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NEGÓCIOS EM FAMÍLIA

Até que ponto podemos afirmar que as empresas familiares pensam a longo prazo, enquanto as empresas de propriedade pública se concentram no agora?

Há não muito tempo o vinho tinha muito menos status social do que hoje, e uma carreira no vinho era vista como um grau ou dois abaixo das profissões tradicionais ou nas finanças. Hoje em dia, principalmente no meu papel entregando diplomas do Wine & Spirit Education Trust, tenho visto uma tropa significativa de pessoas deixando empregos bem pagos para perseguir o sonho de uma carreira no mundo dos vinhos. Um dos efeitos colaterais mais agradáveis da moda atual em torno do mundo dos vinhos é a maior probabilidade de os filhos dos produtores de vinhos quererem assumir os negócios da família, muito mais expressivamente do que na geração anterior.

Na verdade, o business do mundo dos vinhos é normalmente dirigido por famílias. Tantas áreas do comércio são dominadas por um punhado de empresas gigantescas que simplesmente ficam cada vez maiores (cervejas e destilados, por exemplo), mas o vinho conseguiu resistir a esse tipo de aglomeração. A Austrália, um país produtor de vinhos que há muito tempo adotou a eficiência acima de tudo, é uma exceção a essa regra. Dois grandes grupos, Treasury Wine Estates centralizado em Penfolds e Accolade com foco em Hardys, cresceram de tal forma que os produtores familiares de vinho da Austrália têm de trabalhar duro, não tanto para produzir um bom vinho, mas sim para encontrar um mercado para eles.

Nos Estados Unidos, onde tudo é excessivamente regulamentado, existe um problema semelhante com o maior distribuidor de vinhos deles, o Southern Glazer. Ele é tão dominante que fica difícil para os pequenos produtores familiares encontrar espaço para seus vinhos nas prateleiras de varejo. Essa realidade acabou por impulsionar as vendas diretas, por meio de listas de mailing e sites, em que se mostram muito mais lucrativas, apesar da dificuldade em enviar vinhos para determinados estados do país. Mas, em termos bem gerais, as empresas multinacionais não são uma questão importante na produção e comercialização de vinhos. Em vez disso, há várias dinastias que estão prosperando muito mais do que na maioria dos setores de comércio.

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Outro dia fui a um debate organizado pela Distillers Company, uma das antigas associações comerciais da City of London que opera em uma esfera muito dominada por grandes empresas. Lá, a moção era “esta casa acredita que as empresas familiares pensam a longo prazo, enquanto as empresas de propriedade pública se concentram no agora”.

Embora a maioria das presentes nesse debate fizesse, em princípio, parte do ramo de bebidas destiladas, a moção foi proposta por Lizzy Rudd, presidente da empresa de vinhos Berry Bros & Rudd, e contestada por Colin Gordon, ex-IDV, antigo nome do setor de destilados da multinacional Diageo. Lizzy Rudd destacou que, enquanto o tempo médio de permanência no cargo de CEO em empresas públicas é de quatro a seis anos, nas empresas familiares esse tempo é de 25 a 28 anos. Atenção! Em princípio isso não é necessariamente uma vantagem. O pai de Lizz, John Rudd, está na diretoria da Berry há 72 anos, e há rumores de que ele faz questão de manter o controle do negócio, mesmo aos 92 anos de idade…

Porém, a longevidade e as relações pessoais têm suas vantagens. Ela ressaltou que a Berry tem trabalhado com alguns domaines da Borgonha há 35 anos. Presume-se que seria difícil uma empresa pública manter tal lealdade.

Colin Gordon argumentou que as empresas públicas poderiam ter um portfólio mais amplo do que as empresas familiares para se proteger contra os caprichos dos modismos (quem poderia imaginar, por exemplo, que, de uma hora para outra, o gim ficaria tão na moda?). Ele lembrou também que as empresas públicas tendem a ser muito mais distribuídas geograficamente, o que as protege contra as crises locais, além de normalmente terem um acesso invejável a recursos financeiros e a capacidade em pesquisa e desenvolvimento.

Ele nos lembrou que o IDV foi criado basicamente para afastar uma aquisição hostil (uma gênese comum das empresas públicas) e estava visivelmente orgulhoso de todos os produtos que a empresa criou na década de 1980, época do apogeu inovador da empresa: Bailey’s Irish Cream (“a marca mais bem-sucedida fabricada por nossa empresa”), Malibu e Piat d’Or (a marca de vinhos de mesa que, em sua campanha publicitária, assegurou-nos de forma memorável, mas equivocada, “os franceses adoram”).

Uma votação antes do debate mostrou claramente que a maioria era a favor das empresas familiares, e o mesmo aconteceu na votação ao final do debate, ainda que a margem tivesse diminuído ligeiramente por causa dos argumentos persuasivos de Colin Gordon, seguidos pela sagacidade de Tristan Van Strien, um analista financeiro especializado no comércio de bebidas. O slogan de Strien era “a paisagem da indústria de bebidas está repleta de corpos secos dos integrantes da segunda geração”.

Certamente, é verdade que em certas regiões vinícolas, particularmente na Borgonha, a tentação de vender domaines familiares deve ser quase irresistível, já que as empresas de bens de luxo LVMH e Artémis Domaines, e a força dos grupos dirigidos pelo bilionário francês François Pinault pressionaram o preço da terra em Côte d’Or a atingir patamares quase inacreditáveis.

Normalmente, graças às leis de sucessão hereditária francesas, um domaine pertencerá a vários membros da família, dentre os quais apenas um ou dois, no máximo, realmente viverão e trabalharão no domaine e se preocuparão com um futuro de longo prazo. É perfeitamente compreensível, para não dizer trágico para a alma e as tradições da Borgonha, que os sócios que não estão envolvidos no trabalho do domaine venham a querer trocar dividendos anuais por um payout expressivo. Dezenas e mais dezenas de parentes distantes são acionistas da mundialmente famosa Domaine Leflaive de Puligny-Montrachet, por exemplo.

Quando em abril a gigante da Cava Codorniù rejeitou uma aquisição pelo fundo de investimento americano Carlyle Group (logo depois de ter engolido a Accolade de seus investidores australianos anteriores), foi anunciado que a empresa catalã é de propriedade de 216 membros da família. Posso imaginar como deve ser difícil chegar a uma decisão majoritária nessa empresa.

Se uma empresa familiar decide não ser posta à venda, a sucessão é o grande problema. Outro produtor familiar de vinhos brancos de renome mundial, o Domaine des Comtes Lafon de Meursault, está tendo de decidir quem vai suceder a Dominique Lafon para administrar o negócio. Aparentemente, cinco membros da próxima geração se voluntariaram, mas tiveram de passar por uma espécie de processo de headhunting para ser escolhidos os dois melhores candidatos.

No que me diz respeito, estou celebrando o fato de que o business do mundo dos vinhos seja dirigido por famílias, e não por corporações cujas equipes de funcionários estão sempre mudando. Espero que continue assim por muito tempo.

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