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Entrevista com Domingos Soares Franco

Uma conversa franca com um dos melhores enólogos de Portugal, grande criador de Moscatéis, mas também de tintos e brancos memoráveis

POR RICARDO CASTILHO

 

Um dos grandes nomes do vinho em Portugal, acreditem, demorou para ter seu trabalho reconhecido no país. Sua família, dona da tradicional casa José Maria da Fonseca, na década de 1970 era acusada de fascista e isso rotulou o jovem que estava prestes a entrar na companhia. Mas Domingos Soares Franco não se abateu e, como falamos no Brasil, deu a volta por cima, mostrou seu talento e competência e calou os críticos. Rejeitado no Instituto Superior de Agronomia, foi para a Califórnia e se tornou o primeiro português a estudar enologia e viticultura na prestigiosa Universidade de Davis. Formou-se em 1980 e, ao voltar para Portugal, sofreu outro golpe: as instituições locais não o aceitaram muito bem e seu curso nunca foi reconhecido.

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Nada disso, porém, afetou o jovem, que aceitou o pedido do pai para que ficasse e ajudasse a transformar a empresa. Ao lado do irmão António Soares Franco, elevaram os níveis de administração, das vinhas e dos vinhos, e fizeram a empresa ser um colosso do vinho português. Fundada em 1834, em Vila Nogueira de Azeitão, em Setúbal, a casa elabora ícones como o Periquita e Moscatéis, que abraçam nossa alma e ficam na memória.

Domingos completou 40 vindimas e, em 2020, foi reconhecido pela prestigiosa revista Vinho Grandes Escolhas como “Enólogo do Ano de Vinhos Generosos”. A mesma publicação elegeu um de seus grandes vinhos, o Hexagon 2015, como Top 30, vinhos de sonho. Prêmios que ele fez por merecer e que mostram que seu esforço não foi em vão. “Domingos consegue transmitir aos vinhos que elabora todo o seu humor e alegria. Grande pesquisador das castas nativas de Portugal, com muita dedicação cria obras de arte incríveis nesse mundo vinícola”, diz Carlos Cabral, um dos maiores especialistas em vinhos do Brasil e grande conhecedor dos que são elaborados em Portugal.

Domingos, que recém-deixou o dia a dia da empresa, concedeu a seguinte entrevista para Ricardo Castilho, diretor editorial de Prazeres da Mesa.

Foto: Ricardo Bernardo

Prazeres da Mesa –  Nestes anos difíceis da pandemia de Covid-19, quais as principais dificuldades na colheita e na elaboração dos vinhos? A pandemia afetou-as de alguma maneira?

 

Domingos Soares Franco  – Não tivemos problema, pois a safra 2020 não foi muito grande e nos permitiu trabalhar por turnos, facilitando toda a operação. Já na safra de 2021, estávamos com confinamento mais leve, não sentindo grandes alterações no nosso ritmo de trabalho. Foi uma safra grande e de excelente qualidade.

 

O aquecimento global é um fato. Vocês já mudaram alguma coisa no plantio ou na elaboração dos vinhos por causa disso?

Sim, mudamos a orientação da vinha e utilizamos clones com acidez mais elevada.

Quais são as expectativas para o Brasil? Como está hoje o ranking de vendas da empresa pelo mundo?

O Brasil continua sendo um dos principais mercados da José Maria da Fonseca e do vinho Periquita no mundo. É um mercado que representa uma de nossas maiores prioridades de crescimento e em que temos todo o foco. Os resultados de importação de vinhos no Brasil, durante o período da pandemia, foram realmente extraordinários, o que comprova ainda mais a importância que esse mercado tem para a José Maria da Fonseca. No resto do mundo, a José Maria da Fonseca é uma das principais exportadoras de vinhos de Portugal, com marcas centenárias, como é o caso do Periquita e que prestigiam muito a categoria de vinhos portugueses.

Estão previstos lançamentos e novidades para este ano?

