Chás e ervas do topo do mundo
Em 2013, provando chás especiais, fiquei encantada com um deles: o nepalês Jun Chiyabari Tea Garden
Apesar da proximidade com o Darjeeling, aquele chá era diferente, intrigante. Desde então, passei a observar com vagar e carinho esse lugar – e é sempre uma grata surpresa conhecer um pouco mais os chás do Nepal. O que sabemos sobre a República Democrática Federal do Nepal está ligado a seus templos, à Cordilheira dos Himalaias, ao local de nascimento do Senhor Buda, ao fantástico Monte Everest. País de natureza mágica, com uma grande biodiversidade devido à posição geográfica única e às variações de altitude – de 60 metros até 8.848 metros –, ele possui climas distintos: o subtropical e o ártico. O Nepal tem 147.181 quilômetros quadrados de extensão (é do tamanho do Ceará), está localizado entre a Índia e o Tibete, e tem uma população de 29 milhões de habitantes, que, apesar das dificuldades que enfrentam, são conhecidos por serem amáveis e carinhosos com todos os que os visitam.

Chama atenção o número de pequenos produtores: 14.000 em 9.800 hectares; ou seja, metade dos hectares plantados com chá está distribuída entre esse número imenso de produtores. Os principais distritos que produzem são os de Jhapa, Ilam, Panchthar, Dhankuta, Terahthum. Há muito trabalho inovador dentro do Nepal e Jun Chiyabari Tea Garden, ou Moon-lit Tea Garden, que quer dizer o Jardim de Chá Iluminado pela Lua, que é um exemplo. Vamos voltar ao pequeno Jardim de Chá que abriu este artigo.
A história começa no ano 2000, no almoço de um pequeno grupo de amigos e familiares, relembrando a época de escola em Darjeeling (no nordeste da Índia) – o aroma das plantações de chá de Tukvar, Singtom e Phoobshering, os templos escolares do Vale do Teesta. Depois da refeição, os irmãos Lochan e Bachan Gyawali tiveram a ideia de começar um Jardim de Chá no Nepal, que seria, para sempre, sua ligação com as lindas memórias da infância. Mas buscavam algo mais: esse jardim teria de ser inovador, produzir chás únicos, sair do convencional e criar as próprias regras para obter o chá que desejavam. Tudo passava pela escolha do local ideal para construir esse sonho e, em 2001, o Jardim de Chá se materializou nas montanhas perto da pequena cidade de Hile, distrito de Dhankuta, a leste do Nepal, na latitude 27o Norte – coincidentemente igual à latitude de Okinawa, no Japão, e à latitude de Zhejiang, na China. Com 75 hectares, o Jardim está em uma altitude que varia entre 1.650 metros a 2.200 metros, a 115 quilômetros do Monte Sagarmãthã, como é chamado, no Nepal, o Monte Everest. A história do Jun Chiyabari Tea Garden e seus chás maravilhosos se inicia aí, nesse terroir único do Himalaia. A palavra Jun quer dizer puro, em japonês, e se refere à pureza do Himalaia, presente no chá.
Além da influência climática sui generis, esses chás têm muitos cultivares envolvidos em sua história: cultivares descendentes dos que foram presenteados ao Nepal pelo imperador da China, em 1861; cultivares Darjeeling: P 312, B 157; cultivares da vila de Shiiba, montanhas de Miyazaki, no Japão, ilha de Kyushu: Miyazaki Ken, Yabukita, Sayama Kaori, Musashi Kaori, Yume Wataba, Minami Sayaka; cultivares taiwaneses: Hong Yue, Daye, Si Ji Chun, Chin Sin Oolong; cultivares chineses: China Zhu Ye Zhong, Fènghuáng Wü Dong Y Xiang. A conexão entre essas diferentes famílias que produzem chá ao redor do mundo formou um vínculo de amor e respeito – esse é o espírito do chá Jun Chiyabari.
Um detalhe interessante nessa história é que a família Gyawali, desde 1960, era amiga de uma família japonesa chamada Shimada. Em 2004 e 2007, os Shimada levaram mudas de Camellia sinensis japonesas de Shiiba para ser plantadas no Jardim de Chá Jun Chiyabari. Por coincidência, o nome Shimada, no Brasil, está ligado a uma das famílias que produzem chás em Registro, estado de São Paulo, no Sítio Shimada, de onde vem o famoso Chá da D. Ume, nossa querida Obaatian.
Com essa fusão de diversos cultivares e técnicas, nada mais apropriado – e inovador – do que dar um nome único, exclusivo, para cada chá produzido no jardim. Algo diferente dos nomes preestabelecidos pelos chineses, japoneses, britânicos. Aí entra o trabalho do Tea Master, que vai decidir qual chá será feito, a partir da observação de suas folhas, sentindo seus aromas, conhecendo suas origens, de onde vêm e quando foram colhidas:
“Tea is a work of art and needs a master hand to bring out its noblest qualities”, diz Okakura Kakuzo.
Alguns exemplos dos chás produzidos no Jun Chiyabari Tea Garden:
Chás brancos:
- Himalayan Ice – HI – só os brotos. Colheita muito cuidadosa feita por “mãos de fada”, no início da primavera. Pense em um Yin Zhen, o mais famoso chá branco chinês, com muitas flores do campo, aspargos brancos e um mel, muito suave, ao fundo.
- Himalayan Snow – HS – brotos e a primeira folha somente.
Chás verdes:
- Himalayan Evergreen – HEG – primeiro chá que experimentei do Jun Chiyabari. Um verde que lembrava os verdes do Darjeeling, mas com mais frescor e doçura.
- Himalayan Green – HG
- Himalayan Shiiba – HSH
- Chás parcialmente oxidados – conhecidos como oolongs.
- Himalayan Jade – HJ – produzido no início da primavera e com oxidação de 15%.
- Himalayan Shilla – HSL – com uma oxidação próxima à dos chás pretos.
- Himalayan Mist – HM – oxidação feita a partir do processo taiwanês modificado.
Chás pretos:
- Himalayan Imperial Black – HIB
- Himalayan Royale Ruby – HRR – usando, principalmente, as plantas de chás taiwanesas e japonesas.
O que posso dizer dos sabores: possuem caraterísticas de Darjeelings, de Bai Hao Oolong, de Yin Zhen, mas, principalmente, possuem vida e sabores muito próprios.
No aniversário de 460 anos da cidade de São Paulo, brindei com um chá “oolong” do Jun Chiyabari no topo do Edifício Itália – foi com um chá do topo do mundo. Nada mais paulistano – porque “és o avesso do avesso do avesso do avesso”, como canta Caetano Veloso.