Projeto para mais 300 anos
A gerente de Qualidade do Vinho e Comunicações da francesa Moët & Chandon falou com Prazeres da Mesa sobre sustentabilidade, vinhedos e sobre como manter a marca em evidência por 300 anos
Por: Georges Schnyder
Marie-Christine Osselin é uma figura de destaque no mundo do vinho, ocupando o cargo de Wine Quality & Communication Manager na renomada Moët & Chandon, cuja sede está localizada na encantadora cidade de Épernay, na França. Nessa posição crucial, ela desempenha um papel fundamental na transmissão das mensagens técnicas e de qualidade da maison para os mercados da França e de fora de suas fronteiras.
Além de sua atuação na esfera comercial, Marie-Christine também desempenha papel vital em uma iniciativa significativa conhecida como Programa Natura Nostra. Essa iniciativa foi criada pela Moët & Chandon com o objetivo de promover o desenvolvimento da biodiversidade e o equilíbrio ecológico na região de Champagne, refletindo a responsabilidade e o compromisso da empresa em enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas. Como uma das maiores proprietárias de terras na região, a Moët & Chandon assume a liderança ao desenvolver esse programa, que busca tornar público seus compromissos de longo prazo.
Durante a visita ao Brasil, Marie-Christine Osselin concedeu entrevista exclusiva à revista Prazeres da Mesa, na qual compartilhou suas valiosas perspectivas sobre o mundo do vinho, suas experiências na Moët & Chandon e detalhes do inspirador Programa Natura Nostra.
Prazeres da Mesa – A Maison Moët & Chandon tem um programa chamado Natura Nostra para preservar a região de Champagne. Quais são os principais pontos abordados e quais os primeiros resultados?
Marie-Christine Osselin – O Natura Nostra chega no momento em que o desenvolvimento sustentável se tornou, para nós, uma prioridade ainda maior. Como Moët & Chandon existe há tempos, já tivemos muitas ações focadas nessa questão, como a certificação ISO 14000, no início do novo século, em 2001; e a dupla certificação de toda a vinha em 2014. Além disso, temos objetivos para eliminar completamente o uso de herbicidas e diminuir a quantidade utilizada de pesticidas.
Então, a sustentabilidade sempre esteve no DNA da marca?
Sim, sempre esteve no nosso DNA. Por exemplo, desde o início do século, quando construímos uma nova instalação ou vinícola, procuramos desenvolver o mais alto nível de responsabilidade ambiental. Mas, com a chegada de Berta de Pablos-Barbier como presidente há dois anos, decidimos focar ainda mais na questão da sustentabilidade.
E por que o nome Natura Nostra?
O nome é latino e foi escolhido com muito cuidado. Ele reflete duas de nossas principais prioridades: a agricultura sustentável, agroecológica, e a restauração da biodiversidade na vinha.
Quando você fala em biodiversidade, a que exatamente está se referindo no contexto de Champagne?
A região de Champagne é muito particular, com vinhedos e florestas lado a lado, mas nada no meio. Então, com a ajuda de associações, fizemos estudos em torno da biodiversidade, contando as diferentes espécies de aves, animais e insetos presentes. O que percebemos é que perdemos um pouco da riqueza da biodiversidade nos vinhedos; então, nosso objetivo agora é trazer essa diversidade de volta, plantando árvores e incentivando o retorno de diferentes espécies.
Quais são as medidas tomadas para regenerar o solo da região?
Estamos empregando a agroecologia como uma de nossas estratégias principais, incluindo o replantio de árvores e a reintrodução de insetos e vermes no intuito de rejuvenescer o solo. Adicionalmente, permitimos que ovelhas pastem nas vinhas durante o inverno. Atualmente, temos 100 hectares dedicados à agroecologia. Além disso, deixamos o solo descansar por alguns anos sem intervenção depois da retirada das videiras.
Vocês não usam mais herbicidas?
Não, removemos 100% dos herbicidas em 2020, dois anos antes do que havíamos planejado originalmente. Isso nos apresentou novos desafios, principalmente por causa das chuvas intensas que levaram ao crescimento excessivo de grama nos vinhedos. No entanto, acreditamos que esse é o caminho a seguir.
Vocês também têm um programa especial para as pessoas que trabalham na vinha. Como é isso?
