Mesa Tendências discute o futuro da alimentação
Estreia do evento contou com nomes como Andoni Aduriz, Jaime Rodríguez e Janaina e Jefferson Rueda
O Mesa Tendências contou com grandes nomes da gastronomia mundial discutindo qual será a alimentação de nossos filhos e netos. A primeira palestra foi com Carlo Petrini, fundador do Slow Food, chamou produtores baianos ao palco para anunciar que a Bahia vai sediar o Terra Madre em 2020.
A vegana Ale Luglio, da Sociedade Vegetariana Brasileira, avisou que faria uma palestra disruptiva – e cumpriu a promessa. Munida de números e pesquisas recentes, ela foi categórica ao afirmar que o meio ambiente não vai se regenerar se não mudarmos a forma de pensar a comida. E essa transformação, concluiu, passa necessariamente pelo fim do consumo de carne e pela valorização dos produtos locais. “Menos kiwi e mais cajuí!”, disse, referindo-se ao pouco conhecido cajuzinho-do-cerrado.
Os hambúrgueres de origem vegetal que simulam carne são apenas o começo de uma grande revolução na indústria da alimentação – ela já começou e vai mudar radicalmente nosso jeito de comer em algumas décadas. Esse foi o tema da palestra de Bruce Friederich e Gustavo Guadagnini, do The Good Food Institute, na primeira manhã do #mesatendencias. Carnes cultivadas a partir de células animais, dizem a dupla, serão realidade logo logo.
O americano Matthew Kenney subiu ao palco do #mesatendências para discutir sobre alimentação plant-based, em que as plantas são as protagonistas. Com diversos restaurantes espalhados pelo mundo, incluindo o PlantMade, inaugurado recentemente em São Paulo, o chef conta que 80% da clientela não é vegana. “Quando comecei, nunca imaginei que isso seria possível. Estamos vivenciando uma nova forma de comer”, diz.
Carolina Barreto, especialista em cafés da @escolha_tres, fala sobre como as origens do café podem interferir muito no aroma e no sabor da bebida. Além disso, apresenta duas novidades da marca, de origens distintas: Sumatra e Tanzânia. “O café de Sumatra vem de uma região vulcânica e isso é decisivo no paladar, com perfil sensorial amadeirado e uma nota rara de especiarias”, diz ela. Para completar a dupla, o café da Tanzânia vem de altas altitudes, resultando em uma bebida de acidez marcante, com notas de frutas vermelhas e doçura que lembra chocolate.
Ivan Achcar, da Egg, apresenta as tendências no consumo e seus impactos sobre a gastronomia, com base em extensa pesquisa realizada com empresários e clientes de todo Brasil. Os dados apontam que os consumidores têm feito mudanças significativas em sua forma de se alimentar, com oportunidades para o empresário. “As pessoas estão mudando os hábitos e o jeito de comer. Quase metade dos clientes entrevistados afirmaram que mudaram alguma coisa em sua alimentação nos últimos 12 meses”, diz Ivan. Por exemplo, passaram a inserir mais produtos orgânicos e funcionais em sua alimentação.
O chef e apresentador alagoano Guga Rocha apresenta o seu envolvimento com a comunidade quilombola de Ivaporunduva, no Vale do Ribeira, no sul do estado de São Paulo, em sua palestra no Tendências. “Tem um fulano aí, não lembro bem quem, que falou que quilombola não trabalha. Não lembro bem quem foi… A comunidade de Ivaporunduva é simplesmente a maior produtora de banana orgânica do estado de São Paulo”. Ao palco, chamou Ditão, um dos líderes da comunidade, para explicar as práticas de cultivo que desenvolvem no Vale do Ribeira há 300 anos, como o cultivo “coivara”, agricultura itinerante que intercala poucos anos de plantação com muitos anos de repouso. Pesquisadores que defendem a prática argumentam que ela ajuda na preservação de ecossistemas; há, porém, críticas sobre seu potencial de esgotar o solo. Guga recentemente gravou um documentário sobre a cozinha e a dinâmica social de Ivaporunduva que será transmitida na BBC internacional no ano que vem. “A cultura culinária brasileira é muito jovem, e a gente tem que agradecer aos quilombos pela sua existência. As Pancs, por exemplo, vieram dessas comunidades. Os portugueses comiam apenas as ervas europeias. Porque eram as que nasciam depois do inverno. Aqui, nós temos uma abundância enorme – por que comer uma amora se eu tenho jaca o ano inteiro? O arroz, que você come todo dia, existe no Brasil porque foi trazido pelos escravos africanos no cabelo. Eles implantaram esse cultivo pelo território brasileiro inteiro”, afirma Guga Rocha.
