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O VINHO DE GARRAFÃO

Afinal, fazem mal à saúde os chamados vinhos de mesa, elaborados com uvas não viníferas?

A preferência nacional desde sempre é o vinho de garrafão, como ficou conhecido o vinho de vitis-brusca, classificado na nossa legislação como vinho de mesa. Ele representa cerca de 65% do vinho consumido no Brasil e mostra um pouco de nossa cultura. Certa vez, conheci na Serra Gaúcha o senhor Luis Vicente Elias Pastor, do departamento de documentação e patrimônio cultural da López de Heredia Tondonia, uma das grandes vinícolas da Rioja. O simpático espanhol comentou comigo que o Brasil deveria preservar seu cultivo de vinhas em Parreiral, pois era patrimônio cultural nosso e estava quase que desaparecido no mundo. E me perguntou: “Por que não fazem um vinho bom com essas uvas de labrusca? Fiquei realmente intrigado e percebi a dose enorme de preconceito que temos com os vinhos de labruscas. Hoje, porém, se o Luis Vicente voltasse ao Brasil, eu iria surpreendê-lo com dois vinhos: um é o da Lizete Vicari, que resolveu vinificar em branco seu conhecido Isabelão, que é uma delícia, e o chamou de Praia do Rosa: um rosé delicado e sedutor que mata a sede e pede mais. O outro é do inquieto, criativo e livre enólogo Eduardo Zenker, o Rovinai (significa Arruinado), que é um corte de Isabel com Sangiovese, um vinho intrigante e pétilant, com apenas 11 graus de álcool e envasado em garrafinha de cerveja.

A mídia especializada do vinho torce o nariz para aromas fora do padrão que aprenderam nos cursos para sommelier, também não gostam de vinhos de castas menos nobres como as Labruscas. Mas eu não tenho preconceito e principalmente não me prendo aos padrões europeus de avaliação do vinho que buscam a penalidade da bebida. E o que tenho visto é o retumbante sucesso desses vinhos que citei acima, em feiras a que comparecem. Muitos críticos dizem que o vinho faz mal, que contém metanol e que foram proibidos na Europa, por ser cancerígenos.

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Procurei a doutora em enologia Regina Vanderlinde, que é a primeira representante do Brasil na Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), para esclarecer essas questões. Ela trabalha como secretária-científica da Subcomissão de Métodos de Análise de Vinhos. Foi aprovada por unanimidade por todos os representantes dos países que participam da OIV, portanto, a opinião dela não é de embasamento pessoal, mas científico. Regina é também professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS) e gerente-geral do Laboratório de Referência Enológica (Laren) da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Agronegócio, mantido em parceria com o Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin). Segue a entrevista:

Didú: Os vinhos de mesa fazem mal à saúde como alegam muitos críticos?

Dra. Regina: Não fazem mal à saúde de jeito nenhum. As uvas Vitis labruscas podem conter mais metanol esterificados em suas pectinas, mas como o tempo de maceração é muito curto, ele não é extraído em altos níveis. O tempo de fermentação e, portanto, de maceração desses vinhos é menor, diferente dos vinhos de vinífera que têm um tempo de fermentação mais longo. Em todos estes 30 anos em que trabalho com química analítica de vinhos raramente vi um rótulo com valor superior ao limite de 350 mg/L, que é o determinado na legislação brasileira. Ao contrário, muitas vezes esses vinhos têm menos metanol que os de vinífera, bem como muito menos metanol que outras bebidas destiladas. Não há nesses vinhos outros compostos diferentes dos de viníferas que possam causar algum transtorno à saúde. O que incomoda é o aroma do metil antranilato, caracterizado como “foxé”, mas que não provoca dano à saúde.

Os conhecidos benefícios à saúde que conhecemos, pela ingestão parcimoniosa e regular do vinho fino, acontece também com a ingestão dos vinhos de mesa?

Sim, esses vinhos também têm antioxidantes e resveratrol, que são benéficos à saúde.

Certa vez em Portugal, um enólogo da Quinta da Aveleda me disse que na Europa proibiram vinhos de não viníferas, pois na fermentação produziam um subproduto cancerígeno. Isso procede?

Os vinhos Vitis labrusca não contêm substâncias cancerígenas. O aroma pode não agradar a muitos consumidores, porém, não há cientificamente nenhuma diferença para a saúde humana entre esses vinhos e os de Vitis vinifera. A Europa proibiu esses vinhos por causa do aroma “foxado” que, como você sabe, vem de “fox”. Trata-se na verdade do aroma do antranilato de metila, éster típico de uvas Vitis labrusca e seus híbridos. Com medo de desvalorizar seus produtos e da perda das denominações de origem, resolveram banir esses vinhedos que, após a crise da filoxera, foram introduzidos na Europa. Mas, exceto pelo aroma característico, eles não prejudicam a saúde. Se assim fosse, o Codex Alimentarius não permitiria os sucos de uva de Vitis labrusca, bem como os vinhos produzidos em países importantes, como os Estados Unidos.

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