Uma linda história de 30 anos
O Divina Gula, que levou o prêmio de Restaurante do Ano Região Nordeste, no Melhores do Ano Prazeres da Mesa, recém-completou três décadas
A história do mineirinho mais querido de Maceió, o Divina Gula, poderia ser um roteiro de cinema, com muito amor, sonhos, conquistas, diversão, drama e, infelizmente, um pouquinho de tristeza. O apaixonado casal Claudia Mortimer e Andre Generoso não pensou duas vezes. Largou a vida e a família em Minas Gerais para se aventurar na até então pouco explorada Maceió, a linda capital de Alagoas. Haviam passado férias na cidade, se encantaram e não tiveram dúvida de que seria o local onde construíriam sua história. “Contrariamos nossa família e largamos nossos empregos. Eu, formado em engenharia florestal, e a Claudia inserida no mundo da moda”, afirma Andre.
A ideia do casal, a princípio, era abrir uma lanchonete para vender pão de queijo. Eles só não pensaram na dificuldade que teriam em encontrar os ingredientes necessários. Ante esse dilema, acabaram investindo em um boteco, sem imaginar a proporção que ele tomaria. E que proporção! Vendendo caldinho de feijão, cerveja, cachaça e espetinhos, o negócio prosperou e hoje o Divina Gula é um lugar completo para quem busca cerveja gelada, caipirinhas com frutas locais, happy hours animadíssimos, pratos típicos mineiros, como o feijão-tropeiro e a panelinha de moela, música boa e gente bonita e animada.

Reforma
Há cerca de um ano, o restaurante passou por uma intensa reforma e é hoje uma das casas mais bonitas de Maceió, mantendo, é claro, a identidade e as raízes mineiras. O Divina Gula ficou então dividido em seis áreas, cada uma com seu charme e toque único. Há desde espaço aberto, no qual de quinta-feira a sábado tem música ao vivo, cozinha toda de vidro, para que os clientes possam ver até o que acontece por lá, espaço com parque, para as crianças, e algumas áreas climatizadas, usadas normalmente para eventos.
“Eu digo que vim para o mundo fazer o que gosto. E a melhor coisa é você poder deixar seu legado, que, para dar certo, tem de ser fruto de amor. Para mim, o Divina é isso. É muito gratificante essa nossa história tão bonita, em um país como o Brasil, cheio de altos e baixos. Passamos por todas as crises, todas as dificuldades e nos adaptamos e sobrevivemos trabalhando com dignidade e com amor ao nosso ofício”, diz Andre.
Os filhos, Vitor Generoso e Diogo Mortimer, foram integrados ao negócio da família e ajudaram a trazer frescor e inovação, para que o sucesso permaneça por mais gerações. “Quando os meninos eram menores, Claudia e eu perguntamos o que eles queriam da vida, para que pudéssemos planejar nosso caminho. Os dois escolheram o Divina Gula. Então, falei que eles iriam estudar para isso. Diogo resolveu ir para a área administrativa e o Vitor seguir meus passos na cozinha”, afirma Andre.
No final do ano passado, os meninos passaram por um período difícil, com a precoce morte de Claudia, que era a alma da família e do Divina Gula. Mas não deixaram a peteca cair e continuaram firmes para honrar o legado de sua mãe.
Celebrando em grande estilo
Alguns eventos estão programados para este ano, para comemorar o aniversário do Divina Gula. O primeiro deles contou com chefs renomados, que se sentiram honrados em fazer parte desse momento tão importante para o restaurante e fizeram uma linda festa. Foram eles, Rubens Salfer, mais conhecido como Catarina, um dos sub-chefs de Alex Atala, em São Paulo; Paula Leitte, do Roccia, em João Pessoa; Lucas Corazza, apresentador do programa Que Seja Doce, na GNT, e chef pâtissier; e os alagoanos Sergio Jucá e Felipe Lacet, do restaurante SUR; Sandy Farias, de Le Brulé; e a dama da gastronomia alagoana, dona Yêda Rocha.
Rubens Salfer – Ovo, puba e cogumelos

Já na entrada, os convidados foram agraciados com um preparo leve, vegetariano e cheio de sabor. O ovo, puba e cogumelos, do Catarina. Muito feliz, ele conta que é sua segunda vez em Maceió e que o povo daqui o abraça de um jeito superbacana. “Desta vez está sendo ainda mais legal, pois minha mulher – a chef Paula Leitte – veio comigo e é a primeira vez que cozinhamos juntos em um evento fora”, afirma. Uma das promessas da nova geração, Rubens não poderia estar mais agradecido ao mestre Alex Atala. “Ele ter me liberado para fazer um prato que ainda vai entrar no menu degustação do D.O.M é incrível. Tenho uma relação de amor com o Alex. Ele é meu amigo, meu pai, meu patrão. É sensacional trabalhar com ele e com o Geovane”, diz.
Sobre o prato, ele explica que é um preparo que conta um pouco de sua história. Quem lhe mostrou esse cogumelo foi o Atala, que é quem o norteia e inspira e diz que muito do prato é o clássico francês de ovo e cogumelo, mas com sabor brasileiro e técnica espanhola. A respeito de estar cozinhando nesse dia especial, Rubens é categórico: “A história do Andre é de louvores, um cara sensacional, com uma trajetória linda e muito legal. Eu vejo a força que o pessoal de fora tem de fazer para mostrar que está ali e admiro isso demais. Essa galera está unida e merece tudo o que conquistou”.

