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DEPOIS DA PICANHA

Por Ricardo Castilho
Fotos RJ Castilho

DEPOIS DA PICANHA_churrasco

Até pouco tempo churrasco em grande estilo tinha a picanha como o corte principal. Com capa de gordura e suculência, ela era a estrela da reunião preferida dos brasileiros. Mas hoje o cenário é outro. Uma nova legião de mestres churrasqueiros está ensinando que temos uma grande variedade de cortes e que a picanha já não reina sozinha. Além disso, a lenha, principalmente a proveniente de árvores frutíferas, como a de maçã e a de laranja, vai dividindo com o carvão a magia do fogo e emprestando o defumado às carnes. “Esse é um movimento que veio para ficar”, diz o chef Roberto Ravioli. “Existe todo um melhoramento genético de nosso gado, há um melhor aproveitamento das carnes, caso do acém, que passou de carne de segunda para ocupar posto nobre.”

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Para acompanhar de perto todo esse cenário, fomos a Sorocaba, no interior de São Paulo, participar com o mestre Alder Lopes, o Rei das Carnes, como é conhecido, e seus convidados de uma churrascada muito especial.

Com toda a nobreza

Filho de imigrantes espanhóis, Alder Lopes nasceu no mundo das carnes. Sua família está no ramo desde 1953. Com 15 anos, após a perda do pai, aventurou-se no açougue Santo Antônio, que era tocado pelos tios. “Chegava aos domingos por volta das 5 da manhã para aprender sobre cortes”, diz Alder. “Mas foi em 1999, quando estava em New Jersey, nos Estados Unidos, trabalhando em supermercados e na parte de desossa de carnes que aprimorei minha técnica. Depois de dois anos precisei voltar para o Brasil para assumir o açougue, já que nenhum irmão queria tocar o negócio e eu não poderia deixar um estabelecimento de 48 anos fechar as portas.”

A experiência americana foi fundamental para tocar os negócios e expandir para outros tipos de carne, além da bovina, principalmente a suína. “Foi então que meu irmão sugeriu o nome de o Rei das Carnes, e assim estamos desde 2009”, afirma Alder. Logo depois começou o boom de wagyu e, devido a seu alto preço, os consumidores começaram a ouvir as histórias de Alder e se interessar por carnes diferentes. “Com o wagyu, comecei a vender também os outros cortes; e a casa cresceu, a venda de angus decolou e especialistas começaram a frequentar o Rei das Carnes.” Com o tempo, a busca por saborear suas criações na hora começou a crescer. Hoje, o pequeno ponto do Mercadão do Campolim vai além de açougue e funciona como uma steak house, que atrai apaixonados de toda parte. Jogadores de futebol, como Adriano, o Imperador, e Falcão, o astro do salão, são presenças frequentes, bem como o cantor Wesley Safadão.

Porchetta é com ele

O chef Roberto Ravioli, há quase 30 anos na estrada, construiu uma bonita história na gastronomia brasileira, com restaurantes que sempre estiveram na lista dos melhores. Mas é com a nova fase do churrasco que seus olhos voltaram a brilhar. “Esses eventos são fantásticos porque reúnem amigos para ‘assar’ juntos e por estarmos do lado do público que conhece e gosta de nosso trabalho”, afirma Ravioli. Neles, ele mostra como se faz a verdadeira porchetta. “O primeiro passo é comprar um produto de qualidade”, diz Ravioli. “Depois, é utilizar sementes de erva-doce no tempero, que faz um casamento perfeito com a carne.” Ravioli também usa alho, ervas aromáticas, bacon e aceto para, por uma noite, marinar a carne. Para completar, o cozimento lento é fundamental e, no final, o fogo alto – para pururucar.

Inspirações especiais

“Minha inspiração é minha avó Alice, e minha mãe, dona Cida, que dão show na cozinha e, desde cedo, me incentivaram a cozinhar”, afirma Roberto Navarro, ou melhor, o chef Fininho, como é conhecido. “Cozinhar é um dom. Ou você sabe, e melhora isso todos os dias, ou arruma guerra com os miojos da vida.” Fininho participa ativamente do movimento churrasqueiro e faz questão de aprender com os mestres. “Tive a honra de ter a referência e a amizade do Roberto Ravioli, pela alegria e simpatia, por ser simplesmente ele, em tempo integral.” Empresário, Fininho desenvolveu tábuas especiais para ser usadas na indústria da carne. “Hoje, muitos frigoríficos utilizam as que crio”, diz. São tábuas de corte profissionais, feitas de altileno e atóxicas, de longa durabilidade, antiaderentes, para que não tirem o fio da faca. (Pedidos podem ser feitos pelo e-mail [email protected])

Para Fininho, além dos bons cortes, como o short ribs, e de um bom fogo, o segredo do churrasco é estar rodeado de amigos e familiares.

Paixão Uruguaia

Roberto Zonzini Bocabello, o Bocca, é o que podemos definir como um viciado em churrasco. Quando não está fazendo, fica desenhando na cabeça os cortes que vai preparar. Mas o interessante é que até pouco tempo ele se aventurava na cozinha graças aos ensinamentos de sua mãe, grande cozinheira, mas nem sabia acender o fogo. “Foram duas paixões que nasceram juntas, por minha mulher e pelo churrasco. Minha mulher é de família uruguaia e seu avô fazia muitos churrascos de fim de semana”, afirma Bocca. “Quando começamos a namorar, eu não encostava na parrilla dele, só ficava apreciando a boa carne. Na primeira vez, quase coloquei fogo na casa. De lá para cá, o churrasco transformou-se em uma paixão e em tema de pesquisa e aprofundamento técnico.”

