Flavio Saldanha e Roberto Barcellos, encontro de lendas
Como escolher carne de qualidade; selo de certificação; estresse pré-abate; e expectativas do consumidor foram alguns dos temas abordados pela dupla
Um dos encontros mais esperados do Brasa na Mesa Digital de 2020 rendeu uma conversa profunda sobre os rumos que está tomando a carne no Brasil; as necessidades e as expectativas do consumidor; e o que os produtores precisam ter para atingir a excelência. O consultor e especialista em inovação Flavio Saldanha se reuniu com o agrônomo e churrasqueiro Roberto Barcellos.
“Que prazer fazer parte desse evento ao lado de uma pessoa que admiro. Sempre quis fornecer carnes para os projetos nos quais o Saldanha estivesse envolvido”, diz Barcellos. E a recíproca é verdadeira, pois Saldanha garante que sempre foi fã do trabalho realizado pelo amigo.
Preferências dos consumidores
Agrônomo de formação, Barcellos diz que a carne bovina vem ganhando cada vez mais evidência e tem participado dos menus dos grandes chefs mundo afora. “No início da minha carreira profissional, há 25 anos, meu grande desafio era a produtividade. Como agrônomo, eu queria rentabilidade da atividade pecuária. Nos meus primeiros dez anos de profissão, com esse intuito, eu morava em fazenda, trabalhava com genética, nutrição, e buscava retorno econômico na atividade pecuária. Foi quando participei de um projeto de verticalização e fiz um estudo de marketing para entender o que o influenciava na tomada de decisões do consumidor”, diz.
Foi quando ele se deparou com o perfil do comprador churrasqueiro, que compra a carne por prazer, buscando nela características de marmoreio, sabor, suculência e maciez. “Nesse momento, eu me aproximei da gastronomia e passei a entender muito mais a zootecnia. As minhas métricas, enquanto trabalhava em fazenda, eram sobre ganho de peso, conversão alimentar, rendimento de carcaça e, pela primeira vez, eu me vi envolvido com um público preocupado com características completamente distintas das métricas de produtividade. Passei a perceber que o animal mais eficiente em uma fazenda nem sempre, ou quase nunca, seria aquele que produzia a melhor carne”, afirma Barcellos. Ele diz que, hoje, produz aquilo que o consumidor quer e não o que dá lucro na fazenda.

Além das grandes indústrias
Já Saldanha conta que começou em frigorífico por causa da família. “Meu avô e meu bisavô eram açougueiros e meu pai ficava na cidade de Rio Grande e só falava inglês, porque estava sempre ali no Porto. Foi quando chegou a Swift por lá, uma empresa americana, que precisava de um cara que entendesse de carne e falasse inglês. Acho que meu pai era o único na cidade. E eu o acompanhei desde os 8 anos, porque eu era muito bagunceiro e ficava de castigo no frigorífico”, diz.
“Sempre quis entregar para o consumidor o que ele queria, mas para isso eu precisava entender o que era isso. Trabalhei com marketing, conhecimento, consumidor e, em 2008, resolvi voltar para a área de açougue. Foi quando me dei conta de que havia carnes para além das grandes indústrias e pela leitura que fiz do meu consumidor, ele queria algo de qualidade, pois já entendia de marmoreio, pedia prime rib, bife ancho, chorizo e comecei a viajar mais e a entender do assunto, para entregar o melhor”, afirma Saldanha, que acabou criando uma empresa de inovação e tendências, que é com que trabalha até hoje.
Bem-estar animal
Outro tópico analisado por eles foi a escolha da carne nas gôndolas dos supermercados. “Temos de levar em conta maciez, sabor, suculência e cada característica dessas tem um fundamento. Carne macia precisa ser de um animal jovem ou que tenha passado por um processo de maturação. Falando de sabor e suculência, penso em gordura e em marmoreio, que é a gordura entremeada nas fibras musculares da carne. Mas como identificar isso? A coloração da carne mostra um pouco da idade, o marmoreio mostra a genética do animal. Na hora de escolher a carne, opte pelas embaladas a vácuo, de coloração vermelho-cereja, não uma muito escura. Uma carne de qualidade é fruto de um animal que não teve estresse pré-abate. E que foi feliz durante a sua vida”, afirma Barcellos.
Saldanha diz que o que o consumidor quer é sentir segurança para comprar a carne. “Aquela imagem do açougueiro bruto, sujo de sangue, que não respeita o animal e mete medo ficou para trás. Sou açougueiro a minha vida inteira e digo que há um trabalho muito sério realizado até a carne chegar às gôndolas dos supermercados, mas é preciso ficar atento às dicas.”
Sem estresse
Eles explicam que os animais, no momento do embarque para o frigorífico, podem sofrer um processo de estresse, que consome o açúcar dos músculos, chamado glicogênio. “Esse açúcar é transformado em ácido láctico durante o processo de maturação sanitária e o pH da carne tende a cair. Se é abatido com baixos níveis desse açúcar, não há transformação em ácido láctico e o pH da carne muito alto acarreta um problema bioquímico e ela fica seca, firme e dura. As carnes com cor de goiabada nas gôndolas dos supermercados, com certeza, passaram por esse problema bioquímico e estragarão sua refeição”, diz Barcellos. “Essas carnes terão gosto de ferro, amargor pronunciado decorrente de um processo errado”, afirma Saldanha.
Mas, para a felicidade dos consumidores, os açougueiros dizem que estamos diante de uma nova pecuária e que, ao longo dos últimos anos, surgiram novas marcas de carne, que respeitam o animal, prezam pela qualidade e estão comprometidas com o cliente. “As pessoas estão mais exigentes, querem produtos melhores, sustentáveis, que não agridam o planeta e que tragam benefícios para a saúde. As marcas atuais estão buscando uma comunicação forte com esse perfil de cliente”, diz Barcellos.
Cortes da Wessel
A dupla contou com cortes incríveis da Wessel durante o bate-papo e rasgou elogios, além de explicar como diferenciar alguns, como o prime rib e o tomahawk. Ambos são do filé da costela, mas o de osso menor é o prime rib e o maior, o tomahawk. “É um corte que tem um rib eye largo, que mostra que o animal tem uma musculosidade e uma conformação muito bacana, com pontinhos de marmoreio. Essa é a grande certeza que temos na hora de escolher a carne. A proporção de carne, gordura e osso, na medida, mostra que vai entregar sabor, suculência e maciez. Esse tipo de produto não existia no Brasil há cinco anos”, afirma Barcellos.
Segundo eles, cada vez mais as marcas terão de oferecer um bom produto, que resulte em maciez, sabor e suculência, no prato; mas, além disso, elas terão de mostrar o que fazem em relação ao meio ambiente, à sustentabilidade, contando sua história, com o foco na qualidade.
O certificado de origem e rastreabilidade vai fazer mais sentido para qualquer marca de carne. “Algumas empresas trabalham certificação de origem, mas esquecem a qualidade e outras investem em qualidade, e não trazem as informações necessárias de rastreabilidade. O que enxergo pós-Covid é que a rastreabilidade e o certificado de origem vão fazer sentido para qualquer marca, desde que essa entrega seja feita com um produto de alta qualidade. Hoje, eu não consigo identificar um produto que atinge selo de qualidade com certificação de origem. Ou vai tudo para um lado ou para o outro”, diz Barcellos, finalizando.
Confira o bate-papo completo no Mesa Hub: