Vale de grandes vinhos
(*) POR JORGE CARRARA
A névoa que envolve habitualmente San Antonio pode ser vista de diferentes formas. Por um lado, ela é o manto que cobre a paisagem com pinceladas cinzas dando um verniz opaco ao belo local. Por outro, ela é também um sinal da proximidade do Oceano Pacífico, que com suas brisas frias dá brilho ao clima do vale, uma das mais novas jóias da coroa de terroirs do Chile. Localizado a cerca de 100 quilômetros ao oeste da cidade de Santiago, San Antonio tem como vizinho ao norte outro vale, o de Casablanca, com o qual tem pontos em comum. Ambos foram tradicionais cantos agropecuários. Casablanca foi descoberto para a vitivinicultura pelo enólogo Paulo Morande na década de 80. Encarregado pela Concha Y Toro de encontrar uma área do país com clima moderado para a produção de vinhos brancos – como os Chardonnay – Morande acabou com uma lista de vários lugares nas mãos, optando por Casablanca, onde ele próprio acabou iniciando o plantio de uvas em 1982.
Hoje, Casablanca é um dos lugares mais importantes para as uvas de ciclo curto de maturação, como a Chardonnay, claro, a Sauvignon Blanc e a Pinot Noir e o berço de alguns dos melhores goles chilenos destas cepas.
De certa forma San Antonio também foi descoberto por Morande. O lugar estava muito bem posicionado entre os seus candidatos. O problema na época foi não ter encontrado água suficiente por lá para sustentar a produção de uvas. Mas talvez o seu palpite entusiasmou outros empresários, como a família Fernandez, fundadores da Viña Leyda, que já possuía terras no lugar. Em 1998, junto com outros pioneiros daquele canto, como os Garces Silva, da vinícola homônima – construíram um aqueduto de cerca de 8 quilômetros de comprimento para trazer águas do rio Maipo – a fronteira sul do vale – selando assim o inicio da vitivinicultura de San Antonio.
A região está assentada na Cordilheira da Costa, um conjunto de suaves e lindíssimas, colinas cobertas de (uma quase eterna) bruma matinal, que ocupam uma faixa de terra de uns 16 quilômetros de largura que acaba, no oeste, a 4 quilômetros da costa. As baixas ondulações de terra, não oferecem grande resistência ao ar frio que vem do mar, que dá ao vale o ambiente certo para suas principais cepas: Pinot Noir, Chardonnay, Sauvignon Blanc – e, em nova sintonia com Casablanca, agora também Syrah.
Tive a oportunidade de visitar recentemente as quatro vinícolas que colocaram San Antonio no mapa dos vinhos finos do Chile. A seguir algumas das impressões das adegas e os melhores vinhos provados (além do importador, os que já estão disponíveis no Brasil tem o preço indicado).
Viña Matetic
A adega e os vinhedos da família Matetic, estão localizados em El Rosario uma espécie de vale transversal que ocupa 9000 hectares do extremo nordeste de San Antonio, a 20 quilômetros do Pacífico, no fim da Cordilheira da Costa e quase na divisa com Casablanca. Plantou seus primeiros vinhedos em 1999. Hoje possui 120 hectares de vinhas (75 deles em produção) onde predominam uvas tintas como Syrah e Pinot Noir – talvez por estarem num dos cantos menos temperados do vale.
A Matetic estreou com a vindima 2001. A enóloga Paula Cárdenas (ex-Errazuriz e William Cole) assina alguns dos rubros mais vigorosos da região.
EQ Sauvignon Blanc 2007 – intenso no aroma e sabor que mescla grapefruit, limão e suaves frutas tropicais, num paladar com boa acidez e persistência média (89/100).
EQ Syrah 2006 – um vinho de paladar complexo e atraente (frutas vermelhas, certo defumado, toque floral) redondo e denso em boca, com final longo (91/100, R$ 190, Casa do Porto).
Viña Leyda
Criada no fim da década de 90, foi a primeira a implantar vinhedos em San Antonio, mas no extremo oposto, em Leyda, no sul do vale e mais perto das águas, a uns 14 quilômetros da costa. A área ganhou denominação de origem própria, Leyda, em 2002 – um ano após San Antonio. Em 2007 a família Fernandez vendeu a firma para a Viña Tabali, do grupo que controla a Viña San Pedro.
Os vinhos (a primeira vindima foi também a de 2001) são vinificados pelo time de Viviana Navarrete, uma jovem enóloga que já trabalhou na Concha y Toro. A Leyda tem um longo portfolio de tintos e brancos (com bela expressão de fruta) que prestigiam goles de pequenas parcelas dos 250 hectares de vinhas da casa.
Single Vineyard Garuma Sauvignon Blanc 2007 – Frutas cítricas e tropicas, se mesclam com suaves pinceladas minerais neste branco estruturado em boca, mas vivaz, com bom frescor e acidez (90/100).
