Mistura que deu certo
Fernanda Kurebayashi trocou a vida no mercado financeiro, em São Paulo, para produzir suas geleias em Gonçalves, no sul de Minas Gerais
A simpática casa cor de abóbora e janelas azuis, no município pitoresco de Gonçalves, pode até parecer uma casa comum, encravada nas montanhas da Serra da Mantiqueira, no Sul de Minas Gerais, mas não é. Logo na entrada, o sino ao lado da porta traz em si o aviso de que é preciso tocá-lo para entrar em um mundo que mistura culinária e magia traduzido em deliciosas geleias.
Por Iara Siqueira
Isso porque é ali que vira e mexe experimentos inusitados acontecem. O cheiro das especiarias, pode ser sentido de longe, após trespassar lentamente as janelas de madeira. Os tachos fartos de guloseimas e caldas saindo fumaça, parecem verdadeiras poções mágicas.
Dentro de cada potinho, estão geleias (à base de maçã) de todos os sabores e tamanhos que se possa imaginar. São mais de 100 produtos, divididos entre antepastos, chutneys, conservas, molhos barbecues, óleos aromatizados e sais temperados.
Sendo que três ingredientes são fundamentais em toda receita: “persistência, persistência e persistência”, explica a paulista Fernanda Kurebayashi, que trocou a cidade grande pelo interior em 2001. Além de, claro, muita criatividade.

São exemplos a geleia de pimenta com alecrim – a primeira “invenção” dela. Ou ainda de pimenta com abacaxi, que é uma das mais pedidas. Já provou uma geleia de chocolate, feita de puro cacau? Estas são apenas algumas entre tantas outras, como: café, tangerina, rosa, pimentão, vinho Malbec (sugerida para acompanhar assados) e mesmo cebola. E que tal, levar um antepasto de jiló ou um barbecue de cerveja?
Não poderia faltar é claro, a geleia de cachaça, afinal estamos em terra mineira. Esta geleia é feita da bebida retirada diretamente do alambique e, no paladar, confere um sabor adocicado à linguiça ou ao torresmo.
Especiaria do velho mundo
De origem europeia, as geleias “não tradicionais”, renderem à cidade o título de Terra das geleias exóticas. Engana-se, portanto, quem pensa que misturar os alimentos pode não ser uma boa ideia. A geleia de alfazema, ou a de capim-santo com limão provam o contrário. “Tudo que é feito à base de chá fica bom com geleia”, conta Fernanda.
No saboroso estabelecimento, está a prova de que o quitute não é feito apenas de morango ou para se comer no pão ou torrada, como antigamente. A geleia é um condimento usado em pratos elaborados. O limite está apenas na criatividade e no bolso do consumidor, já que para os paladares mais exigentes há até geleia de champanhe com flocos de ouro. Mas, no geral, os preços variam entre 22 e 26 reais.
Dos números às panelas
Formada em língua e literatura portuguesa, além de ser gestora ambiental. Fernanda, divide sua rotina entre conversar com fornecedores, clientes, responder e-mails, atender telefone e “embalar aromas e sabores em potes, além de fabricar sonhos”.

Inquieta, ainda trabalhava no mercado financeiro, quando começou a questionar o motivo de não encontrar uma geleia de pimenta “realmente picante” nas prateleiras do supermercado. A conclusão foi de que “as tradicionais eram muito doces, porque ninguém havia fugido das receitas tradicionais”, conta. Foi aí que a empresária resolveu “dar o primeiro passo, mesmo sem ter feito nenhum tipo de geleia na vida”, diz.
A primeira tentativa para buscar o que procurava, ocorreu quando Fernanda viajou para Gonçalves para se distrair e cozinhar para os amigos. Isso porque foi quando ela arriscou novas receitas e, em uma dessas invenções, resolveu misturar pimenta e gengibre. A novidade agradou. Então, o passo seguinte era trocar São Paulo pela cidade mineira de, aproximadamente, 5.000 habitantes.
Ainda intrigada sobre as geleias tradicionais, a empresária recorreu a livros sobre o assunto. Lá estava envolvida com culinária para aprender o quitute que tanto procurava. Com a ajuda de uma amiga, Fernanda iniciou um estudo minucioso sobre geleias. “Sempre tive essa coisa de pesquisar, gosto de saber o que estou fazendo. Não fosse isso, estaria até hoje com uma meia dúzia de coisas”, diz ela que produz, mensalmente, 3.000 potes de suas iguarias.
Pesquisa aqui e acolá. Experimentos e testes para ver se o ingrediente vai bem na receita. “Fazia uma geleia e dava certo, mas quando ia fazer de novo, dava tudo errado. Joguei muitos potes fora, mas nunca desisti”. Lembra-se do que ela disse no começo da reportagem sobre persistência?
A descoberta da receita ideal
Em meio a inúmeras tentativas, enfim ela e a amiga descobriram o ponto e o tempero certos. A primeira criação foi a geleia de pimenta com alecrim, agora sim “realmente picante”, afirma Fernanda. Vale lembrar que ao mesmo tempo em que as geleias são picantes, elas têm sabor adocicado.
A casa cor de abóbora ganhou nome. Foi batizada de A Senhora das Especiarias, inspirada no livro indiano que conta a história de uma sacerdotisa que dedicou sua vida a ajudar as pessoas por meio de manjares que curam. A diferença das geleias de Fernanda é que elas não prometem curar, mas sim, encantar.
Por lá só não pode ter pressa, afinal as frutas demoram até 3 horas para cozinhar. Enquanto as mãos habilidosas da cozinheira mexem as caldas coloridas, que são derramadas dentro dos potes ainda quentes e, como em um passe de mágica se solidificam. Potes fechados, as geleias podem ser consumidas em até um ano – se o cliente resistir por tanto tempo. Sem perder a linguagem do mercado financeiro, Fernanda chama o feito de “visão de oportunidade”.
Ficou com água na boca? Por enquanto o jeito para experimentar essas delícias é somente via pedidos on-line, visto que a prefeitura restringiu a entrada de turistas à cidade, por causa da Covid-19.
