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Com qual bebida eu vou?

Por Marcel Miwa
Fotos André Clemente

Até poucos anos atrás a cerveja era a queridinha dos churrascos e sua presença era obrigatória onde houvesse uma churrasqueira acesa. Aos poucos o vinho, tinto em especial, começou a mostrar alguma vocação para acompanhar os assados e, hoje, parece pacífico que as duas bebidas podem funcionar na ocasião. Será?

Com este desafio em mente reunimos André Clemente, colunista de cervejas, Marcel Miwa, editor de vinhos, e Ricardo Castilho, diretor editorial de Prazeres da Mesa, para checar se existem favoritos entre cervejas e vinhos na hora de harmonizar com carne assada. As carnes ficaram a cargo de Rafael Venzol, proprietário da Estação Leopoldina, em São Bernardo do Campo, restaurante que segue o estilo de parrilla argentina.

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Escolhemos dois cortes com muitas peculiaridades: o assado de tira e o carré de cordeiro. O primeiro, o corte transversal da costela, traz uma carne com muito sabor, potencializado pela presença do osso, com bastante gordura e textura firme, em que se percebem as fibras da carne. O carré, também com osso, tem sabor levemente adocicado, com a particular intensidade do cordeiro. As fibras são macias e o teor de gordura é relevantemente inferior ao assado de tira (e qual corte não seria mais magro que o bife da costela?). “No Estação Leopoldina, seguimos a escola argentina, na qual a grelha inclinada e com regulagem de altura permite assar cada corte no ponto ideal e com a defumação controlada”, disse Rafael, que tempera as carnes apenas com sal moído grosso.

Do lado das bebidas, foram escolhidos três vinhos e o mesmo número de cervejas. Entre os tintos estavam o argentino Nieto Senetiner Bonarda Reserva 2016 (importado pela Casa Flora/Porto a Porto), o alentejano Monte Velho 2016 (importado pela Qualimpor) da Herdade do Esporão e o brasileiro do Vale dos Vinhedos, Pizzato Concentus Gran Reserva 2014 (Vinícola Pizzato). A Bonarda argentina não chega a ser uma alternativa à Malbec, simplesmente porque sua expressão se distancia da principal tinta argentina. A Bonarda tem estrutura leve, com maior acidez e menos taninos que a Malbec. O foco está na fruta, com álcool comportado e um toque tostado discreto, no caso, resultado da passagem parcial por barricas de carvalho (apenas 40% do volume total). O Monte Velho 2016 é feito com Touriga Nacional, Aragonez, Syrah e Trincadeira, sem passagem por carvalho. Ainda assim, tem estrutura superior à Bonarda argentina, com maior complexidade na fruta (negra e fresca), taninos macios e bem polidos e ótima integração de todos os componentes. Uma novidade: esse vinho, em comemoração aos seus 25 anos de história, pode ser encontrado na Qualimpor em garrafa especial, batizada de Jeroboam, por causa da capacidade de 3 litros.

O Pizzato Concentus foi o tinto mais potente do painel. Feito com Merlot, Tannat e Cabernet Sauvignon com breve passagem por barricas de carvalho (seis meses em barricas francesas e americanas), o vinho tem taninos firmes, mas muito bem polidos e ótima acidez.

O time das cervejas foi composto pela Chezchvar, uma Pilsner clássica e produzida por uma cervejaria estatal checa, que é cítrica e refrescante, mas com bom corpo dado pelo malte; a trapista Chimay Première, uma Brown Ale com boa complexidade, repleta de frutas secas no ataque (passas, damasco e tâmara) carbonatação fina e delicada e final com malte tostado caramelo e amargor leve; e a brasileira Blondine Horny Pig, de Itapeva (SP), uma Session IPA, fechou o trio. Esta última tem aroma exuberante de laranja e ameixa amarela, carbonatação alta, ótimo frescor e final no qual o lúpulo floral mostra sua força com mediano amargor.

Começando as combinações com o assado de tira, os dois últimos vinhos e as duas primeiras cervejas se mostraram boas opções. O Monte Velho, por ser redondo e equilibrado, faz frente à carne, os taninos conseguem domar a textura firme e a gordura é limpa pela acidez, mas o final é dominado pelo sabor da carne (o que não é ruim). Há boa parceria, mas o vinho não brilha como a carne. Já com o Pizzato Concentus, a conexão foi ótima. As sutis “arestas” da jovialidade dos taninos e acidez se conectam às características da carne, deixando a fruta limpa e com agradável tostado do vinho e da carne. O Bonarda não fez frente ao assado e apenas mostrou sua acidez. A cerveja checa Chezchvar prova que a combinação por contraste pode ser um bom caminho. O frescor com bom corpo cumpre a função de limpar a boca e diminuir a sensação de gordura do assado de tira, mas sem passar desapercebida, graças ao bom corpo. A Chimay Première se comportou como parceira do Pizzato Concentus e liderou o ranking da melhor harmonização. O bom corpo faz frente à carne, o amargor da cerveja é atenuado e limpa a boca. A carbonatação mais integrada também dá leveza na medida e deixa espaço para tostados e frutados interagirem com o sabor da carne. Um ótimo resultado. A Blondine Horny Pig, com sua exuberância e maior carbonatação, dominou a carne.

Na vez do cordeiro, as reações foram um pouco distintas. O Bonarda assumiu o segundo lugar entre os vinhos pela fruta madura e adocicada, que combinou com o sabor da carne. Por não ter tanta gordura, a acidez e menor corpo conseguiram se manter até o final, acompanhando a fruta e complementado pelo tostado da carne. A liderança seguiu com o Pizzato Concentus, o que prova que taninos e acidez são a chave para se escolher um vinho para escoltar esses assados. Se sozinho o vinho pode parecer austero, com a carne seus extremos são amansados e as qualidades de ambos são ressaltadas. O Monte Velho e seu conjunto já bem ajustado não ganhou pontos extras na companhia do prato. Com as cervejas, apesar de ser uma carne mais magra que o assado de tira, o carré de cordeiro tem sabor acentuado que apaga a Lager checa. Já a Blondine Horny Pig, com sua intensidade conseguiu equiparar o sabor do cordeiro, com leve predomínio sobre a carne no final. Ainda assim, o resultado é bom, no qual bebida e alimento são percebidos e valorizados. Repetindo o resultado obtido com o Pizzato, a Chimay Première formou a melhor parceria entre as cervejas com o cordeiro. As frutas secas parecem parceiras nativas da carne, com tostados no mesmo nível e complementares (caramelo e malte do lado da cerveja e defumado pelo lado da carne). O amargor cumpre à risca a função de limpar o final de boca e faz pedir pela próxima bocada. Resumindo a história, entre cervejas e vinhos existem soluções para os dois caminhos. Fica a sugestão para o leitor repetir esse desafio em sua casa.

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Prazeres da Mesa

Lançada em 2003, a proposta da revista é saciar o apetite de todos os leitores que gostam de cozinhar, viajar e conhecer os segredos dos bons vinhos e de outras bebidas antecipando tendências e mostrando as novidades desse delicioso universo.

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