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RESISTÊNCIA CAJUEIRA

Por Sara Almeida Campos

Com apoio do Slow Food, produtores de cajuína lutam para manter o modo de fazer tradicional do Piauí

Elemento identitário do Piauí,a cajuína é considerada patrimônio imaterial pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e já foi até tema de música de Caetano Veloso, em homenagem ao poeta tropicalista Torquato Neto. Sua importância para o estado é tamanha que, em 2011, o povo piauiense não hesitou em enfrentar um gigante: a Coca-Cola, que havia batizado um refrigerante de caju de Crush-Cajuína, acabou voltando atrás, depois que produtores familiares se mobilizaram e levaram a questão à Assembleia Legislativa. Mas a luta pela defesa dessa tradição está longe de terminar. Uma das missões atuais da Cooperativa dos Produtores de Cajuína do Estado do Piauí (Cajuespi) é garantir que todos os 3.000 fabricantes do estado preservem o método convencional de produção, que usa apenas a seiva do próprio cajueiro para separar o tanino da bebida – é crescente o uso de gelatina incolor como substituta da seiva.

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Presidente da Cajuespi, Lenildo Lima tem-se empenhado em mostrar aos associados o potencial econômico da bebida. Em 2005, ano da fundação do grupo, os 21 membros não produziam mais do que 100.000 garrafas mensais. Hoje, 2.700 produtores vendem 10 milhões de garrafas por ano. Grandes redes de varejo estão entre os clientes, o que impõe à Cajuespi um desafio extra: cumprir as exigências do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), levando-se em conta que a maior parte da cajuína do Piauí ainda é feita em pequenas propriedades. “Para obedecer às regras, é necessário ter um volume alto de produção, o que se torna tarefa impossível em uma escala caseira”, afirma o presidente da entidade. Apesar disso, seus planos são ambiciosos – entre eles, passar a envasar parte da produção em latinhas de alumínio a partir de 2018, uma vez que a demanda por produtos naturais, sem conservantes, tem aumentado a popularidade da cajuína entre os jovens.

Uma bebida, muitas histórias

A produção da cajuína engloba duas etapas distintas. Primeiro vem a clarificação: a seiva da árvore provoca a separação do tanino, responsável pelo sabor adstringente, deixando a bebida mais suave e pronta para ser coada várias vezes, em redes ou funis de pano. Em seguida, já envasado em garrafas de vidro, o líquido é cozido em banho-maria, para que os açúcares naturais da fruta sejam caramelizados. A invenção, que data do início do século XX, é atribuída ao médico e cientista baiano Rodolfo Teófilo, que vivia no Ceará. Já a primeira cajuína comercial, com rótulo, teria sido fabricada pela família de Clóvis Veloso, morador de Valença, no Piauí. Não por acaso, os dois estados disputam a paternidade da bebida – notam-se, inclusive, diferenças sutis na produção, conforme o estado.

No entanto, segundo o dossiê Produção artesanal e práticas socioculturais associadas à cajuína no Piauí, elaborado pelo Iphan, foi nesse estado que ela virou identidade local, a ponto de batizar avenidas e bares, estar presente nas comemorações mais importantes, como aniversários e casamentos, e ser reconhecida como símbolo da unidade da federação. E não é só. Para o Slow Food, que inseriu a cajuína no catálogo internacional Arca do Gosto, há mais um motivo para defender o modo de fazer tradicional – produzir a bebida sempre foi tarefa feminina, garantindo a muitas mulheres o protagonismo na obtenção da renda familiar.

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