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Em se plantando tudo dá

Do Vale do Ribeira à Chapada Diamantina, guardiãs de sementes crioulas lutam para produzir, por soberania alimentar, alimentos bons limpos e justos

É pedindo licença aos antepassados que a guardiã de sementes começa sua fala. E é provavelmente do mesmo modo que Vanessa de França inicia os trabalhos nas roças quilombolas. Nascida e criada no Quilombo São Pedro, no Vale do Ribeira, interior paulista, ela aprendeu com os familiares mais velhos a respeitar a natureza; bem como a guardar as sementes para garantir a sobrevivência física e cultural de sua comunidade. “As sementes crioulas estão adaptadas ao território, ao clima, ao bioma, à biodiversidade e à própria realidade dos povos tradicionais.”, diz Naiara Bittencourt, advogada popular da organização Terra de Direitos.

Feijão mamoninha. Foto: Acervo pessoal Brígida Salgado.
Feijão mamoninha. Foto: Acervo pessoal Brígida Salgado.

Por Ana Mosquera

O conhecimento ancestral transmitido por gerações entre comunidades tradicionais pelo mundo, entretanto, vem sendo atacado desde a chegada da Revolução Verde. Ou seja, da tecnificação agrícola e da agricultura industrial. No pacote dito tecnológico, os organismos geneticamente modificados e as novas biotecnologias influem sobre a as sementes crioulas, fundamentais para a sobrevivência dos povos nos territórios.

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Sabe-se que o potencial dessas sementes é enorme e que não configura negação à tecnologia, como bem lembra Vanessa. “É uma valorização de saberes tradicionais que podem ser associados a conhecimentos científicos, para promover mais germinação e qualidade de produção e de plantio.”

Além da contaminação direta pela invasão dos organismos transgênicos, por exemplo, os detentores dessas tecnologias ancestrais estão suscetíveis a diversas consequências no que diz respeito à salvaguarda das sementes.

O trabalho com sementes crioulas na Chapada Diamantina

Na Chapada Diamantina, a agricultora, guardiã de sementes e idealizadora da Cooperbio, Brígida Salgado, conta que as mineradoras são causadoras da expulsão dos agricultores do campo e da contaminação dos recursos naturais. “As pessoas vão vendendo e saindo de seu lugar. São comunidades tradicionais que estão ali há centenas de anos. Acredito que elas tenham formas de armazenar sementes ainda desconhecidas, e que se perdem no momento da invasão”, afirma Salgado.

Além de prejudicar a manutenção das roças e o manejo das sementes, a expulsão dos camponeses compromete a existência de espaços de encontro locais. Afinal é onde usualmente se estabelecem trocas de conhecimento sobre produções agrícolas mais sustentáveis e de sementes em si. “Como esses espaços servem para diversificar as espécies, contribuindo para nossa fauna e flora, eles trazem a certeza de que teremos muda boa para o plantio. Isso, então, torna maior nossa produção de alimentos.”, conta Vanessa sobre a importância das feiras de troca.

Fundação Vida Para Todos. Foto: Lizely Borges/ divulgação.
Fundação Vida Para Todos. Foto: Lizely Borges/ divulgação.

Ela acrescenta ainda que, com as variedades crioulas, nunca depende-se de uma cultura só; garantindo a soberania alimentar das comunidades e também da população em geral. “Nós plantamos desde sementes até tubérculos. Quando falta uma coisa, suprimos com outra.”

As sementes crioulas diversificam, portanto, o plantio de alimentos. Dessa forma, podem, sim, alimentar a todos, como reitera Naiara, trazendo mais autonomia; bem como respeitando os processos locais, os pequenos circuitos, a valorização das pessoas e das variedades mais adaptadas ao território; seja em relação ao clima, à biodiversidade ou às manifestações culturais das comunidades.

Vanessa concorda e lembra que, para os quilombolas, essas sementes também são sinônimo de resistência. Não seria a hora, então, de alimentar o mundo com mais resistência?

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