Por Marcel Miwa
Fotos Norio Ito, Divulgação e Arquivo PDM
Engana-se quem pensa que entende tudo sobre determinada região produtora de vinho. Com o Chile não é diferente. No evento anual promovido pela Wines of Chile, o Master Sommelier chileno Hector Vergara selecionou os rótulos que foram apresentados por Jorge Lucki, e eles surpreenderam. Os vinhos chilenos respondem por mais de 45% dos importados vendidos no Brasil e é o principal produto comercializado entre os dois países. Lucki iniciou com um pequeno histórico da presença dos vinhos chilenos por aqui. “Na década de 1990, o Chile era uma fonte confiável quando se buscava uma opção, e eram poucas na época, fora da Europa. Isso foi reflexo do investimento feito na década anterior, quando os chilenos investiram em tecnologia e mapeamento dos vinhedos.” Em uma segunda fase, nos anos 2000, Lucki comentou que foram feitos mais estudos para reconhecimento de novas regiões chilenas, que hoje chegam a 17 vales, e reconheceram que o potencial está na diversidade do terroir chileno, e uma consequência natural para preservar esse potencial é o bem-sucedido programa de sustentabilidade das vinícolas associadas à Wines of Chile.
Com o tema “Qualidade e Diversidade”, os dez vinhos degustados provaram que o Chile vitivinícola entrega uma ampla gama de estilos de vinhos, com personalidade bastante marcada no nariz e com a boca cada vez menos austera. Arestas de álcool ou taninos, razoavelmente comuns em um passado recente, hoje são raros, um retrato do domínio técnico da viticultura e da enologia. Vamos às particularidades de cada um.
Undurraga T.H. Sauvignon Blanc Lo Abarca 2016
San Antonio
R$ 165 – Inovini
91 pontos
Projeto inovador do enólogo Rafael Urrejola, que busca identificar expressões particulares de microparcelas de vinhedos. A Sauvignon Blanc, por exemplo, dá origem a três rótulos conforme sua origem: Casablanca, Leyda ou San Antonio (Lo Abarca). Este Lo Abarca é feito de uma parcela com pouco menos de 2 hectares, arrendada da Casa Marin. No nariz, limão, aspargo e menta sobressaem. A leve untuosidade é resultado da breve passagem (seis meses) por barricas de carvalho usadas
e recebe a companhia de ótima acidez.
Final com pitanga, leve salino e pão tostado.
Ventisquero Tara White 1 Chardonnay 2014
Atacama
R$ 250 – Cantu
94 pontos
O inovador projeto comandado pelo enólogo Felipe Tosso começou em 2007, quando implantaram 10 hectares de vinhedos na região do Atacama. O solo muito salino, mas rico em calcário e cascalhos, não permitiu a produção nos dois primeiros anos. Este Chardonnay fermentou espontaneamente em tanques de inox e barricas de carvalho (30% do volume), sem adição de sulfitos. O resultado é algo raro: apresenta leve turgidez por não ser filtrado, aromas de pera, caju, ameixa-amarela e amêndoa tostada. Na boca, lembra um Jerez Fino menos alcoólico, por ser salgado e com mais notas de amêndoa e pão tostado. Há ótima acidez, boa estrutura e final com damasco e flores secas.
Marques de Casa Concha Pinot Noir Edición Limitada 2016
Bío-Bío
R$ 138 – VCT Brasil
89 pontos
O enólogo Marcelo Papa apresentou esta novidade da gigante chilena. A linha Marques de Casa Concha nasceu na década de 1970 e foi crescendo conforme trabalhavam novas variedades e regiões. Há cerca de quatro anos começaram a produzir edições limitadas com interpretações mais ousadas e contemporâneas. Agora, é a vez deste Pinot Noir, feito no sul do Chile, cerca de 600 quilômetros ao sul de Santiago. O solo de argila vermelha de Bío-Bío resulta neste tinto delicado nos aromas (groselha, amora, folha seca e toffee) e com boa estrutura. Os taninos são mais gordos que o habitual e sem arestas.
Casa Donoso Limited Release Sucesor Romano 2015
Maule
R$ 200 – BEV Group
89 pontos
São poucas as vinícolas que dispõem dessa uva pouco conhecida. O Romano foi identificado em 1988 nos vinhedos da Casa Donoso, com algumas videiras espalhadas em um campo de Cabernet Sauvignon. Hoje, é cerca de 0,5 hectare da casta, com idade média de 80 anos. O perfil dos taninos, compactos e sutilmente selvagens, mostra que a variedade teve a rusticidade bem domada. Os aromas também fogem
do lugar-comum e, além da fruta vermelha e negra madura (cereja e bala de framboesa), são diversas referências de especiarias.
