Consumo de pizza em São Paulo: o novo apetite pelo almoço

Tradicionalmente associada às noites paulistanas, à mesa compartilhada em família ou às madrugadas acompanhadas por amigos, a pizza começa a conquistar um novo espaço no cotidiano da capital: o horário de almoço. Ainda que tímido, esse movimento revela uma mudança nos hábitos alimentares do paulistano, impulsionada por pizzarias que decidiram desafiar o relógio e abrir as portas ao meio-dia.

De acordo com estimativas da Associação de Pizzarias Unidas do Brasil (Apubra), o Brasil consome cerca de 3,8 milhões de pizzas por dia, sendo 870 mil apenas na cidade de São Paulo. Isso equivale a 27 pizzas por habitante ao ano, aproximadamente duas por mês, um número que confirma o status da pizza como um dos alimentos mais emblemáticos da vida paulistana. Mas, apesar de tanto apetite, cerca de 79% das pizzarias da cidade ainda operam apenas à noite, segundo levantamento da Galunion/Apubra.

Enquanto os finais de semana e as horas pós-expediente continuam dominando o consumo, com 62 milhões de pedidos feitos apenas aos sábados e domingos em 2024, dados mais recentes do setor começam a indicar uma leve diversificação: pizzas no almoço já figuram no cardápio de casas tradicionais e de novos empreendimentos que apostam em formatos mais rápidos, por fatia ou em combos executivos.

A arte de se reinventar: Brascatta aposta em buffets temáticos

A Brascatta se reinventou no almoço e conquistou um público fiel. Conhecida pelas pizzas e pelo rodízio que fazem sucesso à noite, a casa ampliou sua proposta e hoje oferece um buffet temático no almoço, transformando cada dia em uma nova experiência gastronômica. De segunda a sexta, o menu varia entre culinária caseira, árabe, italiana e oriental, com a tradicional feijoada às quartas e aos sábados. Aos domingos, o buffet premium ganha versões com filé-mignon, salmão, risotos e outras opções sofisticadas. Com unidades na Vila Leopoldina e no Alto da Lapa, a Brascatta une o conforto de um restaurante ao sabor irresistível de uma pizzaria em um convite único para redescobrir o prazer de almoçar bem.

Um hábito em transformação

Para o chef e sócio Paul Cho, da Paul’s Boutique, a resistência do público brasileiro em comer pizza no almoço tem raízes culturais e históricas. “Acredito que tenha muito a ver com as pizzarias que só abriam à noite por muitos anos, antes das grandes redes virem para o Brasil”, explica. “Pizza é um alimento muito associado ao domingo à noite. Já temos essa cultura de jantar pizza, então é uma barreira cultural que vamos quebrar com o tempo.”

Na Paul’s, a estratégia foi apostar na praticidade das fatias individuais, adaptando o serviço à pressa do almoço urbano. “Nossa pizza é vendida em fatias e inteiras, mas acreditamos que as fatias são ideais para o almoço, o serviço é rápido e prático. Criamos um combo executivo com duas fatias e uma bebida, e dá até pra adicionar molho ranch ou sobremesa. O público é majoritariamente corporativo e turistas”, conta. A aposta vem dando certo. Segundo o chef, há um crescimento constante nesse horário: “As pessoas que trabalham, moram e frequentam a região passaram a aceitar melhor a ideia de almoçar pizza e tem funcionado.”

A moda estrangeira

Na Da Mooca Pizza Shop, o chef Derek Wagner segue uma lógica parecida, inspirada no formato romano, pizza vendida em pedaços, para comer com as mãos. O modelo é pensado justamente para o consumo rápido, e, segundo ele, é o mesmo que se vê em várias cidades do mundo. “Nos Estados Unidos, na Europa, na Itália… come-se pizza o dia inteiro. Em Roma, por exemplo, as pizzarias abrem de manhã e fecham no fim da tarde. Lá é comum comer pizza até no café da manhã, então não é a pizza que precisa mudar, é o hábito do brasileiro.”

A casa oferece combos no almoço, como duas fatias e um refrigerante por R$39,90, e o público é formado principalmente por trabalhadores da região de Pinheiros e estrangeiros, que trazem consigo o costume de almoçar pizza. “Todo dia passam quatro, cinco estrangeiros por lá. É o hábito deles. E isso ajuda a naturalizar o consumo no almoço aqui também.” Para Wagner, o segredo da aceitação está na conveniência. “O almoço precisa ser rápido. A pizza por pedaço é democrática: a pessoa escolhe mais sabores, não precisa dividir uma pizza inteira. É uma refeição prática e completa, como um hambúrguer ou um prato de massa.”

A resistência cultural e o novo paladar do paulistano

O empresário Marcos Lee, sócio da Di Bari Mercato, acredita que o avanço da pizza no almoço depende menos da receita e mais da mudança de mentalidade do consumidor. “São Paulo já está almoçando pizza, mas culturalmente ainda não é o negócio. O brasileiro sempre enxergou pizza como algo para dividir, em família, à noite. Então o desafio é o cara entender que pode comer sozinho, no meio do dia, e ainda assim ter uma refeição completa.”

