, é tão perfeita que nos faz querer retornar ao local só para repetir; o tartar de ostras com atum e avocado ou o de robalo com lagostins evidencia frescor e equilíbrio; a enguia defumada com molho de foie e figos combina sabores locais com complexidade. Há ainda pratos que conectam montanha e mar, como os cogumelos dos Pirineus acompanhados de lagostins pescados a poucos metros do restaurante. Cada detalhe é pensado para unir o tradicional ao contemporâneo, o que acabou resultando na estrela Michelin que carregam. Uma experiência que vale a viagem.

Barcelona de excelência

Já em Barcelona, o restaurante Hermanos Torres, com três estrelas Michelin, transforma a precisão técnica em experiência sensorial. Uma cozinha em que sabores são construídos com paciência, como caldos que cozinham por dias para extrair intensidade sem mascarar a essência do ingrediente.

A apresentação impressiona, mas é no paladar e na técnica que o restaurante brilha ainda mais. Cada etapa do menu degustação é orquestrada com agilidade e perfeição. Fermentações que duram meses, frutos do mar fresquíssimos, ovas posicionadas com precisão milimétrica — nada sobra no prato, nem por estética, nem por sabor.

Não há longas histórias. Uma breve descrição basta: os pratos falam por si. E falam alto com a potência espanhola. Com influências da cozinha molecular de Ferran Adrià e da memória afetiva da avó Catalina, os gêmeos Torres entregam uma cozinha de produto, de emoção, de verdade.

A carta de vinhos reforça a filosofia da casa: harmonizações com rótulos de diversos países, não se limitando ao velho mundo, como Argentina, Itália, Espanha e França conduzem o comensal por uma experiência sensorial completa. Entre os pratos que marcam a visita está o tartar de lulas, servido sobre um consomê transparente de frango e complementado com caviar do Tibete. O resultado é equilíbrio sem excessos, com cada elemento cumprindo um papel no prato.

Em um cenário mais intimista, o restaurante Suru, fundado pelos amigos Gemma, Charlie e Sergio, funciona quase que como um speakeasy, escondido atrás de uma porta discreta. Charlie, chef sem olfato e com paladar limitado, transforma a limitação em foco absoluto em texturas, acidez e equilíbrio. Cada prato passa pelo crivo coletivo, resultando em uma cozinha onde o produto é explorado com inventividade e respeito.

O menu tem seis pratos fixos – que os clientes não permitem que sejam retirados de cena – enquanto cerca de outros 20 mudam quatro a seis vezes ao ano, de acordo com a sazonalidade. Ostras da França com ajoblanco, mil-folhas de creme de cebola confitada com queijo de ovelha, yakitori de pele de frango com camarões e nhoque com cogumelos, manteiga noisette e kimchi de nabo são alguns exemplos de pratos que surpreendem na casa.

São muitas as experiências hoteleiras que combinam excelência na hospitalidade e gastronomia. O El Palace, no imóvel onde foi o antigo Hotel Ritz, mantém a imponência de sua arquitetura clássica e abriga o restaurante Amar, assinado pelo chef Rafa Zafra. Com passagens por Ferran Adrià, Zafra mistura pratos do seu restaurante de pescados Estimar, como o ovo de sete gemas e o sanduíche biquíni de salmão defumado com caviar, a clássicos do antigo Ritz reinterpretados, como linguado à Meunière e filet mignon à Rossini. Ingredientes como o caviar do Rio Amur garantem qualidade excepcional, enquanto detalhes como manteiga batida à mão elevam a experiência do couvert. A cozinha do dia a dia é conduzida pelo chef Gonzalo Hernández, assegurando consistência e excelência.

Já o Nobu Hotel fica em prédio contemporâneo e destaca-se pela vista panorâmica da cidade a partir da cobertura, onde funciona o restaurante. Pratos icônicos da rede se combinam a ingredientes locais. O café da manhã também é servido nesse espaço, criando um cenário que engloba pontos icônicos da cidade, desde a vista da Sagrada Familia até suas praias. A decoração dos quartos mistura o moderno a referências japonesas.

A Catalunha mostra que gastronomia vai além do prato. A região mostra que a cozinha abriga tanto tradição e legado como ousadia. Por lá, é fácil perceber que o verdadeiro luxo gastronômico não se mede apenas pelo preço ou estrelato, mas pelo respeito à temporada, ao produto e ao cliente. E assim, temos a certeza de que a gastronomia é, acima de tudo, experiência.