Novos ares do passado
POR MARINA GOBET (*)
Em frente ao Jardim de Tuileries, entre a Praça da Concorde e o Museu do Louvre, encontra-se o mais tradicional de todos os hotéis palaces da França, o Le Meurice. Augustin Meurice, então chefe dos correios na cidade de Calais, no norte da França, observou que, ao desembarcarem no continente francês, os turistas ingleses procuravam um certo conforto e as mesmas comodidades com as quais estavam habituados. Foi pensando nesse público que, em 1777, ele inaugurou o hotel que leva o nome de sua família.
Não demorou para Augustin ter a idéia de levar o negócio para Paris, que vivia o auge de sua efervescência cultural. Mas foi só 58 anos depois, em 1835, que o Le Meurice instalou-se no seu endereço atual, em um prédio novo, luxuoso e com a melhor vizinhança que se pode esperar na capital francesa. Ali se hospedavam monarcas, aristocratas, artistas e escritores. O príncipe do País de Galles, os reis da Itália, da Bélgica e da Grécia freqüentavam o hotel e muitos o utilizavam como segunda residência. Mas foi, sem dúvida, o pintor espanhol Salvador Dalí o mais marcante de seus hóspedes. Ele morava num daqueles quartos durante um mês inteiro, todos os anos, por três décadas.
Todos se encantavam não apenas pela qualidade dos serviços prestados, o refinamento dos aposentos e dos salões, mas principalmente pela excepcional localização, em pleno coração de Paris. Ao longo de sua existência, o hotel passou por quatro reformas – a última delas terminou em dezembro do ano passado. O prédio foi modernizado sem perder o charme de local antigo, repleto de história e continua valorizando sua marcante arquitetura do século XVIII, conserva a elegância e o glamour, mas com ar acolhedor e intimista.
“Recriei o Le Meurice”, diz Philippe Stark, um dos mais famosos designers de interiores da atualidade na França, mundialmente conhecido pelos seus objetos, movéis e prédios e autor do projeto de decoração do hotel Fasano, do Rio de Janeiro. O hall de entrada, o bar e os dois restaurantes foram inteiramente modificados. Os tons de bege, comuns a praticamente todos os ambientes, deram mais luminosidade.
O antigo jardim de inverno do Le Meurice tem hoje um restaurante radicalmente contemporâneo. O Le Dalí é a novidade do hotel. Para a nova atmosfera, Starck optou por cadeiras de estilos variados, mesas baixas e a réplica de uma luminária criada por Salvador Dalí. O charme é olhar para cima: o teto é totalmente recoberto por uma imensa tela pintada à mão pela artista Ara Stark, filha do designer.
O chef parisiense Yannick Alleno, responsavel pelos dois restaurantes do hotel desde 2003, pensou num menu informal e descontraído, onde é possivel degustar pratos clássicos franceses, repaginados de maneira glamourosa a quase qualquer hora do dia – das 7 da manhã às 11 da noite. Baseado na sua criatividade e numa clientela parisiense, ele montou um cardápio contemporâneo, mas com um olhar no passado. Alleno apresenta pratos clássicos como a salada tipo frisée com bacon e ovo poché ou o fígado de vitelo poelé. E também opções criativas como o carpaccio de vieiras, com vinagrete de beterraba e ervas frescas, ou o vermelho à la plancha, servido com tagliatelles de legumes cozinhados na wok, com caldo tailandês. Nas sobremesas, destacam-se a tatin de maçã com amêndoas fatiadas, e o macaron recheado com violetas cristalizadas e morangos silvestres.
Já na decoração do Le Meurice, restaurante de alta gastronomia que tem três estrelas no Guia Michelin, a inspiração foi o Salon de La Paix, do Château de Versailles – aqui adaptado ao famoso estilo Starck, com móveis prateados em perfeita harmonia com todo o dourado remanescente. Foi construída também uma nova adega envidraçada através da qual o cliente pode decidir qual o vinho vai escolher sob a orientação do sommelier que acompanha sua refeição.
Alleno não poupa elogios às mudanças propostas pelo designer. A nova decoração não alterou a qualidade dos pratos (inquestionável, diga-se de passagem), mas influenciou a modernização da apresentação. “Meu cardápio está em total entendimento com a modernidade de Starck”, diz. Para a reabertura do Le Meurice, o chef criou uma seleção de louças personalizadas, chamadas de Ondes (ondas, em bom português).
O vazio que ficava na mesa durante o serviço sempre foi uma preocupação do chef. Criaram-se, então, dois elementos: o centro e o anel – o primeiro é o prato propriamente dito. Já o segundo funciona como um sousplat central decorativo que permanece durante todo o serviço. À sobremesa, inverte-se o anel, que tem uma cor de cada lado.
A cozinha é essencialmente parisiense, mas também tem inspiração de outras regiões da França. A apresentação dos pratos é sempre moderna e audaciosa. O refinamento está em cada uma de suas criações. Os sabores são puros e prevalece o respeito pelas texturas, como no incrível filé de linguado cozido, acompanhado de mexilhões, pistaches, alho-poró e trufas, ou nas aiguilletes de uma jovem pata com legumes da estação e batatas soufflées. Para encerrar, biscoito fino e crocante, recheado com mexerica, caviar da fruta e lágrimas de basilico – exemplos incomparáveis de um cardápio três estrelas.
Hotel Le Meurice
228, Rue de Rivoli, 75001, Paris, França.
Le Dalí – tel. 00xx 33 0 1 44 58 10 44
Le Meurice – tel. 00xx 33 0 1 44 58 10 55
(*) Marina Gobet é formada em gastronomia pela Lenôtre e tem a sorte de morar em Paris há dez anos.