Durante a pandemia, lançamos no Brasil o vinho João Pires, que é uma das referências históricas de vinhos brancos em Portugal. É um vinho com um perfil muito bem aceito pelo mercado e, em 2022, lançaremos sua versão, que segue o mesmo perfil de vinho do branco e que certamente terá muito sucesso onde for lançado.

Que balanço você faz das últimas safras em Portugal?

Resumidamente: 2021, excelente; 2020, normal; e 2019, muito boa.

De quantas safras você já participou? Quais as principais mudanças que pode apontar entre as primeiras e as atuais?

Já são 40 safras. Diferenças da primeira para a última foram quase do dia para a noite. Teria de escrever um tratado (risos). Tudo quanto é considerado “novas tecnologias” hoje em dia, eu implementei no decorrer dos anos. As mudanças foram acontecendo aos poucos.

Qual aquele projeto de sonho que você ainda pretende tirar do papel?

Nenhum. Meu ciclo está terminando, estou me retirando e deixando as inovações para a próxima geração, a sétima da família. Ainda provo os vinhos, dou palpite, mas hoje em dia estou dedicado às apresentações de vinhos da JMF e de Portugal.

Durante sua prestigiosa carreira, pensou em fazer vinhos no Brasil?

Quando acabei o curso na Universidade de Davis, um amigo brasileiro falou-me de ir para o Brasil. Resolvi, após falar com os meus pais, regressar a Portugal e nunca mais falamos sobre isso.

Estamos perto de celebrar a Páscoa. No Brasil, pratos de bacalhau, cordeiro e sobremesas com chocolate ganham a mesa e são estrelas. Quais os vinhos que você indicaria para cada um. Claro, sabendo que as possibilidades de receitas são das mais variadas, há vinhos coringas que podem funcionar com diferentes preparos?

Para o bacalhau, acho que o Periquita tinto é uma excelente combinação, pois é um vinho muito gastronômico e que casará bem com a gordura, a textura e o sabor do bacalhau. Para o cordeiro, o Periquita Clássico, por ser um vinho produzido da mesma forma dos Periquita de há 40 e 50 anos, com um caráter mais rústico, taninos bem presentes, mas amaciados. Penso que será uma muito boa combinação. Também poderia mencionar o Periquita Reserva, pois toda a sua estrutura, taninos e parte aromática casam muito bem com o cordeiro. Para a sobremesa com chocolate, um Moscatel de Setúbal Alambre 20 Anos, sem dúvida. É um dos vinhos de sobremesa que mais bem combinam com chocolate. Depois deste exercício, já fiquei com muito apetite…

Quais os vinhos que lhe deram maior prazer em fazer?

Alguns, o Periquita Clássico, o Periquita Superior, o Hexagon, o FSF, o J, o Domini Plus, o José de Sousa Mayor, o Pasmados Branco, o Puro Talha e os topos de gama dos Moscatéis 20, 30, 40 anos, a Trilogia. Igualmente, a marca Periquita sempre me deu um enorme prazer em fazer, pois combinar volume com qualidade sempre foi um grande desafio… E eu adoro desafios.

Quais os momentos e combinações que considera as mais perfeitas para os Moscatéis?

O Moscatel de Setúbal é um vinho de sobremesa com uma grande versatilidade. No caso dos Moscatéis de Setúbal da José Maria da Fonseca, estes aliam a doçura natural de um vinho fortificado, com uma acidez marcante, que faz um balanço perfeito com a doçura do vinho. Existem muitas combinações possíveis, como por exemplo sobremesas que contenham chocolate (amargo de preferência), figos, laranja, crème brûlée. Ao mesmo tempo, casa bem com frutos secos e também com alguns queijos.

Se fosse indicar apenas um, qual o melhor Moscatel que já degustou?

O 1955 é como se fosse um puzzle de 1000 peças, em que 999 delas se encaixassem perfeitamente. Uma masterpiece que quase atinge a perfeição. Foi feito pelo meu tio António e sempre foi considerado dentro da família a melhor safra de Moscatel feita até hoje.

Foto: Ricardo Bernardo

Os vinhos da José Maria da Fonseca são importados pela Todovino

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Ricardo Castilho

Ricardo Castilho é diretor editorial de Prazeres da Mesa

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