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Fusão de tradições

Ao citar o estado de Minas Gerais pensamos em sua farta e saborosa gastronomia. Pratos ricos em sabor e temperados de histórias seculares que remontam à época dos escravos do ciclo do ouro, das pedras preciosas, dos tropeiros e das cozinhas da fazenda

Em outubro de 2019, a cidade de Belo Horizonte foi escolhida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) para compor sua Rede de Cidades Criativas. Desse modo, a capital mineira passou a integrar o seleto grupo de quatro cidades no Brasil reconhecidas mundialmente pela riqueza gastronômica. Além de Beagá, no país fazem parte da rede da Unesco, no quesito gastronomia, as cidades de Florianópolis, Paraty e Belém. Quando recebi o convite para fazer uma palestra no Mesa Ao Vivo com uma degustação harmonizada de azeites mineiros, busquei minhas inspirações no livro Angu, Feijão e Couve. Escrito por Eduardo Frieiro (que indico a leitura), ele é uma obra literária importante para se conhecer a culinária mineira.

Minas Gerais carrega em seu DNA gastronômico, além da tradição, a criatividade e a pluralidade, vinda de uma formação de cozinha de escassez de ingredientes. O azeite chegou até a mesa dos mineiros por meio dos portugueses, ainda no período colonial. Por influência também dos portugueses a carne de porco está presente nas receitas tradicionais da culinária do estado. Durante minha palestra, uma fusão de tradições, os participantes puderam degustar azeites mineiros, charcutaria, café e doces. Convidei para participar comigo dois especialistas. A primeira delas foi Débora Rabelo, fundadora do Café Abraço, um projeto com pilares de agricultura familiar, que promove o comércio justo e a valorização dos pequenos agricultores de café. E o segundo foi Petterson Tonini, nutricionista de formação e, desde 2014, chef charcuteiro por vocação.

A degustação de azeites mineiros

Fizemos uma degustação de dois azeites extravirgem mineiros. Sendo que ambos são premiados internacionalmente no concurso de Nova York e contemplados pelo guia italiano Flosolei 2019 entre os 500 melhores azeites do mundo. Ambos são extraídos no Planalto de Poços de Caldas, sul de Minas Gerais e, por isso, com influência sensorial dos solos vulcânicos.

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O azeite Borriello, da cidade de Andradas, extraído a uma altitude de 1.450 metros, foi degustado puro. Ou seja, em copos de cata profissionais para percebermos com detalhes os atributos positivos de um bom azeite. Como, por exemplo, picância e amargor; mas também os sensoriais típicos de azeites extraídos na Mantiqueira mineira: sabores herbáceos de grama recém-cortada;ervas frescas e couve (mais especificadamente, o talo da couve); frutos maduros, como banana e tomate, e notas florais.

A harmonização do itens da charcutaria

Posteriormente, harmonizamos quatro charcutarias artesanais produzidas por Petterson Tonini. Autodidata, Tonini idealizou e montou, no ano de 2018, em sua casa, na cidade de Brumadinho, um container marítimo refrigerado de 12 metros de comprimento, cozinha e câmara de maturação para a produção e conservação de suas charcutarias artesanais (que não passam pelo processo de defumação), com texturas delicadas e muita personalidade autoral nos sabores de cada produto.

O azeite extravirgem, o Irarema Frutado, produzido na cidade de Poços de Caldas foi provado propositalmente com todas as charcutarias do Tonini. Assim, foram eles: copa com quatro meses de maturação; o presunto cru com 26 meses; a pancetta enrolada, com cinco meses; e o salame autoral, que tem mais de 15 tipos de especiaria em sua receita e tem 50 dias de maturação. Em cada degustação, percebermos como o azeite potencializava um atributo marcante de cada charcutaria.

O sabor do copa com um fio do azeite Irarema potencializou seu sabor cítrico, que remetia ao de limão-cravo, mesmo sem este fazer parte da receita da charcutaria. Outros sabores, como os de coentro e anis, especiarias que compõem a receita do salame, foram evidenciados ao provarmos junto com o azeite. As harmonizações, então, demonstraram que o azeite serve como potencializador de sabores, dos mais suaves aos mais intensos. E o Irarema, por ser um azeite frutado maduro, com notas amendoadas, de frutos maduros, como pera e banana, de ervas frescas, como tomilho e manjericão, executou muito bem esse papel.

A harmonização com café

A Débora, especialista em cafés, surpreendeu positivamente a todos ao servir café de um microlote exclusivo.  Um experimento feito por um jovem cafeicultor de 22 anos, a partir de grãos da variedade Catuaí Vermelho, no sítio Serra da Picada, localizado no município mineiro de Poço Fundo. Ao ser fermentado por 21 dias o grão de café resultou em aromas e notas de azeitonas pretas, sensoriais, de percepção imediata e nítida ao provarmos o café recém-coado de grãos moídos durante a aula.

E, para finalizar, degustamos o doce de leite Rocca, produzido em Pouso Alegre, sul de Minas Gerais, com um fio de azeite Borriello, o mesmo que provamos puro no início da palestra. O azeite é um alimento versátil. Pode ser consumido puro, com charcutarias e até com doces. Saboreamos e percebemos isso a cada passo da palestra no Mesa Minas.

 

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