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Comendo bem e barato

POR JOSIMAR MELO (*)

Este ano pela primeira vez participei mais ativamente do Restaurante Week no Brasil, que aconteceu pela segunda vez, entre fevereiro e março, em São Paulo. Atuei como membro do comitê que seleciona os restaurantes que atendem aos padrões de qualidade exigidos pelo evento; e passeando por algumas dessas casas. Fiquei bem impressionado com os resultados – de resto, registrados em mais de 40 artigos de jornais e revistas, e mais de 500 sites e blogs com comentários sobre temas variados.

A Restaurant Week nasceu há 11 anos em Nova York, e hoje existe em mais de 100 cidades de 20 países. Em todas, o sistema é semelhante. O evento busca agitar o cenário do turismo e da gastronomia das cidades, especialmente em épocas de baixa estação no turismo; para isso, coliga diversos restaurantes (em Nova York, seu berço, são mais de 250) em torno da proposta de servir, no período, menus completos e de qualidade a preço único – em São Paulo, neste ano, foram 25 reais no almoço e 39 reais no jantar. Além disso, o evento contribui com alguma obra social (em São Paulo foi o Ação Criança).

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Duas coisas me impressionaram. Por um lado, o grau de maturidade da maioria dos 48 restaurantes participantes. Para eles, não houve mesquinharia. Eles entenderam a importância de angariar um público amplo e, em muitos casos, novo, para seus estabelecimentos. E, por isso, serviram menus que correspondiam ao que tinham de melhor, sem se preocupar com o fato de que sua margem de ganho, àquele preço, seria menor. É o mesmo que fazem, em Nova York, casas como as do chef Daniel Boulud (no caso, seu bistrô) ou David Bouley – que, na abertura da Restaurant Week, já costumam estar com todas as reservas completas, tal o interesse do público em aproveitar para conhecer o máximo de grandes restaurantes a um preço mais acessível.

Em São Paulo, ouvi e li algumas queixas. Em compensação, sobraram elogios para a maioria das casas, como, entre as mais citadas, o Obá, o AK Delicatessen, o Lola Bistrot, o Aguzzo, o Chakras, entre outros, que serviram pratos refinados com um serviço atencioso e aquele preço camarada (em qualquer dessas casas, o preço do menu completo do RW não pagaria sequer um prato principal). Por outro lado, surpreendeu-me o resultado em termos de adesão de público, que levou a um outro efeito. Para as casas que mergulharam fundo no evento, o resultado não foi apenas promocional: foi também financeiro. Lucro menor em cada menu, mas lucro maior no volume total do movimento. Recorro aqui a um caso exemplar, o do restaurante Obá, nos Jardins, que normalmente tem bom movimento e cujo sócio, Hugo Antares, nos franqueou suas estatísticas:

• O período do SPRW foram as duas semanas com mais pessoas no Obá em três anos de funcionamento. O número de comensais que passou pelo restaurante foi muito superior a qualquer outro período, festival, promoção etc. O incremento foi de 85% nos clientes nesse período, o que chegou a provocar problemas como a falta de guardanapos de pano (a lavanderia não dava conta).

• O impacto foi positivo tanto no almoço como no jantar. No almoço, o crescimento foi de 115% (ou seja, mais que o dobro de clientes); no jantar, 65%.

• Os clientes aderiram com tudo à promoção: 72% do público do almoço pediram o cardápio da RW; no jantar foram 37%.

• As duas semanas do SPRW foram primeiro e terceiro lugar de vendas desde a abertura do restaurante.

• O evento teve impacto positivo nas finanças do Obá. O gasto médio por cliente baixou apenas 10%, mas esse efeito foi mais que compensado pelas vendas adicionais. Os funcionários ficaram encantados com a caixinha. E, segundo Antares, o espaço que ganharam na mídia nessas duas semanas “vale ouro”.

Em resumo, parece que o Restaurant Week veio para ficar. A experiência de São Paulo atesta a maturidade do público – cuja curiosidade gourmet e adesão entusiasmada sustentam a promoção – e a maturidade dos restaurantes que têm o desprendimento de arriscar abrir mão de lucro imediato maior em troca de agitar a cidade e cativar uma clientela tanto fiel quanto nova. (O que termina, nas casas que melhor entram no espírito da promoção, rendendo lucros – vide o caso de pessoas que, tendo pela frente um menu barato, resolvem pedir um vinho mais caro.)

A boa notícia é que, em São Paulo, o Restaurant Week volta em agosto. E pelo Brasil afora, começa a espalhar-se neste ano, a começar pelo Rio de Janeiro.

Mais informações sobre o Restaurant Week no Brasil: www.restaurantweek.com.br

(*) Josimar Melo é crítico de gastronomia do jornal Folha de S. Paulo e autor do guia de restaurantes que leva seu nome.

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