No auge há 100 anos
(*) POR LUIS LOPES
A região de vinhos do Dão, em Portugal, foi demarcada oficial e precisamente há 100 anos. É uma data histórica que reflete a importância dos rótulos que essa localidade já produzia no longínquo ano de 1908. Atualmente, o Dão mantém-se como uma das principais áreas vinícolas portuguesas e a qualidade de seus brancos e tintos tem estado em alta na última década.
Tive recentemente a oportunidade de provar cerca de 40 dos melhores tintos do Dão e fiquei muito bem impressionado com a qualidade em geral. E também com a variedade de estilos apresentada. Os vinhos não são monocromáticos, seguem diferentes caminhos enológicos. Elegantes, aromáticos e finos, ou concentrados, poderosos e cheios de garra, mas sempre frescos, atrativos e uma boa companhia de propostas gastronômicas muito diversas. Surpreendentes a cada passo.
Entre os vinhos provados, alguns merecem particular destaque. Comecemos pelos feitos com a uva Touriga Nacional, a casta tinta portuguesa mais conhecida e emblemática e que tem berço na região do Dão. Foi dali que essa uva começou a se espalhar para o Douro (ainda no século XIX) e, quase 100 anos mais tarde, para as restantes regiões do país.
No topo da lista, um vinho absolutamente extraordinário: o Quinta da Garrida Touriga Nacional 2005, da Aliança. É um vinho de enorme concentração e profundidade aromática, de sabor fresco e sofisticado, com um final longo e cheio de classe. Um Touriga de referência, que será lançado no mercado daqui a dois ou três meses. Vale a pena esperar por ele. Outro Touriga Nacional de grande nível é o Carrocel 2006 (a uva não vem mencionada no rótulo, mas é 100% Touriga), de Álvaro Castro. Intenso, floral (com as notas de violetas típicas da uva), com taninos de veludo, num estilo moderno e muito bem-feito.
Destaque ainda para o Barão de Nelas Touriga Nacional 2004, de um produtor recente, Carlos Pais de Brito. É uma estréia muito boa, um vinho de perfil clássico, com aromas que lembram caruma de pinheiro, sabor de mentol e especiarias. Aplausos ainda para o Porta dos Cavaleiros Touriga Nacional Reserva 2005, uma das mais clássicas marcas do Dão, que andou afastada do topo durante demasiados anos e que agora regressa em grande forma, com um vinho elegante, charmoso, pleno de atração. E ainda para o Quinta Mendes Pereira Garrafeira 2005, de Raquel Mendes Pereira, brasileira, paulista, de pai português, que, recentemente, regressou à terra dos antepassados para fazer vinhos. Em boa hora o fez, a julgar por esse tinto cheio de cor e fruta madura, vigoroso.
Mas a maior parte dos melhores tintos do Dão são vinhos de lote, blend de várias uvas, como Touriga Nacional, Alfrocheiro e Tinta Roriz. Realce, entre outros, para:
• Quinta das Marias Garrafeira 2005, de Peter Eckert – um vinho cheio mas elegante, com frescas notas minerais;
• Cabriz Escolha 2005, da Dão Sul – pleno de fruta madura e sugestões florais, ainda jovem, vigoroso e firme, feito para evoluir nobremente na cave;
• Borges Reserva 2005 – tinto muito aromático, de taninos finos mas sólidos, e longo final;
• Quinta de Lemos 2006 – volumoso, acetinado, lembrando compota de amoras;
• Quinta da Vegia Reserva 2005 – muito frutado e floral, elegante, com barrica de qualidade muito bem integrada, em belas nuances fumadas;
• Vinha Paz Reserva 2005, do médico António Canto Moniz – vinho de perfil moderno, atrativo, fresco, com grande harmonia de conjunto;
• Quinta da Falorca Reserva 2003 – vinho que não mostra a idade, exuberante e concentrado, com muitas bagas silvestres no aroma e sabor;
• Quinta do Perdigão Reserva 2004 – austero mas muito apelativo, equilibrado, com boa acidez, um vinho perfeito para a mesa;
• Quinta dos Roques Reserva 2005 – um belo vinho, mentolado, harmonioso, de uma quinta que liderou o processo de renovação do Dão, nos já longínquos anos 1990.
Deixei propositadamente para o fim o Pedro & Inês tinto 2005, da Dão Sul. O nome relembra o trágico e proibido romance, imortalizado pelo poeta Camões, entre o infante d. Pedro (que viria a ser rei d. Pedro I) e sua amante Inês de Castro, condenada à morte pelo pai do príncipe, o rei d. Afonso IV. A tragédia não se repercute no vinho, mas o romantismo, sim: muito fino e elegante, mentolado e floral, quase perfumado, com final longo e sofisticado.
(*) Luis Lopes, além de apreciador das boas taças, é diretor da Revista de Vinhos, de Portugal