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COM AS BÊNÇÃOS DA RAINHA

Os espumantes ingleses começam a mostrar qualidade e em muitos aspectos se assemelham aos champanhes mais básicos

Eu estava visitando o parque Windsor Great, uma área verde de 5.000 hectares ao redor do Castelo de Windsor, onde fica a casa de campo da rainha, localizada a poucos quilômetros a oeste do Palácio de Buckingham. Esse parque era utilizado como terreno de caça por William, o Conquistador, e como área de piquenique pela rainha Victoria. A área está agora sob a supervisão do duque de Edimburgo que, na qualidade de guarda florestal oficial, é responsável pelo limite de velocidade local de 38 milhas por hora, uma peculiaridade típica do príncipe Philip.

Minha visita tinha um motivo: eu precisava encontrar provas do fenômeno inglês completamente moderno, um vinhedo prestes a lançar sua primeira garrafa. Vinhos foram cultivados e produzidos na Inglaterra na Baixa Idade Média: o Domesday Book lista 38 vinhedos. Mas a era moderna da viticultura inglesa começou somente em meados do século passado e tenho de confessar que por duas ou três décadas achei difícil me entusiasmar com o vinho inglês. Muitos produtores eram diletantes. Muitas vinhas inglesas eram cruzamentos de vinhas alemãs cujo único atributo seria a capacidade de atingir um nível de açúcar fermentável em climas frios. Mas tudo isso mudou na década de 1990, quando um casal americano, aconselhado por um enólogo francês, mostrou o quão bom poderia ser um vinho espumante de Sussex, o Nyetimber.

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Hoje, graças a esse estímulo, verões mais quentes e uma injeção maciça de capital, perícia e ambição, a cena do vinho inglês se transformou. Chardonnay e Pinot Noir substituíram o Müller-Thurgau e Huxelrebe, e todos os vinhos mais admirados são feitos à imagem do Champagne, constituindo cerca de dois terços da produção atual do país ao longo de mais de 2.000 hectares de vinhas na Inglaterra. A maioria delas está localizada no extremo sul do país, mas graças à mudança climática, a videira está caminhando em direção ao norte também – na verdade, há muito tempo a viticultura colocou os pés no País de Gales.

Tem-se reclamado que o vinho espumante inglês é muito caro. Ele tende a ser comercializado no varejo a 25 ou 35 libras esterlinas a garrafa, mais ou menos o mesmo preço de um Champagne mais acessível – um reflexo talvez da relativa juventude e tamanho limitado da maioria das empresas inglesas de vinho. Juro que não sou chauvinista nem de longe, mas uma degustação às cegas, da qual participou um número razoável de enólogos franceses, comparando os espumantes ingleses e as garrafas de Champagne a preços similares em 2015, sugeriu que o vinho espumante inglês, sempre vigoroso, mas geralmente benfeito e de longa duração, pode mais do que simplesmente se manter.

A maioria dos que investiram pesadamente no vinho inglês veio de fora do comércio de vinho, mas os patrocinadores mais proeminentes do espumante inglês dentro da indústria foram os Laithwaite, Tony e Barbara, que, em 1969, partiram do zero e estabeleceram a maior empresa de comércio de vinhos por encomenda que dominou o mercado vinícola no Reino Unido, com negócios também nos Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia e Hong Kong. Laithwaite’s vêm vendendo espumantes ingleses desde a safra de 1993, e desempenharam um papel fundamental no estabelecimento do produtor Ridgeview de Sussex, hoje em evidência, responsável pela produção do espumante inglês South Ridge, um rótulo exclusivo produzido para Laithwaite’s. Na virada do século, eles plantaram um pequeno vinhedo ao lado de seu escritório e centro de distribuição em Theale, perto de Reading, em Berkshire. Barbara tem seu próprio projeto viticultor chamado Wyfold, perto de Henley, que ela administra com o coproprietário Cherry Thompson. Seu filho Henry Laithwaite e a mulher, Kaye, também têm um vinhedo próprio, Harrow & Hope, perto de Marlow, no Vale do Tâmisa.

Mas o projeto viticultor mais querido do fundador Tony Laithwaite, no momento, é esse projeto em Windsor Great Park. Tony cresceu em Windsor e costumava brincar no parque quando criança. Ele lembra de ir comprar doces naquela loja da aldeia. Foi ele quem me cumprimentou naquela gloriosa manhã de sol no alto da encosta de 4 hectares que, em 2011, cultivavam Chardonnay, Pinot Noir e um pouco de Meunier. A mudança começou a acontecer quando Anne Linder de Laithwaite’s resolveu acalmar um cliente insatisfeito que por acaso vivia nos jardins do Castelo de Windsor com uma garrafa de espumante da Theale Vineyard. Ela passou a notar que várias partes do Great Park pareciam áreas promissoras para o cultivo de vinhas. O cliente apresentou a ela o parque de Deputy Ranger e o resto se tornará história, ou melhor, uma continuação dos fatos, uma vez que Anne, graças às suas pesquisas minuciosas nos arquivos históricos, encontrou registros de existência de vinhas no Castelo de Windsor desde o século XII.

A Fazenda Real (Royal Farms) parece estar muito interessada nesse projeto de vinho, pois ele constitui um novo produto comercial particularmente interessante a ser oferecido pela loja da Fazenda de Windsor. Por isso é que a família real permitiu que os Laithwaite escolhessem o local: uma encosta virada para o lado sul chamada Mezel Hill que desce a partir de algumas instalações caindo aos pedaços que a Fazenda Real prometeu transformar em lindo lago cercado por antigos carvalhos. Tony não está secretamente feliz porque “seu” vinhedo ficou intocado, enquanto as videiras de Henry foram devastadas pela geada em abril de 2016. Lembrem, o fundo de seu vinhedo está bem encharcado e as vinhas na parte inferior da encosta estão também gravemente cheias de água. Fiquei sabendo que antes de plantar as vinhas, eles enviaram amostras de solo para um laboratório em Champagne, sem divulgar a proveniência, e obtiveram a aprovação que suas vinhas seriam adequadas para a produção de Champagne. Meu companheiro Master of Wine e especialista em vinhos ingleses Stephen Skelton foi contratado para dar consultoria sobre o plantio. Ele sugeriu drenar algumas partes do vinhedo, mas eles estavam com um pouco de pressa. No final das contas, esse vinhedo acabou se transformando em uma das plantações de maior densidade do país, com 6.500 vinhas por hectare, das quais 55% são uvas Chardonnay.

Quando as primeiras uvas amadureceram, algumas amostras de cachos foram enviadas para Balmoral, na Escócia, onde a rainha estava em suas habituais férias de verão. Tony conseguiu tomar chá no Castelo de Windsor com a rainha e o duque, e a foto desse encontro é uma das imagens mais prezadas em seu iPhone. “Olhe – aqui está ela rindo e coçando as costas!” (As pessoas ficam sempre espantadas com a constatação de que os membros da Família Real são seres humanos.)

Laithwaite’s, Sunday Times Wine Club e a Windsor Farm Shop já venderam a maioria das garrafas do lote inferior a 2.000 exemplares da primeira safra de 2013, a 34,99 libras esterlinas cada uma, mas atualmente estou fazendo de tudo na qualidade de membro do Royal Household Wine Committee para garantir que alguns exemplares desse vinho delicado e muito respeitável, produzido na vinícola Ridgeview, encontrem seu caminho para a adega da rainha.

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