Serginho Jucá e Felipe Lacet – Hot dog de lagosta
Na sequência, os alagoanos Serginho Jucá e Felipe Lacet fizeram a entrada do mar, com o icônico hot dog de lagosta com aïoli de queijo do reino e macaxeira palha, uma das marcas registradas do restaurante SUR. “É muito importante levantar nossa identidade alagoana. Em nosso prato, colocamos lagosta, queijo do reino, macaxeira palha, pão feito na casa, ou seja, tudo com nossa cara.
Hoje tem tanta gente fazendo um trabalho bacana em Maceió que é muito importante juntar essa galera e mostrar um pouquinho de nossa cultura. É uma nova geração de chefs que está afim de se ajudar e se levantar”, afirma Serginho. “A família Generoso é incrível, ela agrega demais. É difícil falar do Divina, porque, muito antes de pensarmos em ser chef, o Andre já estava na ativa, a gente já comia por aqui. Tenho muito respeito por essa família. Eles são uma verdadeira referência”, diz Felipe.
Paula Leitte – Mocotó, sururu e milho
O primeiro prato principal ficou sob o encargo de Paula Leitte, que fez, com maestria, o sururu com mocotó e milho. “Sou sertaneja de Cajazeiras, no sertão da Paraíba. Já estive em Maceió antes e me apaixonei pela cidade, por isso quis fazer uma homenagem. Uni o mocotó com os temperos do sertão, o sururu e o milho”, conta. Ela garante que as amizades e os elos construídos nesses eventos não têm preço. “Levamos histórias e experiências, que agregamos em forma de tempero, de carinho, de capricho, com um novo preparo, enfim, é uma troca muito importante”, diz.
Vitrola e Andre Generoso – Porchetta e jus de leitão
Encerrando os salgados em grande estilo, os anfitriões da casa, Vitrola e Andre Generoso, dividiram as panelas e serviram porchetta e jus de leitão, mousseline de feijão-branco, crocante de arroz negro e mostarda salteada. “Eu sempre gostei do tradicional bem-feito, mas a chegada do Vitor à cozinha trouxe muita inovação, técnicas, coisas que eu não conhecia. Ele consegue dar um visual mais bonito aos pratos, porque eu brinco que sou cozinheiro de panelão. É muito gratificante dividir a cozinha com meu filho”, diz Andre.
Vitrola, como Vitor é mais conhecido, conta que, para o prato do jantar, Andre queria usar o porco e, como havia escolhido a proteína, mandou que ele decidisse os acompanhamentos. “Pensei em arroz, feijão e porco. Então, preparamos tutu de feijão, pipoca de arroz negro e, em vez de couve, usamos folha de mostarda refogada. Acho legal que um sempre complemente o outro. Tento dar uma modernizada na apresentação, porque na época dele era mais questão de quantidade, então tentamos equilibrar as ideias”, diz.

Lucas Corazza – Matchá e limão
Na sequência, Lucas Corazza apresentou um creme de matchá e limão, com jabuticaba e pingos de chocolate branco. “O amargo com o azedo limpa o paladar por completo de todo o salgado que você comeu. Por isso, a pré-sobremesa foi o matchá, que é um alimento superantioxidante, digestivo, cítrico e tem a jabuticaba. Foi realmente para o cérebro virar uma chavinha e entender que era hora da sobremesa”, afirma Lucas. Ele conta que o brasileiro não costuma gostar dessa combinação, mas que era necessário para que a boca não ficasse “contaminada” pelo salgado e pudesse aproveitar toda a textura da sobremesa.
Doa Yêda – Cartola revisitado
Em seguida, o cartola revisitado, composto de rodelas de banana, espuma de requeijão, terra de avelãs e chocolate, curd de limão-cravo e chocolate com mel. “Com a boca renovada, você sente o crocante da avelã, o requeijão da espuma, o caramelo com o chocolate ao leite. Como eu tinha de servir uma sobremesa que antecederia a mesa de dona Yêda, decidi criar algo mais leve, para que as pessoas pudessem apreciar os doces dela também. Pensei na combinação do cartola, com banana e queijo, mas troquei a canela, que incomoda muita gente, pelo chocolate”, afirma.
O chef conta que ficou empolgadíssimo em conhecer dona Yêda e que foi uma honra anteceder a seus doces. “Tenho muito respeito por ela. É uma ‘monstra’ da gastronomia, uma instituição da doçaria brasileira, e fiquei muito feliz em conhecê-la pessoalmente. Além disso, fiquei surpreso ao saber que o Divina está fazendo 30 anos, achei muito bonita a historia da família.
O Andre me contou como a Claudia deixou impressa a história dela e a personalidade no restaurante. Acho incrível ver um negócio familiar passando para a segunda geração, com os meninos assumindo. Sou um romântico gastronômico e admiro demais esse tipo de trajetória. Estou honrado em poder compartilhar esse momento com eles”.
Final com chave de ouro
Na saída, havia ainda a mesa de cafés, comandada por dona Yêda e por Sandy Farias, com delícias como o bolo Souza Leão, cocada, chás, bolo de rolo, sonhos alagoanos, bolinho de maisena, entre outros. “Um evento como esse é uma oportunidade de todos passarem sua historia na cozinha. Foi uma honra participar ao lado de dona Yêda, que é uma referência para todos. E o que falar do Divina Gula? É um patrimônio de Maceió, eles representam a cidade, eles transcendem essa coisa mineira, com uma identidade própria. É um lugar de acolhimento, que está sempre se renovando, é mágico estar aqui, estar na cozinha deles”, diz Sandy.