Lee compara a transformação da pizza com a evolução da coquetelaria no país, um processo lento, mas inevitável. “Durante muito tempo, as pessoas mediam qualidade pela quantidade: quanto mais recheio, melhor. Hoje, o foco é a qualidade da massa, dos ingredientes e do processo. É isso que está mudando o comportamento do cliente. Ele quer comer bem, mesmo que em porções menores.” Para ele, esse novo olhar é o que abriu espaço para formatos como a napolitana e outras variações artesanais. “Antes, o cliente estranhava pagar o mesmo preço por uma pizza menor e com menos cobertura. Agora ele entende que está pagando por fermentação longa, leveza, digestibilidade. Quando a pizza é boa, ela não pesa, e isso faz toda diferença no almoço.”

Um almoço tão equilibrado quanto outros pratos

Uma das barreiras culturais para a adoção da pizza no almoço é a percepção de que ela seria apenas uma refeição noturna ou indulgente. Mas, na prática, a pizza apresenta uma composição nutricional semelhante à de muitas refeições convencionais. Cada fatia combina carboidrato da massa, proteínas do queijo e das carnes, gorduras do queijo, molhos e embutidos, além de verduras e legumes em muitas opções. Em termos de nutrientes, é comparável a um prato típico de arroz, feijão e carne ou até a uma massa com molho e proteína, oferecendo a mesma base energética e equilíbrio de macronutrientes.

Segundo Paul: “O brasileiro já almoça hambúrgueres, massas e saladas completas. A pizza, entrega a mesma composição de carboidrato, proteína e gordura, de forma prática e saborosa.”

Mercado em expansão e adaptação

O setor segue em crescimento. Entre 2021 e 2024, o número de pizzarias independentes no Brasil cresceu 24,6%, de 27 mil para 33,6 mil, e a projeção é ultrapassar 34 mil até 2026. São Paulo concentra mais de 4 mil estabelecimentos, cerca de 12% do total nacional.

O delivery continua dominante — presente em 98% das pizzarias —, mas a diversificação de horários e a busca por experiências gastronômicas têm aberto espaço para o consumo presencial ao meio-dia, mesmo que apenas 21% das pizzarias estejam abertas no almoço.

Oportunidades para novos estabelecimentos

O paulistano, que já transformou a pizza em símbolo cultural, começa agora a reinventar o momento de saboreá-la. Casas que apostam no almoço ampliam o repertório gastronômico da cidade e mostram que há espaço para novos empreendimentos explorarem esse nicho em crescimento.

“Uma hora o brasileiro vai entender que pizza no almoço é tão natural quanto qualquer outro prato rápido. O público já está receptivo, principalmente corporativo e turistas. É uma oportunidade para quem quer inovar e oferecer praticidade sem abrir mão da qualidade.” — Paul Cho

O caso da La Bracciera: lições de um teste que não deu certo

A La Bracciera tentou abrir no almoço, mas os resultados não foram os esperados. Segundo o sócio Daniel Lucco, a iniciativa tinha como objetivo expandir o consumo diurno e apoiar uma mudança cultural, historicamente dominada pela pizza paulista de fermentação rápida: “Entendemos que poderíamos estender essa mudança com o consumo no almoço, uma tradição em diversos lugares do mundo, e quem sabe colocar São Paulo no título de cidade que mais consome pizza no mundo se conseguíssemos emplacar essa cultura também no meio-dia.” O formato e o preço da pizza influenciaram o resultado: “Quando fizermos novos testes, vamos apostar em fatias individuais, tamanhos menores. Entendemos que preço e quantidade são determinantes para que o almoço de pizza se consolide.”

Brascatta
Unid. 1: R. Dr. José Elias, 396 – Alto da Lapa | Telefone: (11) 3647-9797 | WhatsApp: (11) 96430-0118 | Horário de funcionamento: buffet – de segunda a sexta, das 12h às 15h, e aos finais de semana, até 16h; pizzaria – de terça a quinta e domingo, das 18h às 23h30, e de sexta e sábado, até 00h30 // Unid. 2: R. Passo da Pátria, 1685 – Vila Leopoldina | Telefone: (11) 3648-5898 | WhatsApp: (11) 98393-0102 | Horário de funcionamento: buffet – de segunda a sexta, das 11h30 às 15h; pizzaria – de terça a quinta e domingo, das 18h às 23h30, e de sexta e sábado, até 00h30 | @brascatta

Da Mooca Pizza Shop
Rua Fradique Coutinho, 154 – Pinheiros, São Paulo/SP – Fone: (11) 3062-0422 | Horário de funcionamento: domingo e segunda das 16h às 22h, terça a quinta das 12h às 22h, sexta e sábado das 12h às 23h
@damoocapizzashop

Paul’s Boutique
Itaim Bibi: R. Dr. Renato Paes de Barros, 167 – São Paulo/SP | Horário de funcionamento: de segunda a domingo das 12h às 23h
Bom Retiro: Rua Silva Pinto, 450 – São Paulo/SP | Horário de funcionamento: segunda das 17h às 23h; de terça a domingo das 12h às 23h
@paulsboutiquepizza

Di Bari Mercato
Ipiranga: Rua Bom Pastor, 1497, São Paulo/SP | Contato: (11) 92055-2132 | Horário de funcionamento: Segunda a Sábado 10h às 19h
Cidade Jardim: Praça deputado Dário de Barros, 17, São Paulo/SP | Contato: (11) 92055-2132 | Horário de funcionamento: Segunda a Sábado 10h às 19h
@dibarimercato

La Braciera
5 Unidade + Jardins: Alameda Lorena, 1040 – Jardim Paulista, São Paulo/SP – Fone: (11) 5990-2158 | Horário de funcionamento: domingo a quinta das 18h às 23h, sexta e sábado das 18h à 0h
@labracierapizza