Muito além da França
O mundo demorou para descobrir que existiam vinhos de qualidade fora do território francês. Hoje, graças às redes sociais, as informações chegam imediatamente ao consumidor
Quanto mais consumo vinhos seriamente maduros da Califórnia e da Austrália, feitos na metade do século XX, mais espantada fico com a demora para que os apreciadores de vinho no mundo percebam que a Europa não tem o monopólio na produção de vinhos finos. Isso se mostrou especialmente óbvio em rótulos como o 1942 Mount Pleasant ’TY Hermitage, de Maurice O’Shea, tão abnegadamente trazido para um jantar recentemente em Adelaide Hills, na casa de Croser, pelo Master of Wine Michael Hill Smith. O mesmo encantamento aconteceu com uma série dos grandes vinhos australianos da metade do século XX que o falecido Len Evans fez questão de me fazer provar em minhas muitas visitas à Austrália e, especificamente, em uma degustação memorável para a imprensa de Londres, em 1990 (que, na época, não se chamava mídia), momento em que ele suspeitava que o vinho australiano pudesse começar a perder o brilho no mercado britânico.
Na mesma época, em meados do século XX, a Califórnia já estava dando provas de quão grande seus vinhos poderiam ser. O 1964 Inglenook, o 1960 Beaulieu Georges de Latour Private Reserve e o 1965 Charles Krug são exemplos que provei mais recentemente, isso sem falar nos outros 17 Cabernet da Califórnia dos anos 1970, que constam da base de dados de notas de degustação em JancisRobinson.com, para os quais atribui uma nota superior a 18.
Mais tarde, tivemos uma enorme e deliciosa surpresa com o GS Cabernet 1966 que o comerciante de vinhos sul-africano Roland Peens teve a gentileza de compartilhar conosco em um almoço no emblemático Test Kitchen, de Cape Town, um par de anos atrás. Depois de provar essa maravilha (aparentemente um par digno de um Ch Margaux 1966), como alguém poderia duvidar do potencial das vinhas de Cape Town, que foram plantadas havia mais de três séculos?
Este foi o ano do quadragésimo aniversário da degustação chamada Judgement of Paris, que é considerada como um turning point na reputação dos vinhos da Califórnia. Steven Spurrier pontuou alguns dos melhores vinhos da Califórnia contra os melhores da França e convidou os mais famosos degustadores franceses para fazer comparações às cegas. Os resultados foram inequívocos em prol dos vinhos californianos. No entanto, foram necessários muitos meses até eles serem introduzidos no mercado e anos (de várias tentativas) antes de se aceitar amplamente que a Califórnia poderia produzir vinhos verdadeiramente bons. Isso aconteceu somente graças à decisão de última hora de Spurrier e sua equipe de convidar um jornalista amante de vinhos para esse evento seminal sobre o qual ninguém falou. (George M Taber acabou escrevendo um excelente livro sobre tudo isso, cujo título é The Judgment of Paris.)
“Os consumidores de vinho de hoje parecem predispostos a procurar o novo e o incomum. Daí a popularidade dos vários relatórios dos sommeliers dos evinhos unicórnios’”
Imagine o que teria acontecido se a degustação de Paris acontecesse hoje. Fotografias das garrafas vencedoras seriam postadas no Instagram e no Vivino antes mesmo de o espaço do evento ser arrumado. #JudgmentofParis seria um trending topic no Twitter em um segundo, e seus resultados seriam transmitidos imediatamente para os amantes do vinho por todo o planeta.
Atualmente, se um aficionado da bebida deparar com um exemplar impressionante de uma região anteriormente desconhecida, seus seguidores saberão disso quase instantaneamente. Uma das fontes mais inesperadas de vinhos inovadores que apareceu para mim foi a região de Yunnan, no sul da China, na fronteira com o Tibet. Enquanto escrevo, a LVMH ainda não lançou oficialmente o seu intenso Ao Yun Cabernet, produzido nos vinhedos dessa montanha. Mas pode até ser que LVMH não julgue necessário fazer um lançamento oficial: o mundo já está a par dessa novidade graças à grande variedade de fotos, notas de degustação e impressões postadas por mim e por outros visitantes sobre esse canto improvável do mundo do vinho.