A nova geração
Claudia e Andre já estavam pensando na transição do restaurante e de passar mais responsabilidade para os filhos. Com a partida da esposa, Andre manteve a decisão. Ele vem aconselhando as crias, para poder se dedicar a outras coisas e deixar o negócio da família com eles. E, contudo, os meninos se mostram a cada dia mais preparados para assumir tamanha responsabilidade.
“Cresci dentro da cozinha do Divina e, quando eu tinha uns 14 anos, meus pais perguntaram se a gente queria continuar o restaurante ou seguir outra carreira. O Diogo e eu passamos cerca de 15 dias pensando e optamos pelo Divina. Meu irmão foi para a área administrativa da casa e eu resolvi ficar na cozinha. Adorava observar os cozinheiros, o que estavam preparando”, afirma Vitrola.

Prova de fogo

Mas o menino teve de passar por uma prova de fogo antes que o pai pudesse confiar a cozinha a ele. “Há cerca de seis anos, participei de um evento com meu pai. Em dois dias, servimos uma média de 1.600 pratos. Quando acabou, ele me perguntou se era cozinha que eu queria mesmo, porque ele sabia que eu estava cansado e que o trabalho é pesado. Mas eu não queria fazer outra coisa na minha vida”, diz Vitrola. Foi para a França, estudou no Instituto Paul Bocuse, estagiou por lá e no Peru. Voltou há cerca de um ano e meio e, aos poucos, está assumindo a chefia da cozinha. “São 30 anos de Divina, é um legado pesado, pelo nome que tem, pelo reconhecimento. O Diogo e eu temos buscado modernizar um pouco. Queremos dar um toque mais jovem, tanto na casa quanto no cardápio”, afirma.
Na área administrativa, Diogo dividia as tarefas com a mãe. Mas, engana-se quem pensa que os meninos fazem corpo mole e se escondem atrás dos pais. Não é raro vê-lo retirando mesas, pegando pedidos, checando se está tudo bem. Isso depois de uma longa jornada de escritório. E é por isso que o Divina dá tão certo e conquista cada vez mais clientes. Tudo é feito com muito zelo e amor, em cada área do restaurante. “Quando os meus pais nos perguntaram o que queríamos, eles explicaram quão dura era a vida no restaurante. Sem fins de semana, trabalhando à noite, enfim, mas sempre consegui ver o lado prazeroso também”, afirma Diogo.
De volta a Maceió
Após um ano fazendo intercâmbio nos Estados Unidos, foi cursar administração na PUC de Curitiba. “No meio do curso, prestei gastronomia, na mesma faculdade, porque queria entender um pouco mais sobre o trabalho que me aguardava, para poder opinar com conhecimento”, diz Diogo. Ele se formou nas duas áreas, estagiou no Madero, também em Curitiba, e fez especialização de sommelier, no Centro Europeu. De volta a Maceió, foi para o Divina, com a família. “Os 30 anos do Divina Gula representam tudo para mim. Fui criado lá dentro, é uma parte de minha família à qual dedico tudo. É o que torço para dar certo pela importância que essa história tem em nossa vida”, afirma Diogo.
“O que tento passar para eles é antecipar as coisas, programar, não deixar nada para a última hora. Com o Diogo, sento para anotar o que funcionou, o que deu errado, para que tudo corra perfeitamente. Hoje, quero trabalhar mais com pesquisa, que tem muito a ver com minha formação de engenheiro florestal. Quero voltar para o campo, estudar e estou muito orgulhoso do trabalho dos meninos. Acho que, então, em breve consigo deixar tudo nas mãos deles”, afirma Andre.