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Investimento em Vinhedos

O fascínio que envolve o vinho não tem limites. De consumo habitual despretensioso começa a crescer o interesse pelo tema, que leva, de forma crescente e irreversível, a namorar padrões cada vez mais elevados. Daí vem a expectativa de provar um rótulo mítico, experiência que uma vez concretizada desencadeia a necessidade de repeti-la com outros vinhos do mesmo patamar e, passo seguinte, a vontade de tê-los em casa, sempre em maior número.
Nesse meio-tempo, surge a vontade de conhecer o real mundo do vinho: onde ele é produzido. O verdadeiro apreciador de vinhos tem de ir às regiões vinícolas degustar na origem, onde a bebida alcança outra dimensão. A conversa com o produtor, a peculiaridade do vinhedo, o sabor da uva colhida do pé e o acompanhamento do processo de vinificação estão sempre expressos no vinho. É uma experiência obrigatória que estimula repeti-la outras vezes, mundo afora.
Muitos se contentam em permanecer nesse estágio, privilegiado e muito prazeroso sem dúvida, mas há quem vá mais além: ter o próprio vinhedo e com ele um rótulo só seu. Há vários exemplos de aventuras do gênero no Brasil, algumas um tanto inusitadas, como empresários que resolveram, quase como brincadeira, cultivar videiras em suas fazendas – sem alarde, sabe-se de casos em São Paulo, Minas Gerais e Goiás, pelo menos –, usando, inclusive, técnicas sofisticadas, com o objetivo de contornar o clima pouco favorável à obtenção de vinhos de bom padrão. Isso inclui estudos para determinar quais variedades plantar e, principalmente, trabalhos avançados no vinhedo no sentido de mudar o ciclo vegetativo da parreira – a colheita, ao contrário do habitual, é feita no inverno (o “não tão inverno assim” das regiões citadas), fugindo das chuvas de verão, como acontece no Brasil e nos países de clima tropical, o que prejudica o amadurecimento das uvas.
Há, ainda, os que têm mais esperanças, em particular aqueles que moram no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, que desenvolveram projetos maiores e mais sérios, apostando em áreas de seus estados, de onde, comprovadamente, saem bons exemplares nacionais.
Que o diga o vitorioso empresário Raul Anselmo Randon, que se iniciou no setor vitivinícola quase como num capricho. Proprietário de extensas áreas em Campos de Cima da Serra, perto da divisa com Santa Catarina, onde cultiva maçãs, Randon pretendia ter um vinho próprio para servir na comemoração de suas bodas de ouro em 2004. Resolveu plantar 3 hectares de vinhas em 2000, chamando o enólogo Adriano Miolo para tocar em frente sua ideia. Deu certo, gostou, e já tem mais de 50 hectares em produção, com perspectiva de alcançar 200 hectares até 2018. Seu vinho, o RAR, está muito bem posicionado no ranking dos melhores tintos brasileiros.
Com a dimensão alcançada, a vinícola de Raul Randon deixou de ser hobby, entrando efetivamente na categoria de negócio, que, se não tira de seu mentor o orgulho de ter um vinho personalizado, necessita ser conduzida profissionalmente, com a estrutura e os cuidados inerentes a uma empresa que tem de dar resultados. Ter uma área menor não significa escapar dessas preocupações. Não vai se livrar de manter, no mínimo, um enólogo, equipamentos e pessoal permanente para cuidar do vinhedo, além de alguém que se ocupe da parte administrativa e comercial. Um aparato que não é proporcional ao tamanho da empreitada – a mesma equipe daria conta de um projeto eventualmente maior.
A ideia de se tornar um despreo-cupado “vigneron” tem a ver bem mais com o lado lúdico do vinho do que participar de um projeto que pode se tornar um permanente processo de apenas injetar recursos. Assim perde a graça. Uma boa opção são os vários empreendimentos que estão sendo desenvolvidos na região argentina de Mendoza, onde, sob a forma de condomínio, são vendidos lotes para a implantação de vinhedos – cada um com o seu –, compartilhando os custos de produção.
O pacote inclui o preparo do terreno, o plantio das videiras, escolhidas conforme o desejo do comprador, com a consultoria dos enólogos contratados pelo empreendimento. Esses mesmos profissionais cuidam de todo o processo que se segue, desde a manutenção do vinhedo e a colheita das uvas até a vinificação. Em resumo, não é preciso ser técnico no assunto para produzir o próprio vinho. Em todo caso, quem quiser pôr a mão na massa e fazer de seu jeito, tem ao menos a possibilidade de pedir orientação, quando achar necessário.
Um detalhe que não pode ser esquecido é o que fazer com o volume de vinho produzido, uma vez que 1 hectare de vinha – em geral, a área mínima comercializada – representa, grosso modo, 5.000 garrafas por ano, quantidade um tanto elevada pensando em consumo próprio e mesmo em distribuir uma parte para os amigos ou brinde de fim de ano para os clientes. No sistema de condomínio, há maneiras de resolver a questão: vender uvas a vinícolas próximas (ou ao próprio empreeendimento, caso esteja em seu escopo produzir um vinho conjunto), ou arcar com os custos de armazenamento e engarrafamento, e cuidar da comercialização do excedente.
Interessado na proposta, um publicitário paulista viajou para Mendoza, olhou de perto e comparou o que ofereciam três desses condomínios, acabando por comprar 10 hectares. Sua opção foi pelo “The Vines of Mendoza” (www.vinesofmendoza.com), entre outras razões por estar situado no Vale do Uco, atualmente, a zona vinícola mais prestigiada da Argentina, por ter estrutura bem montada e a bodega construída e funcionando.
Com conceito parecido é o L’And Vineyards (www.l-andvineyards.com), situado no Alentejo, em Portugal, o primeiro “condomínio do vinho” da terrinha. No fundo, é um resort luxuoso, com um vinhedo de 10,5 hectares, onde há disponibilidade de parcelas de vinhas para criar rótulos individualizados ou participar de forma comunitária. Além de um enólogo residente, o projeto conta com a supervisão do conhecido Paulo Laureano, um dos mais renomados enólogos do país.
Sem descartar o aspecto romântico que é ter um projeto vinícola, um grupo de empresários brasileiros de peso pensou grande e foi atrás de uma importante propriedade na Toscana, mais precisamente em Montalcino. Foram alguns sócios do poderoso banco de investimentos BTG que compraram a tradicional Argiano, produtora de Brunello. Tudo bom, tudo bonito, mas eles terão um grande desafio pela frente, uma vez que a vinícola passa por fase ruim, com vinhos bem abaixo do nome que ostentam. Nada, em todo caso, que uma mudança radical em sua estrutura e contratação de profissionais competentes não resolva. Brinquedo de gente grande.

* Jorge Lucki é um dos maiores conhecedores de vinhos do país e colunista do jornal Valor Econômico.

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