Nascida para brilhar
Por Marta Barbosa Stephens
Fotos Carol Gherardi

A vida de chef pâtissier de restaurante não é fácil. Ainda mais se diante da fachada reluzir o nome de algum gigante da gastronomia, tipo Alex Atala ou Jefferson Rueda. Se tudo der certo – e isso significa imprimir personalidade sem destoar do que caracteriza o chef (e todo o resto do menu), o que não é pouco – ainda assim, os louros provavelmente recairão sobre o patrão. Mas há exceções. Uma delas chama-se Saiko Izawa, um dos motivos fortes para ir ao Attimo, em São Paulo. E uma vez lá, jamais pular a sobremesa. “Tem gente que esconde, mas eu sou o contrário: tenho o maior orgulho de dizer que conto com uma chef confeiteira”, diz Jefferson, o chefe de Saiko. “Aliás, agradeço a Deus ter dinheiro para pagar pelo trabalho dela.”
Jefferson não exagera. A atuação de Saiko tem sido irrepreensível, e não é de hoje. De dona de casa a uma das finalistas no Prêmio PRAZERES DA MESA, na categoria Chef Pâtissier, foram muitas horas de batente, determinação e precisão de samurai. Sua marca: o uso de pouco açúcar, típico dos preparos japoneses, aliado à técnica e à delicadeza das melhores escolas francesas. Em seu preparo mais famoso do cardápio do Attimo, ela junta pudim, caramelo e algodão-doce e deixa tudo equilibrado (esta e outras receitas você confere a seguir). “Ela usa do princípio de que sabores muito fortes se realçam na medida certa, anulando o exagero”, diz Jefferson, antes de dar sua explicação para o sucesso da colega. “Quem nasceu para brilhar, brilha.”
Já Saiko explica sua trajetória usando a palavra perfeccionismo. “Um bom confeiteiro precisa insistir, não desistir e conhecer muito bem seus ingredientes”, diz. “Se trabalha em um restaurante de cozinha autoral como eu, tem de ser criativo, não se acomodar com a mesmice, mas nunca viajar demais a ponto de discordar do chef.” Fácil?
Mas nada desse briefing profissional acima fará sentido se o profissional não tiver o que Saiko considera o mais importante de tudo. “Alimentar é um ato de amor”, diz. O amor pela comida e pelo manuseio de ingredientes, esse ela tem desde muito criança, quando ainda morava com os pais em Shizuoka, região central do Japão. Ali tinha sua hortinha e se divertia exercitando as receitas dos velhos cadernos de família. “Cresci em um local reconhecido pela produção de chá e pela água, uma das mais puras do mundo”, afirma.
Aos 15 anos, por decisão profissional do pai, ela veio para o Brasil, mais precisamente para Londrina, no Paraná. Aos 19, mudou-se para São Paulo pensando em fazer faculdade, mas com o casamento e a chegada dos dois filhos, os planos mudaram. “Na época, o país não tinha quase nenhum controle de uso de conservantes químicos nos alimentos, então decidi fabricar tudo o que meus filhos comiam.”
Tudo mesmo: Saiko fazia pães, massas, biscoitos, doces… É ou não é uma prova de amor? E como tudo que é feito assim com o coração, era tão saboroso que quem provava, não resistia. Um amigo indicou aqui, outro recomendou dali e logo ela estava com uma míni-boulangerie em casa, à moda do Japão. Por cinco anos, forneceu pães e doces principalmente a japoneses com residência temporária no Brasil, a exemplo dos funcionários da diplomacia. Trabalhava sozinha e atendia cerca de 100 famílias. Mas as mãos doíam, ela mal conseguia dormir para dar conta das encomendas. “Foi quando pensei em uma forma de continuar fazendo aquilo que amava tanto, com mais profissionalismo”, diz.
Saiko interrompeu os negócios e foi estudar. Primeiro, fez um módulo do curso da Le Cordon Bleu, em Tóquio. Depois continuou em Paris, onde chegou a trabalhar na escola. De volta ao Brasil, teve a ajuda da amiga Suzana Murakami, primeira-dama do paulistano Kinoshita, para entender o mercado brasileiro. Entre os conselhos: levar o currículo ao D.O.M. E uma semana depois de Saiko deixar seu histórico profissional impresso em A4 na porta do restaurante de Alex Atala, uma ligação mudou de vez sua vida.
A experiência com o mais famoso chef brasileiro foi decisiva. “Foi um período de conquistas fantásticas, com muitos desafios, como o Jantar do Século (que integrou a programação da Semana Mesa SP de 2008) e a inauguração do Dalva e Dito”, afirma. Depois do D.O.M., onde passou dois anos e meio, teve uma curta experiência com Jefferson Rueda no Pomodori, pouco antes da saída explosiva do chef. “Quando fechamos a sociedade para a abertura do Attimo, ele me disse de cara que a vaga de chef confeiteira estava resolvida”, diz Marcelo Fernandes, um dos donos do Attimo e fã confesso dos pães de Saiko. “Concordei na hora.” E ai se não tivesse concordado.