Quem iria imaginar que o Cazaquistão poderia ser uma área de vinhos interessante? Quando editei a primeira edição de The Oxford Companion to Wine, publicada em 1994, com muito esforço tive de encontrar qualquer fonte de informação sobre o estado da viticultura e da enologia nas repúblicas da Ásia Central. Porém, há poucos meses, uma série de vinhos cazaques foi lançada no Reino Unido e JancisRobinson.com orgulhosamente apresentou notas de degustação em seu banco de dados sobre seis desses vinhos, todos eles produzidos pela Vinícola Arba.
Quanto a Mianmar, vocês não imaginam quantos amigos meus, de volta de suas viagens pioneiras pela região, contaram-me sobre os vinhos desse país, antigamente chamado Birmânia. Por acaso, sobrou algum segredo no mundo do vinho?
Mas, talvez, a diferença agora não seja apenas o fato de que podemos viajar para qualquer lugar do mundo, aliado à facilidade com que todos nós nos comunicamos e transmitimos nossas descobertas. A grande diferença, hoje, consiste em nossa abertura de espírito. Está provado que não há vacas sagradas no mundo do vinho, e que ele é muito maior do que a França. Graças a essa nova mentalidade, estamos preparados para receber uma gama muito mais ampla de vinhos finos em nossa consciência e em nosso paladar.
Eu mesma posto fotos das garrafas mais inesperadas que descubro: um Chenin Blanc Beerenauslese alemão, de Stigler, em Baden, por exemplo, ou um Vernaccia, envelhecido subterraneamente no oeste da Sardenha, que tinha sabor de um Sherry Oloroso, com notas gloriosas de nozes.
Uma das perguntas que me fazem com mais frequência é “Onde estará a próxima região vinícola?”. Os consumidores de vinho de hoje parecem predispostos a procurar o novo e o incomum. Daí a popularidade dos vários relatórios dos sommeliers dos “vinhos unicórnios”, descobertas particularmente incomuns, originárias principalmente das regiões declaradamente estabelecidas, cujos estoques são especialmente escassos.
Sem contar as inúmeras regiões da Itália e da Grécia que ainda estou para visitar, mas que são quase inexploradas pelas pessoas. Tenho uma lista (muito curta) de regiões vinícolas que ainda não visitei. Gostaria de acreditar, com base no que já li e provei, que as regiões seguintes têm um potencial interessante: a Baja California, no noroeste do México; o extremo sul do Chile, que tem uma região vinícola em desenvolvimento; a Bolívia e o Peru, que podem vir a fazer barulho no mundo do vinho, desde que as áreas certas sejam cultivadas. Além disso, há todo tipo de cantos da África do Sul que foram plantados recentemente com vinhas, muitas vezes com uma única vinícola ou vinhedos pioneiros, insinuando que a África do Sul poderia eventualmente, com o passar do tempo, tornar-se uma região de vinhos emocionantes. E o que dizer sobre o potencial indubitável da Crimeia, como demonstrado tão eloquentemente no século XIX? Para lá, só vou quando o Putin e a Ucrânia tiverem entrado em acordo.
Você pode ter a certeza de que sempre que eu chegar a esses lugares remotos e ignorados da vinha, não vou demorar anos para contar meu entusiasmo com uma garrafa que encontrar por lá.
(O último lançamento da Jancis, o livro The 24-Hour Wine Expert – publicado pela editora Abrams, nos Estados Unidos, e pela editora Penguin nos demais países, em diversas línguas – é destinado àqueles que gostam de beber vinho e querem ir rapidamente ao essencial).
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