Colunas

Nos bastidores da união

Sabe o que mais gosto na gastronomia? Os bastidores. De observar onde, como e quando são preparados os pratos de cada jantar. Descobrir como é produzido um queijo secular ou ainda vinhos, saquês e bebidas milenares que passam pelas mãos de gerações e gerações. Isso, na opinião deste colunista, é o maior e principal tempero.

Tive o privilégio de participar da 12ª Edição do Sukiyaki do Bem, idealizado pela ceramista Hideko Honma, em que todo o valor arrecadado no jantar é destinado a instituições de apoio às crianças e aos idosos, que lutam pela vida.

Todo o staff da cozinha, as alunas ceramistas que fizeram as peças de todo os convidados, artistas que embelezaram a noite.
Todo o staff da cozinha, as alunas ceramistas que fizeram as peças de todo os convidados, artistas que embelezaram a noite.

Uma causa tão nobre que autoridades, empresários e diversos profissionais marcam presença no jantar. Para corrigir um enorme erro do passado, este ser que vos escreve foi pela primeira vez ao evento – já comprei o ingresso anos atrás, mas outras pessoas foram no meu lugar.

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As estrelas, claro, são os cozinheiros, confeiteiros e sommeliers que doam suor e sangue para esta causa.

Não pude deixar de “invadir” a cozinha sob olhares duvidosos dos seguranças que questionavam, em silêncio, a minha passagem.

Lá no preparo do prato principal, o sukiyaki, a cena que vi foi uma mistura de emoção, ensinamento e um tapa na cara da sociedade. Cada cozinheiro tem a sua receita, que deve atender 600 pessoas. Servir esse número de comensais nunca é uma tarefa fácil, é algo muito desgastante.

Em muitos ambientes de trabalho ou até em restaurantes, cada um toma conta da sua praça, de modo que um não se intrometa na logística do outro. Só que não no Sukiyaki do Bem. Renomados chefs, que são estrelas em seus restaurantes, que mais andam pelo salão, ou quebram a cabeça em seus escritórios, ou estão firme e forte em suas cozinhas, estavam apoiando um outro profissional.

Na cena que vi, o Satoshi Kaneko, chef titular do Restaurante Kinoshita, com uma estrela Michelin por três anos, estava carregando assadeiras de ingredientes para um lado e levando as sujas para a pia. Duvido que alguém que vá ao Kinoshita o veja fazendo isso.

Kazuo Harada que comandou o estrelado Restaurante Mee, no Rio de Janeiro, e que hoje está a frente de vários projetos, estava enchendo o dashi do sukiyaki. Acho que até hoje, eu só o vi segurar um saibashi (hashi de cozinha) para finalizar a montagem dos pratos. Mas ele estava ali dando suporte à chef titular do prato, a Telma Shiraishi.Usando canequinhas, ele colocava os ovos perfeitos com muito cuidado.

O premiado e melhor chef japonês pelo prêmio Melhores do Ano Prazeres da Mesa 2018, André Saburó, estava enfeitando os shiitakes do prato, ofício de auxiliar do auxiliar. Saburó comanda o Quina do Futuro, Sumô, Sushi Yoshi e Tokyo’s Café, todos em Recife, e é quase raro o ver pessoalmente, de tão requisitado que é em todas as casas.

A chef Telma Shiraishi que está a frente do renomado restaurante Aizomê, era a que mais de desdobrava com o complexo preparo. Sukiyaki é um prato popular, democrático e bastante prazeroso, pois o intuito dele é reunir pessoas em volta de uma panela fumegante e jogar conversa fora. “Suki” quer dizer “preferência ou gosto” e “yaki” nesse sentido é “cozinhar”. Nele, você cozinha os seus itens e pega o que preferir comer.

Só que o normal é estar à frente de uma panela. O desafio da chef é sincronizar o tempo de tirar os ingredientes cozidos das panelas, montar o prato e correr para servir os 600 convidados. Um tempinho a mais de demora pode deixar o prato gelado. Mas seus amigos não deixaram isso acontecer com nenhuma etapa. Igualmente com outros pratos de outros chefs, todos ajudaram todos.

Olha, aproveitei o calor que estava na cozinha para permitir derramar uma única lágrima. Em silêncio e mentalmente os aplaudi em pé. Sinal de humildade, amor à profissão, amor ao próximo, respeito ao evento, honrado de estar ali.

Dá gosto de olhar. Isso tudo em uma sincronia, uma coreografia, um silêncio, ninguém se tromba, tudo muito bem distribuído. Eu podia ficar horas só olhando o pessoal montar os pratos. Claro, um hora iam me tirar dali. Tirei tanta foto no meu celular que acabou a memória. Mas tirei fotos sob o olhar de Rafael Salvador que ia aprovando ou reprovando as minhas imagens.

Não tem jeito. Não sou uma pessoa que consegue ficar parado em uma mesa. Andei e fotografei tudo em vários pontos.

Uma noite encantadora, rica e prazerosa, como jamais senti. Seria tão bom se o Brasil pensasse assim. Unido.

 

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Alexandre Tatsuya Iida

É embaixador de saquê no Brasil, título mais conhecido como Sake Samurai, outorgado por The Japan Sake Brewers Association Junior Council

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