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Os subestimados vinhos doces

Para muitos entusiastas e apreciadores de vinho, o fim de ano representa a época em que dar tudo de si não parece ser um ato de auto-indulgência, mas um ritual necessário. A vida social pode se tornar uma sucessão de divertimentos, e a própria estação, festiva por excelência, parece justificar o bastante para o puxar e girar de rolhas de um batalhão de garrafas. É época também, mais do que qualquer outra, de oferecer a si próprio, à família e aos amigos certos tipos de vinho que tendem a ser ignorados nos demais meses do ano: os vinhos doces fortificados e os de sobremesa.

Com mais pessoas para dividirmos a garrafa, e uma abençoada pausa na rotina de trabalho normalmente frenética, não há mais desculpas para que não bebamos todo o seu conteúdo. E se, por um acaso, haja alguma época do ano em que as calorias excedentes contidas numa dessas garrafas devam ser desprezadas, a época é exatamente esta. Entretanto, nunca deixei de me impressionar como hoje no mundo os apreciadores de vinho ignoram os vinhos de sobremesa. Até mesmo nos Estados Unidos, nação que consome muito mais alimentos doces do que qualquer outro lugar do globo, tais vinhos são sequer olhados. Atualmente, turistas de toda a Europa se deparam, nos cardápios dos restaurantes, com uma enorme variedade de sobremesas à base de açúcar no lugar dos queijos. Mas caso procurem na carta de vinhos dessas mesmas casas algum rótulo doce para degustar com um pedaço de bolo fudge de pecãs ou tiramisù, a tarefa será vã.

A França tem uma tradição em servir vinhos doces, mas consegue confundir os consumidores estrangeiros, como na América, ao servir vinhos doces como aperitivo, preferindo servir um champanhe muito seco de sobremesa. Muito estranho. De qualquer modo, o hábito francês de servir Sauternes ou Pineau des Charentes antes da refeição acabou por favorecer o consumo de outros aperitivos chiques como um scotch ou mesmo uma taça de vinho branco seco ou um champanhe para os franceses mais sofisticados.

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Em Bordeaux, os produtores de vinho doce, até mesmo os botritizados como o respeitado Sauternes, admitem que eles empreendem um trabalho de paixão. O Médoc, por exemplo, está inundado por tintos secos produzidos em grandes quantidades todos os anos. Por outro lado, em Sauternes, eles dependem totalmente das nuances de clima, em que promoverão ou não a botritização, devendo a vinha ainda ser cuidadosamente controlada várias vezes durante a safra. Assim, os custos da produção são muito, mas muito superiores aos das áreas produtoras de tintos – e os preços dos vinhos são coerentes com esta realidade.

Mesmo no Reino Unido, onde resido, você pode levar uma vida muito sofisticada e movimentada sem jamais cruzar com um vinho doce. O Porto envelhecido costumava ser obrigatório nas adegas das famílias britânicas, mas atualmente é somente consumido por uma pequena parte da população: aqueles que nutrem sonhos de ostentar um título de nobreza. No início dos anos 90, fui convidada pela famosa produtora Oporto para fazer aí, no Brasil, uma palestra após o jantar anual dos exportadores. Que engano. Com uma singular falta de tato, escolhi falar sobre como os exportadores de Porto poderiam resgatar o prestígio naufragrante desse tipo de vinho no mercado mundial. Naufragante? Isso foi novidade para os exportadores. Eles e seus parceiros tiveram que consumir muito vinho do Porto para manter a chamada Port Wine Trade de pé por um longo ano.

Obviamente, fui tratada como uma pária ao final do jantar. Mas agora, felizmente

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