Temos uma mistura de tudo: mulheres, homens, jovens e mais velhos. Nossa responsabilidade não se limita apenas ao meio ambiente, mas também às pessoas que trabalham nas vinhas. Temos o compromisso de lhes proporcionar boas condições de trabalho. E estamos ansiosos quanto ao futuro, tanto que introduzimos na vinha o trabalho com robôs.
Vocês já têm robôs trabalhando no solo?
Sim, temos. A utilização de robôs não é para substituir o trabalho humano, mas para ajudar as pessoas a trabalhar de forma mais fácil e segura na vinha, além de causar menos compactação ao solo.
E quantos produtores estão trabalhando para a Moët & Chandon?
Atualmente, temos 2.350 viticultores – isso pode ser famílias ou indivíduos – que fornecem suas produções para nós.
Você mencionou que a sustentabilidade e o programa Natura Nostra extrapolam os portões da maison. Poderia falar um pouco mais sobre isso?
Claro. O Natura Nostra é uma iniciativa de sustentabilidade que não se limita apenas ao nosso trabalho nas vinhas. Temos 1.200 hectares de vinhas, mas isso cobre apenas 25% de nossas necessidades de uvas.
Então, vocês precisam de fornecedores externos para suprir o restante?
Exatamente. E como somos líderes na produção de champanhe, temos a responsabilidade de mostrar o melhor caminho. Temos uma equipe de sete pessoas dedicadas a trabalhar com nossos viticultores para garantir a qualidade e a sustentabilidade. Não pedimos que eles sejam certificados para trabalhar conosco; em vez disso, nós os ajudamos no processo de certificação.
Você mencionou sua experiência anterior na Provence, no sul da França. Poderia falar um pouco sobre sua formação?
Sim, sou engenheira em gestão de qualidade e tenho formação em biologia. Na Provence, eu trabalhava com os produtores na Cooperativa Cella, focada em agricultura sustentável. Entendo o quão desafiador pode ser para eles, mas nós, da Moët & Chandon, estamos aqui para ajudar. E essa experiência foi muito importante para essa etapa da minha carreira.
Poderia nos contar um pouco sobre a história da Moët & Chandon em termos de práticas sustentáveis?
Certamente. Desde a crise da filoxera, temos um forte compromisso com a sustentabilidade. Raoul Chandon de Briailles ensinou a todos na região de Champagne a enxertar videiras gratuitamente. Isso é uma prova do nosso compromisso em ser responsáveis e ajudar a todos ao nosso redor.
E esse papel de liderança traz consigo uma responsabilidade significativa, certo?
Absolutamente. Todos estão observando o que fazemos. Portanto, temos de ser não apenas perfeitos, mas inspiradores.
Há mudanças na região devido ao aquecimento global? Quais são as ações tomadas a respeito?
Por décadas temos notado mudanças. A temperatura média anual em Champagne está aumentando, o que antecipa as colheitas para agosto, algo muito precoce no ano, e que vem se repetindo na última década. Além disso, o equilíbrio dos vinhos está diferente, a acidez não é a mesma. Em alguns vinhedos, vemos que a maturação ocorre, mas não da mesma forma que no passado. Isso afeta a quantidade de açúcar nas uvas em relação à acidez.
E quais são as soluções adotadas para esses problemas?
Na Moët & Chandon, não apenas monitoramos a maturação, a acidez e o teor de açúcar nas uvas, mas também o sabor. Também estamos preparados para lidar com novas doenças que surjam com o aquecimento global. Em 2017, enfrentamos uma condição muito particular com alta umidade e temperaturas tropicais. A partir daí, melhoramos a forma de separar as uvas e aumentamos a rastreabilidade desde os lotes até a vinícola. Agora, utilizamos QR Code para obter informações da vinha para a vinícola. E em nossos centros de prensa, temos uma máquina que, por meio de imagens, pode detectar a presença de Botrytis (um tipo de fungo) e quantificá-la.
Essa tecnologia é crucial para o manejo atual?
Sim, estamos mais preparados do que nunca. Durante a vindima na adega, realizamos uma série de análises para verificar a salubridade das uvas. Ser o maior para nós também é uma vantagem, pois temos um banco de dados muito seguro que nos permite fazer estatísticas robustas. A partir dessas análises, podemos entender como dirigir melhor a produção.
Quem é responsável por essas tecnologias?
