Mil sabores em folhas
As setecentas e vinte e nove camadas de massa intercaladas com manteiga ganham versões à brasileira em festival
Sobremesa presente nas principais confeitarias francesas pelo mundo, o mil-folhas tem as características essenciais de uma receita de sucesso: mescla a crocância das finas camadas folhadas com a cremosidade aveludada do creme patissière. Sua origem é incerta. Há quem diga que a blaklava – pastel de massa folhada, recheado com uma pasta de nozes, e típica do Oriente Médio, tenha servido de base para a criação do doce francês.
O que se sabe, porém, é que a receita ficou eternizada e ganhou o formato mais famoso nas mãos de Marie-Antoine Carême. Especialista no trabalho com massa folhada, o consagrado chef foi quem criou o doce que, na realidade, tem 729 camadas de massa, intercaladas com 729 camadas de manteiga. Foi também Carême quem arredondou o nome para mil-folhas.
Entre os segredos para o sucesso da receita está a correta proporção entre massa e recheio; a dobradura perfeita da massa; o equilíbrio de dulçor; o uso de bons ingredientes; e o frescor, essencial para que a massa se mantenha crocante.
À moda do brasileiro
Tendo o doce como carro-chefe, a Confeitaria Dama promove anualmente o Festival de Mil-Folhas. Durante algumas semanas, portanto, todas as unidades da confeitaria servem recheios inéditos para a massa folhada.
“Somos uma pâtisserie tradicional francesa, mas com a cultura brasileira enraizada. E o brasileiro tem muito jogo de cintura e criatividade, então quisemos unir um ícone nosso com esse gingado”, conta Mariana Gorski. Ela e a cunhada Daniela criaram a confeitaria há oito anos e, hoje, contam com seis lojas próprias.
Mas, desde antes de a confeitaria ganhar espaço físico, as duas já conquistavam clientes por sua receita de mil-folhas. “Acho que o crescimento e o incremento da qualidade veio com a ajuda dos clientes, que iam dando sugestões”, afirma Daniela. As viagens ao redor do mundo e o treino do paladar também serviram como bons aliados da dupla, que levou tais referências para dentro de sua cozinha.
A persistência deu certo e, hoje, a receita – guardada às sete chaves – é uma das mais famosas da capital paulista. Para Daniela, um dos motivos do sucesso, além do uso de ingredientes de qualidade, é a fluidez do creme, que não precisa ser cortado, mas desmancha a cada garfada.
O cuidado com a massa também é essencial e, por isso, o doce é feito a todo o momento, conforme há demanda. “Temos de deixar em vitrine refrigerada por causa do creme. Mas se ficar muito tempo em exposição, a massa ficará úmida e perderá a crocância”, reforça Mariana. Falando em massa, a dupla conta que é preciso respeitar os tempos e as dobras durante o preparo. “Não adianta colocar o forno a 260 graus para acelerar o processo.” No caso do mil-folhas da Dama, são três dias até que fique pronto.
Desmontar ou não?
Há dois tipos de pessoas no mundo: as que comem mil-folhas sem desmontar e as que desfazem as camadas a cada garfada. “É bem particular. Mas eu acho que o desmontar é o mais legal, porque a gente vai brincando com a massa e o recheio. Não gosto de regras para comer”, conta Daniela.
Mariana concorda que a liberdade da degustação deixa tudo mais gostoso. “Mas, se você quiser impressionar na primeira visita na casa da sogra, há uma sugestão. Tem de virar o doce na vertical para cortar. Na horizontal, ele desmancha porque o recheio cede. Mas, quando a gente vira, o recheio fica preso entre as camadas de massa folhada.”
O Festival de Mil-Folhas
Até o final de outubro, então, todas as lojas da confeitaria servirão o doce em cinco versões: banana caramelizada, maçã, frutas vermelhas com massa de chocolate Ruby, intenso brigadeiro e caramelo salé crocante. Apesar de a receita tradicional levar três camadas de massa e duas de recheio; as participantes do festival são feitas com apenas duas de massa e uma de recheio. “A ideia é que as pessoas possam experimentar mais sabores”, conta Daniela.
Para esse ano, portanto, são novidades o de banana e o de maçã, sendo que este foi o mais difícil. “A maçã solta muita água e isso deixa a massa úmida, então tivemos de testar bastante. Mas o resultado ficou surpreendente”, conta Mariana. Mas os outros três sabores também ganharam toques especiais, como a inclusão de chocolate Ruby; ou o brigadeiro intenso que é fruto da mescla de dois sabores anteriores: chocolate intenso com brigadeiro.
Onde comer pelo mundo
De tantas andanças mundo afora, a dupla tem seus endereços favoritos para saborear um bom mil-folhas. Para Mariana, o favorito é o Jacques Genin, em Paris. “A massa dele é incrível. É extremamente fina e um pouquinho mais assada do que a nossa. E não há creme patissière igual ao da França.” Daniela, por sua vez, não dispensa as receitas com massa folhada de La Pâtisserie des Rêves, também localizada na capital francesa.