Garcés Silva Boya Syrah 2015
Leyda
R$ 120 – Mistral
94 pontos
A grande revelação do painel, tanto pelo preço quanto pelo estilo. Conhecida pelo uso e marca do carvalho nos Amayna, a vinícola contratou o enólogo Rafael Tirado para desenvolver essa nova linha Boya. O resultado é um Syrah com fruta pura e concentrada; amora, cereja e leve cacau e cedro no nariz. A textura tem boa fluidez, com álcool imperceptível, ótima acidez e taninos muito finos. No final, mais violeta, grafite e iodo. Maria Paz Garcés Silva comentou com orgulho que seu primeiro lote de exportação foi direcionado ao Brasil.
Casa Silva Microterroir de los Lingues Carménère 2011
Colchagua
R$ 350 – Vinhos do Mundo
90 pontos
A variedade nos últimos anos é sinônimo de tinto chileno. Foi identificada apenas em 1994, já que antes era misturada e tratada como Merlot. Em 1997, a Casa Silva, com a Universidade de Talca, conduziu um estudo que identificou zonas específicas aos pés dos Andes, no Vale de Colchagua, onde a Carménère poderia amadurecer de forma plena dentro de seu ciclo tardio. Assim nasceu este rótulo, que já é um clássico da variedade e um dos primeiros a moderar as notas herbais que tanto marcavam esses vinhos.
Las Niñas Premium Orgánico 2015
Apalta – Colchagua
Sem importador
88 pontos
A jovem vinícola tem certificação orgânica e seu principal tinto é resultado da mescla de Cabernet Sauvignon, Syrah, Mourvèdre e Merlot. A vinificação de cada variedade ocorre separadamente, e o vinho estagia durante 20 meses em barris de 500 litros de carvalho francês. A vocação mediterrânea de Colchagua se pode notar não apenas pela presença da Mourvèdre mas também pelos taninos firmes, leve calor e fruta potente. Como complemento e para equilibrar os componentes, há boa acidez, notas de especiarias na boca e concentração moderada.
Neyen 2011
Apalta – Colchagua
R$ 250 – Wine for You
91 pontos
Neyen nasceu em 2003 pelas mãos de Patrick Valette. Em 2010, Agustin Huneeus, que se projetou para o mundo do vinho com Quintessa (Napa), comprou a propriedade de Apalta e, no ano passado, foi a vez de a espanhola Gonzalez Byass comprar Neyen. Entre os ativos, a fama de um dos primeiros grandes tintos de Colchagua, vinhedos muito antigos de Cabernet Sauvignon e Carménère, que chegam a 120 anos, e a competência do enólogo Rodrigo Sotto, que permanece na vinícola. Em 2011, o blend é composto de partes iguais das duas variedades e as frutas vermelha e negra são sua marca.
El principal 2013
Pirque – Maipo
R$ 781,90 – Decanter
93 pontos
A comparação com o Bordeaux pode parecer lugar-comum, mas nesse caso a complexidade, a integração e o polimento faz lembrar um grande exemplar bordalês. Não por acaso, o projeto iniciado em 1993 teve Patrick Valette (ex-Ch. Pavie) na direção enológica e, hoje, o talentoso enólogo Gonzalo Guzman conta com a assessoria de Patrick Léon, ex-Mouton Rothschild. Em 2013, um ano de clima fresco, a Cabernet Sauvignon responde por 87% do assemblage (com Petit Verdot e Cabernet Franc) e se mostra de forma elegante: frutas vermelhas e negras frescas, canela, cappuccino e erva-doce. Um tinto agradável e elegante, hoje, mas com capacidade de evoluir por muitos anos.
Pérez Cruz Pircas de Liguai Cabernet Sauvignon 2013
Pirque – Maipo
R$ 167 – Casa Santa Luzia
91 pontos
Da mesma sub-região onde está El Principal está a Viña Pérez Cruz. Sob o comando do enólogo German Lyon, que explicou que o sucesso de Pirque está no clima mais fresco próximo dos Andes e o solo de argila cheio de pedras que dão a drenagem necessária para o bom desenvolvimento da Cabernet Sauvignon. Uma pesquisa para identificar as melhores parcelas de vinhedo, iniciada em 2009, deu origem
a este vinho 100% Cabernet Sauvignon. O estilo é bastante clássico, com frutas vermelhas, cedro e toques de eucalipto e mentol.
Os taninos são muito finos e firmes, há bom frescor, e concentração e madeira estão em ótima medida para o conjunto.