A chef e escritora Alana Rox – que em breve lançará seu novo livro, “Diário de uma Vegana 2 – O Despertar” -, subiu ao palco duas vezes hoje. A primeira no Mesa Tendências, onde contou que desde que nasceu não comia carne. Rejeitava as papinhas e passava mal quando criança. Vegana há 16 anos ela diz que não entende como pode se alimentar de morte e sofrimento e que suas escolhas lhe proporcionam uma qualidade de vida infinitamente melhor. Na segunda vez, ensinou a fazer uma tortinha plant-based de queijo de painço. Usando o grão descascado e castanha de caju como base, a autora explicou que a receita, além de low carb, também é proteica. “Penso em receitas para satisfazer as nossas vontades, mas que sejam 100% benéficas para a saúde”, diz ela. “Alimentação é uma escolha diária que pode te matar ou te curar”, defende.
Jaime Rodriguez subiu ao palco do #mesatendencias para apresentar o Proyecto Caribe Lab. Há cerca de dois anos, ele junto com seu sócio decidiram largarem seus empregos e foram investigar os insumos da Caribe colombiano. O projeto deu tão certo que no ano passado, eles abriram o Celele, um restaurante em Cartagena, onde apresentam a cozinha contemporâneo do Caribe colombiano.
No Mesa Tendências o chef americano radicado no Brasil, Duaine Clements, mostrou o trabalho de utilização dos ingredientes cultivados na serra capixaba, onde fica o restaurante Quinta dos Manacás, e a preocupação com a sustentabilidade. “É um impacto para o futuro, somos os guardiões da natureza “, diz.
Sushiman do ano pelo prêmio Melhores do Ano Prazeres da Mesa em 2018 e 2019, André Saburó não teve muito por onde fugir. “Meu avô, de Nagasaki, era da marinha japonesa e depois passou a trabalhar em navios de pesca. A minha avó chegou a Brasil e depois de trabalhar em Cambará do Sul na colheita de café, foi para Recife trabalhar com a pesca de atum. A minha família materna trabalhava, no Japão, com facas de cozinha. E ainda por cima me casei com uma engenheira de pesca. Eu ia fazer o quê, ser youtuber?”, brinca o chef no palco do Tendências. Saburó subiu ao palco para apresentar o conjunto de princípios de aproveitamento total do pescado, o Ficapeixe (batizado segundo uma gíria de Recife que significa “relaxe”, mas que pode ser entoada como um pedido como clamor pela saúde dos oceanos). No final de 2018, Saburó conheceu César Calzavara, do aplicativo FishTag. O aplicativo registra a procedência, o trajeto e a temperatura dos pescados desde o cais até a mesa do restaurante. É a rastreabilidade levada a sério. Saburó também apresentou suas pesquisas mais recentes com o manejo de pescado. No ano passado, viajou ao Japão para estagiar na peixaria do Sr. Maeda, em Shizuoka. Lá, testemunhou a sensibilidade de Maeda-san, que era capaz de, pelo toque, determinar se um peixe era líder ou lanterninha do cardume. “O líder tem uma curvatura na barriga maior, porque come mais. Quem fica pra traz fica doidinho pra comer, e acaba mais magro, com a barriga ‘triangular'”, relata o chef.
“A fome de hoje não é só matar a vontade do corpo, é ter senso de liberdade para criar uma cozinha, uma gastronomia de verdade, e quebrar as fronteiras da desigualdade”. Foram essas as palavras do chef Jefferson Rueda ao iniciar a participação no #mesatendencias com Janaina Rueda. Juntos o casal toca quatro casas no centro de São Paulo: a Casa do Porco, melhor restaurante brasileiro em 2019, o Bar da Dona Onça, o Hot Pork e a Sorveteria do Centro. “Apresentei a cozinha para a Janaína e ela me apresentou o centro”, diz o chef.
“A partir do momento que tivemos abundância de comida, nossa alimentação ficou mais pobre. Isso porque passamos a comer só o peito do frango ao invés de todas as partes, como pé. Ao invés de lixo, precisamos pensar em tudo como possibilidade”, disse Andoni Aduriz, chef do Mugaritz, da Espanha. Ele encerrou o primeiro dia de #mesatendencias