Estudioso, logo se transformou no churrasqueiro da turma, a pesquisar quais as melhores lenhas, a combinação com o carvão etc.

Respeito ao produto

Flavio Saldanha, colunista de Prazeres da Mesa, faz parte da quarta geração de uma família que trabalha o produto com amor e dedicação. Nos últimos anos ele tem percorrido o Brasil e trazido novidades do exterior, para melhorar nossos diversos rebanhos. Começou com os bovinos, mas atua com a mesma paixão nos suínos e ovinos. “A carne suína até recentemente estava presente no churrasco apenas como coadjuvante, como é o exemplo das linguiças ou da costelinha com molho BBQ”, diz Flavio. “Agora, os churrasqueiros podem se esbaldar com o copa lombo, ainda pouco divulgado, porém deliciosa opção em steaks altos (2 dedos),  a picanha suína com sabor e suculência incríveis, a barriga de porco bem irrigada por gordura, a pele e a carne macia e saborosa, steaks de pernil, também chamados “capitão” e que reúnem em um só corte os deliciosos pedaços de coxa suína, ou ainda o lombo suíno marinado e assado em cubos com um toque de bacon.” São apenas algumas possibilidades de cortes e de apresentação, mas lembre-se: de tão suculenta, a carne suína tem se tornado cada vez mais protagonista nos churrascos e também nos restaurantes.

A importância da lenha 

A lenha é a base para um bom fogo, um dos principais ingredientes para as grandes carnes. Os mestres do fogo costumam utilizar diversos tipos de lenha. Para um toque defumado, por exemplo, as frutíferas, como macieira, laranjeira e cerejeira são as preferidas. “Elas dão um toque especial ao defumado, sem sobressair demais ao sabor da carne e do tempero escolhido”, afirma Bocca.

Para os apreciadores do fogo de chão, o eucalipto, sem a casca, faz bonito. É uma lenha de bom custo-benefício, gera uma chama boa, bastante calor e é muito prática para usar em fogo de chão, forno de pizza e fogão a lenha.

Dicas para acender

Existem muitas maneiras de acender um bom fogo. Muita gente utiliza uma latinha cortada cheia de álcool no meio do carvão e da lenha e até com vela. Mas o ideal é ser prático. O álcool gel específico para acender carvão e lenha é o ideal. Importante, porém, é fazer isso com antecedência. “Acendo com cerca de 40 minutos, antes de começar a colocar as carnes”, diz Bocca. “Coloque primeiro os pedaços menores de carvão, o álcool gel sobre eles. Em seguida, monte uma pirâmide em volta usando os pedaços maiores de carvão. Acenda e deixe formar a brasa.”

Lembrete: se você quiser um pouco de defumado na carne, coloque uma acha de lenha ao lado do braseiro, apenas para que faça um pouco de fumaça. Isso é o suficiente. Mais lenha, apenas se ela já estiver totalmente em brasa, ou para o fogo de chão.

Os cortes do momento 

Claro que a picanha não está totalmente descartada, mas outros cortes fazem sucesso entre os churrasqueiros

Costela – Principalmente para o fogo de chão, é o corte perfeito. Tempere somente com sal grosso e se prepare para assar de 8 a 12 horas. Bem devagar, para que fique desmanchando.

Short Rib – É o acém com osso, um dos preferidos da atualidade. Deve ser feito lentamente. Escolha peças altas, com cerca de três dedos de espessura e espere por volta de 40 minutos para que fique no ponto. “Assim, parece que a carne foi feita no sous vide, no qual toda a espessura está com a mesma coloração, mas com aquele sabor que só o fogo pode dar”, afirma Bocca.

Tomahawk – Corte de contrafilé da parte da bisteca, semelhante ao prime rib, mas com a diferença de ter um osso de 30 cm. Pelo formato, também é conhecido como o filé do Fred Flintstone. Sua suculência é fantástica.

Flat iron – É retirado do centro da paleta e tem maciez parecida com a do filé-mignon, mas com mais sabor. Também é conhecido como top blade steak.

Short Ribs – É um corte dianteiro e faz parte da costela. Pelas fibras grossas, pede cozimento lento e fica perfeito na grelha.

Shoulder ou Raquete – É um corte da parte nobre do dianteiro, muito macio e suculento. A melhor maneira de prepará-lo é cortando-o em bifes, como a picanha – o que ajuda na eliminação da gordura.

Brisket – É a região do peito do animal, com carne mais dura, mas que fica macia quando preparada lentamente. Outra dica é deixá-la marinando por algumas horas.

Filé de costela com osso – Ideal para servir malpassada, com aquele tostadinho por fora. Para isso, comece com fogo forte e termine na parte mais alta da churrasqueira até chegar ao ponto desejado.

Ribeye – Esse e outros steaks devem ser grelhados sem nenhum sal ou tempero. Depois de prontos são finalizados com flor de sal e pimenta-do-reino-preta moída na hora, o que valoriza o sabor do corte.

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Prazeres da Mesa

Lançada em 2003, a proposta da revista é saciar o apetite de todos os leitores que gostam de cozinhar, viajar e conhecer os segredos dos bons vinhos e de outras bebidas antecipando tendências e mostrando as novidades desse delicioso universo.

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