NotíciasReportagens

Alfabeto e merenda escolar feitos em casa

Por Mariella Lazaretti, do Acre*
Fotos: Ricardo D'Angelo
Mara Alcamim, Andrea Pyiaco segurando a filha e a primeira-dama do Acre, Marlucia Candida: política para os povos da floresta e reconhecimento da gastronomia indígena no currículo da futura escola de gastronomia do Estado.
Mara Alcamim, Andrea Pyiaco segurando a filha e a primeira-dama do Acre, Marlucia Candida: política para os povos da floresta e reconhecimento da gastronomia indígena no currículo da futura escola de gastronomia do Estado.

Os ashaninka emigraram da Amazônia peruana para a brasileira nos anos 1920 liderados pelo avô de Francisco, o Samuel Piyãco, o Shamico. Aqui, Samuel se deparou com brancos extrativistas e tomou uma atitude estratégica pela sobrevivência de seu povo: fez o filho Antonio, atual cacique, se casar com Francisca, ou Piti, uma mulher branca, filha de seringueiro influente na região na  época. Conseguiu desta maneira obter uma vantagem para fortalecer seu povo: ela falava o português e entendia a cultura local.

Cacique atual da aldeia, na faixa dos 70 anos, Antonio Piyãco teve sete filhos que se tornaram lideranças do povo e também representantes da etnia junto ao Governo do Acre. Francisco, o Shãsha, Moisés, Isaac, Bencke, Dora, Bebito e Alexandrina.  “Todos nós temos um papel de liderança na aldeia. Tudo o que fazemos é para defender nosso povo e nossa cultura”, diz Francisco.  Aguerridos, se embrenharam na luta travada pelo Reconhecimento dos Direitos dos Povos Indígenas assinada nos anos 1980 e de lá para cá se tornaram um dos mais bem organizados entre todos os povos do país.

Francisco ocupou uma cadeira de Secretário de Assuntos Indígenas, em 2003, e até 2009 fazia parte do governo. De 2011 a 2013 foi assessor da presidência da Funai, em Brasília.  Isaac, Bebito e Alexandrina, os mais novos, têm curso superior na área de educação.  Isaac é atualmente o prefeito da cidade de Marechal Taumaturgo e foi o primeiro educador da aldeia do Rio Amônia, que visitamos. Para que uma Escola Ashaninka fosse montada, Isaac criou e documentou junto com um linguista e um antropólogo, o alfabeto ashaninka pela primeira vez no Brasil. Hoje todas as crianças aprendem na aldeia os dois idiomas. Fazem parte do programa da merenda Escolar do Governo do Estado do Acre, mas a comida é produzida por eles mesmos e oferecida aos seus filhos sem aceitar quase nada de fora de seus roçados e de seus hábitos alimentares.

Continua após o anúncio

Recebem influência de fora da aldeia controlada. Há televisão no povoado. Mas a dificuldade para um membro comum da aldeia ter dinheiro pessoal e alugar uma voadeira para ir até Cruzeiro do Sul ou Marechal Taumaturgo, (o que é obtido por meio do artesanato vendido na cooperativa), os mantêm leais à maneira indígena de vida.  “A gente não aceita que venham aqui tirar proveito”, diz Moisés, um dos líderes Pyiãco. “Esta área era só de capim de gado, que arrancamos com nossas mãos para transformar em nossa aldeia. Executamos manejo de peixes, de quelônio, de caranguejo e de todos os bichinhos que mantêm a floresta viva para continuar alimentando a gente”, afirma.

A floresta está a salvo nas mãos dos índios, que junto com mais 15 etnias tem no atual Governo do Acre, na pessoa da primeira dama Marlucia Candida, apoio e voz. “Estamos organizando um festival de gastronomia do baixo carbono que inclui a cultura alimentar indígena”, diz Marlucia. “Queremos que ela seja tão forte quanto é o cocar e o idioma de cada povo indígena”.

*A equipe de Prazeres da Mesa viajou a convite do Governo do Acre. Para saber mais sobre a participação dos Ashaninka e Mara Alcamim no congresso Mesa Tendências, acesse www.semanamesasp.com.br

Mostrar mais

Prazeres da Mesa

Lançada em 2003, a proposta da revista é saciar o apetite de todos os leitores que gostam de cozinhar, viajar e conhecer os segredos dos bons vinhos e de outras bebidas antecipando tendências e mostrando as novidades desse delicioso universo.

Artigos relacionados

Leia também
Fechar
Botão Voltar ao topo