Lot 5 Chardonnay 2007 – Oriundo de uma pequena seção do vinhedo Fallaris, que dá origem a outro dos Chardonnay da casa, o Lot 5 impressiona pelo aroma e sabor intenso e amplo (maçã em calda, cascas cítricas, cravo, torrefação) e o paladar untuoso e longo (92/100, R$ 98)
Lot 21 Pinot Noir 2007 – As parreiras das quais nasce este tinto produzem cerca de 800 gramas de uvas por planta. O vinho foi envelhecido durante 10 meses em barricas de carvalho francês. Carne, fruta, canela e leve chocolate, marcam este Pinot delicioso e persistente (92/100, R$ 145, Grand Cru).
Viña Garces Silva
A sua bonita adega, com teto ondulado evocando as ondas do mar (ou a sinuosidade dos terrenos que a rodeiam), funciona por gravidade e pode ser vista dos vinhedos da Viña Leyda. Tal como a Matetic, a Garces Silva é uma firma familiar. Sua primeira vindima comercial foi a de 2003. O enólogo Francisco Ponce é responsável pelos vinhos da casa, que levam o rótulo Amayna e são elaborados com parte das uvas dos 120 hectares de vinhas próprias. O resto é vendido a outras vinícolas, como a Viña Montes – da qual os Garces Silva são sócios.
Amayna Sauvignon Blanc Barrel Fermented 2006 – Totalmente vinificado em barricas novas de carvalho francês. Elegante, delicado e ao mesmo tempo intenso, agrada pela fruta cítrica e tropical combinadas com especiaria provenientes talvez da madeira (90/100, US$ 53,50)
Amayna Chardonnay 2006 – Fermentado em barricas francesas (50% novas) mostra perfume e sabor potente e sedutor (maçã, frutas brancas, baunilha, toques tostados) e paladar denso que perdura por bom tempo na boca (91/100, US$ 37,90).
Amayna Syrah 2007 – A novidade do portfólio da adega mostra a precocidade do vale: impressiona bem já na primeira safra. Geléias, frutas vermelhas, baunilha e nuances que lembram bacon estão presentes no paladar viscoso e persistente (91/100).
Amayna Pinot Noir 2006 – Belo Pinot, com aroma que lembra cerejas bem combinadas com especiaria doce e levíssimo defumado, com aroma um tanto restrito ainda, mas atraente em boca, macio e de final longo e agradável (91/100, US$ 53,50, Mistral).
Casa Marin
Apesar de estar inserida no mesmo microcosmo e ter semelhanças com as adegas anteriores – como, por exemplo, ter tido vinhos muito bons desde a primeira safra – a Casa Marin tem alguns características distintas. Para começar, diferentemente das restantes, fundadas por empresários dedicados em geral a outros ramos, ela foi criada por alguém do mundo do vinho: a enóloga Maria Luz Marin. E também, com 38 hectares de vinhedos, a menor em superfície plantada das quatro e ocupa uma área peculiar, no borde oeste do vale.
Se a Matetic está na faixa mais afastada das águas,e a Leyda e Garces Silva quase a meio caminho delas, a Casa Marin está no limite, a apenas 4 quilômetros do Pacífico, em clima critico pelo frio, com vinhedos praticamente olhando para o mar.
“Teve um importador que me questionou pelo toque salgado em alguns dos meus vinhos. Queria saber se adicionava alguma coisa neles. Tive que ir lá para explicar onde estávamos e mostrar a influência natural que o oceano tinha nas uvas” contou a enóloga durante a visita. De fato, os vinhos nascem num entorno peculiar. Depois de ter degustado várias safras dos seus vinhos, acredito que eles expressam (deliciosamente) essa combinação maravilhosa de experiência (dela) e climas extremos.
Laurel Sauvignon Blanc 2007 – Certo mentolado aparece de cara, rodeado de frutas tropicais, pinceladas cítricas e leves aspargos. O vinho, longo vivaz e atraente, nasce de um vinhedo de Sauvignon, mais ao abrigo das brisas do mar (92/100).
Cipreses Sauvignon Blanc 2007 – Oriundo de uma parcela no topo de uma colina, e por isso mais exposto ao clima, mostra características mais vegetais (aspargos, grapefruit, limão siciliano) mas igualmente intensas e atraentes, fundidas num paladar nervoso, e levemente adstringente (93/100).
Lo Abarca Pinot Noir 2005 – A edição 2005 de um dos grandes Pinot Noir do Chile, encanta pela fruta combinada com tons tostados na dose certa. Um paladar denso e com boa acidez completam a festa (91/100).
Lo Abarca Pinot Noir 2006 – Melhor ainda do que o 2005, intenso no nariz, combinando frutas vermelhas, chocolate e torrefação, características que marcam também o paladar aveludado, com textura deliciosa e bem persistente (93/100, Vinea Store).
(*) Jorge Carrara é colunista de vinhos do jornal Folha de S. Paulo e do site Basilico