ColunasDestaque PrincipalReportagens

Charcutaria no sertão

No sertão de Pernambuco, a família Peebles produz presunto cru e outros embutidos de porcos criados livres, seguindo as práticas do bem-estar animal

Por Ana Mosquera

 

De Pavarotti aos repentistas regionais, é a toque de boa música — e boas práticas de manejo — que caminha a criação de porcos na Yaguara. Localizada em Taquaritinga do Norte, a quase 200 quilômetros da capital Recife, a fazenda está na família da produtora rural Tatiana Peebles desde o final da década de 1970.

Continua após o anúncio

Além dos derivados suínos, são produzidos café e mel em sistema de agricultura regenerativa — termo cunhado por Robert Dale, para uma produção agrícola sustentável aliada à recuperação do solo. “Praticamos a policultura diversa, que é uma tradição antiga local. Já veio assim o pacote (risos). Nossa meta é manter essa mata e plantar. Temos o carinho de colher sementes de tudo”, explica Tatiana. E os porcos ajudam no processo, “chupam seriguela e jogam fora o caroço, semeando”.

 

Tatiana Peebles e sua filha Eleonora | Foto: Schuler

 

É entre os pés de café e de árvores nativas que transitam esses animais que tomam banho de mangueira duas vezes por dia. “Eles comem muito capim, cana e frutas, e quando saem para passear eles fuçam e comem o que for de época, o que traz para a carne uma riqueza de sabor muito grande”, conta orgulhosa a criadora.

Em 2005, a integrante do Slow Food Recife começou a desenvolver seus produtos artesanais de charcutaria suína, que aos poucos foram ganhando o gosto dos profissionais da cozinha. “No Nordeste, temos apoio de grandes chefs, como Wanderson Medeiros, Onildo Rocha, Joca Pontes e André Saburó”, diz Tatiana.

Dentro do Slow Food, é o GT Slow Meat que atua desde 2018 pela produção de carne de melhor qualidade, a diminuição do consumo e a proteção e a valorização das tradições e saberes populares. Uma lógica bem diferente da grande indústria, como comenta o chef Caco Marinho, integrante da Aliança de Cozinheiros Slow Food e um dos idealizadores do grupo de trabalho. “Há o viés ético da questão da vida animal, do sofrimento e da morte desnecessária, mas há também a preocupação com as consequências da produção extensiva para a saúde humana e o meio ambiente. O bem-estar não faz parte dos manuais de produção em larga escala”.

As cadeias curtas e justas de produção são pilares fundamentais do GT Slow Meat, como coloca o ativista do Slow Food Brasil, Pedro Xavier da Silva. “A partir do momento que já vemos a possibilidade de uma carne de produção animal boa, limpa e justa, identificamos alguns produtores rurais — de produções de bases comunitárias, com raças nativas —, que aparecem como um potencial dentro de ambientes tomados pela agroindústria e enxergam a transição agroecológica nesses lugares.”

Na Yaguara, fazendo jus a uma cadeia justa de produção, o abate dos porcos é coisa séria. “A gente consegue usar basicamente tudo para a charcutaria e coisas que não podem ser usadas, como pelo e ossos, vão para compostagem. Aproveitar o suíno todo é uma responsabilidade muito grande”, afirma a produtora.

Para ela, tão natural quanto manter uma produção rural sustentável é a troca produtor-cozinheiro-consumidor. “O produtor tem de entender o que as pessoas na área urbana comem, assim como as pessoas de lá têm de saber o que está disponível. É um grande ciclo”, diz ela, que ressalta a importância do profissional da cozinha dentro dessa cadeia. “Sem o produtor, o cozinheiro não vive, e sem o cozinheiro, o produtor não vive. É uma relação simbiótica”, finaliza.

 

* Reportagem publicada na edição 208 de Prazeres da Mesa.

Clique aqui para acessar a edição 208 completa e assine

Mostrar mais

Artigos relacionados

Leia também
Fechar
Botão Voltar ao topo