Faz tempo que as estações não são mais as mesmas. Temos dias com máxima de 18 graus em pleno verão e termômetros estourando os 30 graus no auge do mês de julho. Além de interferir nas roupas e em nosso humor, o clima também mexe com o modo como comemos. Se no inverno o anseio é por massas, carnes gordas e risoto, nos dias quentes a pedida é por receitas leves e cheias de frescor. “Você pode suavizar o molho e, em vez de reduções, pode usar salsa e azeite”, diz a chef Martha Autran, do NaDeli.
Com a sócia, Flávia Selvi, Martha mantém o restaurante há 12 anos em uma calma rua entre os prédios residenciais do bairro Paraíso, em São Paulo. Apesar de ter nascido delicatéssen – daí o nome, a dupla foi atendendo os pedidos dos clientes e expandindo. Hoje, tornou-se uma plataforma que inclui o restaurante para o almoço, o bufê de eventos e a rotisserie. A proximidade dos fiéis comensais faz com que elas alterem o cardápio pensando, de fato, no gosto do freguês.
Opções clássicas são deixadas na carta, mas outras variam de acordo com a estação e com os alimentos disponíveis na época. “Para os dias de calor, a dica é partir para os grelhados, que dão leveza ao prato. Enquanto os risotos podem ser feitos com insumos menos fortes, saem os queijos e entram os vegetais, que também são bons para servir grelhados como acompanhamento”, afirma Martha. As saladas também vão bem com a época, e podem ser feitas com frutas da estação ou frutos do mar.
Para tornar a mesa mais leve e refrescante, a dupla ensina algumas receitas clássicas do NaDeli. “Fomos ao Peru e provamos uma infinidade de ceviches, então escolhemos o melhor de cada um para criar o nosso, que é bem molhadinho, tem o toque do coco”, diz Martha. “E o salmão é o favorito de todos, por isso não tinha como ser outro peixe”, afirma Flávia ainda sobre o ceviche e acrescentando que a torta de chocolate foi eleita por ter dulçor equilibrado e surpreender quem a prova.
Fórmula da felicidade
Uma engenheira civil e uma veterinária, descontentes com a carreira escolheram largar tudo e cursar a faculdade de gastronomia, onde se encontraram e deram início à realização do sonho do restaurante próprio. “Cresci em meio a bons cozinheiros, com raiz em duas grandes culturas gastronômicas: meu pai é paraense e sociólogo, minha mãe é mineira e advogada. Os fins de semana em casa eram sempre regados a festas com eles na cozinha”, diz Martha.
Apesar do elo forte com as panelas, ela escolheu a princípio construir prédios. Mas quando chegou a seus 30 e poucos anos percebeu que não estava feliz. Mudou-se para Águas de São Pedro, interior paulista, e foi estudar no Senac. “Tive excelentes professores, mas ainda me faltavam alguns estágios e, como no Rio a cena gastronômica ainda estava nascendo, decidi ficar em São Paulo.” Trabalhou com Alex Atala, no Filomena, foi estudar na França, voltou ao Brasil e passou por outras cozinhas até dar aula na Anhembi Morumbi por 13 anos.
Foi na sala de aula que Martha e Flávia se conheceram. “Sou veterinária por formação e, após cinco anos na área, me desiludi com a carreira e a falta de reconhecimento por aqui. Venho de uma família de italianos e também tenho essa coisa da comida muito presente em mim”, diz Flávia. Depois que a aluna pegou o diploma, uniu-se à professora para criar uma delicatéssen no bairro em que moravam. As obras e a sala de aula deram espaço às panelas na vida de Martha, enquanto Flávia resolveu deixar o cuidado com animais apenas para os cães da família e assumiu a administração do novo espaço.
A culinária com base na cozinha ítalo-francesa vem da formação das duas, mas não faltam produtos brasileiros no cardápio, principalmente, vindos do Norte como castanha-do-pará, jambu e aviú. “A única coisa que deixo de fora do cardápio é o açaí, porque conheço o bom produto e o que chega a São Paulo é péssimo, então prefiro não usar a ter algo ruim”, afirma Martha. Embora elas atribuam o sucesso à teimosia, a dar murro em ponta de faca, é em falas como esta que percebemos o motivo da longevidade da casa, o primor pela qualidade e o acompanhamento diário na cozinha e nas compras.
Por Isabel Raia
Fotos RJ Castilho
Produção Cristina Esquilante