Muitas pessoas estão envolvidas. Desde a criação do museu Fort Chabrol, e alguns anos depois, o primeiro laboratório de enologia, temos nos dedicado à ciência. Benoît Gouez, nosso mestre de adega, também é o diretor de qualidade. Ele é um forte técnico e sempre questiona por que fazemos as coisas de uma determinada maneira – sempre buscando provas. Ele não tem medo da tecnologia, e a vê como um serviço à qualidade, à vinha e à segurança das pessoas. E temos uma forte equipe de TI. Quando não encontramos no mercado o que precisamos, desenvolvemos nós mesmos.
É um desafio manter a excelência na produção de um vinho ícone por quase 300 anos. Como a Moët & Chandon consegue?
Isso se deve à nossa incessante dedicação à excelência, não apenas na qualidade do vinho, mas também na maneira como operamos. Temos uma responsabilidade com o futuro da vinha, com a segurança das pessoas que trabalham para nós, e com a história da nossa maison.
Ainda na área de sustentabilidade, sei que reduziram o peso das garrafas. Quais outras ações estão sendo tomadas nesse sentido?
Em termos de logística, paramos de usar via aérea para enviar os vinhos e agora os remetemos apenas por barcos. Estamos à procura de barcos sustentáveis e quanto ao desenvolvimento de embalagens, estamos removendo todos os plásticos. Além disso, na vinificação, diminuímos a quantidade de água utilizada por meio de técnicas eficientes.
Harmonização é um tema que sempre desperta interesse. Poderia nos dar uma dica de como harmonizar o champanhe?
O champanhe pode ser harmonizado com tudo, dependendo da dosagem e do amadurecimento. Em Moët & Chandon, temos nossas próprias duas espécies de levedura desde os anos 1980, e somos condutores de amadurecimento. O ideal é provar o champanhe primeiro e encontrar um prato que complemente suas características.
E, para harmonizar com um prato brasileiro, como a feijoada, por exemplo?
A feijoada tem uma sensação principal do defumado e do umami da carne de porco. Nesse caso, eu recomendaria um champanhe de amadurecimento mais longo para combinar com a complexidade do prato.
Em 2017, Benoît desafiou você e o chef residente a reformular a abordagem de harmonização de vinhos e comidas da Maison Moët & Chandon. Como foi essa experiência?
Foi uma jornada empolgante. Com a diversidade de vinhos que temos, a tarefa foi desafiadora, mas decidimos começar explicando cada champanhe e, em vez de fornecer apenas receitas, preferimos inspirar. Para cada champanhe, damos uma tabela de ingredientes que acreditamos harmonizar perfeitamente. Explicamos como cozinhá-los e por que os escolhemos. A ideia é estimular a criatividade para encontrar alternativas locais e não simplesmente reproduzir receitas.
Quais foram os princípios que guiaram essa filosofia de harmonização de alimentos?
Identificamos seis princípios. Primeiro, a salinidade. Preparar o prato com uma pitada de sal é essencial porque falta sal no champanhe. O sal completa os cinco sabores na boca e permite que o champanhe revele perfeitamente seu buquê e seus aromas. A precisão na culinária em segundo lugar. O champanhe é um vinho preciso e o sabor não pode se perder. Terceiro, respeitar a suculência dos ingredientes. Quarto, a simplicidade. Por trás da simplicidade, você precisa de precisão novamente. Quinto, a textura, que deve brincar com as bolhas. E, finalmente, em sexto, o diálogo que vai além da harmonização entre o vinho e o prato.
Você poderia dar um exemplo de como funciona esse diálogo entre o vinho e o prato?
Claro, podemos falar de ostras. Ostras são fáceis de combinar, mas e se acrescentássemos kiwi e um pouco de óleo de estragão? Teríamos algo completamente diferente que brincaria tanto com as ostras quanto com o champanhe.
Aproveitando o fato de que você gosta de cozinhar, como foi trabalhar na Moët & Chandon nessa área?
Sinceramente, gostei de trabalhar na Moët & Chandon, nessa área em particular. Ali, nos é permitido ser criativos e propor novas coisas. Realmente, acho que tenho um dos melhores empregos do mundo.
Se posso dar uma dica, prove nossa coxinha harmonizando-a com champanhe.
Mal posso esperar para provar a coxinha! E dialogando com um dos champanhes da Maison Moët & Chandon!