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Oração ao Tempo

Por Isabel Raia

Fotos Ricardo D’Angelo

Jacques PaulinAinda nem amanheceu o dia e o despertador começa a tocar. É sinal de que o forno precisa ser aceso, e os pães, assados. Na vida de padeiro, a massa repousa mais do que seu autor, afinal, para dar origem a um bom pão, são necessárias 5 horas de descanso, no mínimo – um luxo para quem vive a rotina da cozinha. É também a receita que brilha ante os comensais, enquanto seu criador passa os dias próximo ao fogo, testando receitas e observando os pães crescerem, ganhar crostas crocantes e estruturas alveoladas, para depois ir direto à vitrine, exalar aromas e conquistar quem pela rua passa.

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O francês Jacques Paulin, do Ateliê do Boulanger, nasceu e cresceu na padaria da família, em Charolles, na região da Borgonha. Mas, por saber das dificuldades da profissão, tentou seguir outro rumo e foi trabalhar com esculturas de metal. Tal rebeldia não durou muito tempo, pois logo bateu a saudade, “principalmente quando passava em frente a uma padaria e sentia o cheirinho do pão saindo do forno”, como ele diz, e decidiu voltar às raízes. O Brasil, por sua vez, aparece em um caso de amor à primeira visita lá nos anos 2000, quando Paulin veio com seu time disputar um campeonato de rugby e, apaixonado pelo que vira em nossa terra, decidiu que para cá se mudaria.

Apesar de encantadora, a vida rodando as cidades brasileiras para fazer pão tinha um problema: Jacques não conseguia achar farinha com a mesma qualidade das da França. O único caminho encontrado por ele, então, foi a importação, mas a dificuldade no processo o forçava a trazer o produto em grandes quantidades, o que o transformou em importador de farinhas especiais.

Aproveitou o conhecimento adquirido com a família e durante o tempo em que exerceu o ofício em padarias francesas para ensinar os clientes a trabalhar com o produto que estavam comprando. Foi assim que surgiu um novo projeto, a escola de panificação, inaugurada neste ano, com cursos para todos os níveis de padeiros e vagas para receber jovens aprendizes, ensinando-os o ofício e os encaminhando para o mercado de trabalho. O próximo passo deve ser, finalmente, a sonhada padaria, mas esta ainda não tem data para acontecer.

Foto Ricardo D'Angelo
Croissant

Fazendo Pão

Foto Ricardo D'Angelo
Brioche

O tempo é essencial para fazer um bom pão, seguido por matéria-prima de qualidade e conhecimento das técnicas. “Em alguns lugares se faz pão francês em 2 horas, adicionando bastante fermento para que a massa cresça mais rápido. A farinha já é aditivada, ainda acrescentam mais aditivos… Não é à toa que muita gente reclama da sensação de inchaço e de azia depois de comer esses preparos. Falta tempo para fazer um pão mais saudável e saboroso”, diz Jacques.

A sova é fundamental para desenvolver uma rede de glúten capaz de prender os gases da fermentação dentro da massa, o que fará com que o pão cresça. Depois é chegada a hora de ter calma, enquanto as leveduras fazem seu trabalho – afinal, quem se interessa por pães sabe que fermentação é coisa séria. “Qualquer tipo de fermentação é natural, seja ela feita com fermento biológico, seja com levain. Há um mito em cima disso que é todo errado”, diz Jacques. “Os levain são fungos parecidos com os do fermento biológico, porém mais selvagens.” E a vantagem em usar a chamada massa madre é ter um produto com melhor digestão e índice mais alto de carboidratos complexos, ou seja, que são absorvidos lentamente pelo organismo e liberam energia aos poucos. “O levain é como uma criança, você precisa alimentar o suficiente para que ele cresça e fique forte, o que demora de cinco a seis dias.”

Quando o assunto são as farinhas, há um mundo a ser explorado. Para ser chamadas de especiais, é preciso seguir alguns critérios de produção com variedades de trigo selecionadas. E o trigo em questão precisa ser cultivado longe de agrotóxicos ou aditivos, ser armazenado sem pesticidas e passar por moagem adequada. “A farinha moída com pedra é a que dá o resultado mais incrível e ainda traz nutrientes para o produto”, afirma o especialista.

Ao final do processo, a farinha é classificada de acordo com as características, sendo uma delas o teor de cinza, ou seja, de sais minerais (ferro, sódio, potássio e outros) presentes na composição e que estão relacionados à presença de partículas de casca do grão durante a moagem e pela cor do produto final. “Para fazer um pão doce como brioche, que é uma massa mais pesada, com ovo e açúcar, precisamos de uma farinha com alto teor de proteína, e número de cinza de 45 – a proteína que vai desenvolver a rede de glúten e dar elasticidade”, diz Jacques, que ainda acrescenta que, para um pão comum, esse índice é de até 65, enquanto o máximo é a farinha integral, com cinza de 150.

Para quem quiser se aprofundar no mundo dos pães, Jacques ensina duas receitas que podem ser feitas em casa. A primeira é um brioche com goiabada e chocolate branco. “Recomendo pesar todos os ingredientes e deixar na geladeira por cerca de 12 horas, para que fiquem bem gelados, de modo que a massa esteja fria ao final do batimento na máquina para incorporar a manteiga, sem derretê-la”, diz o chef, que aconselha que o preparo esteja a 20 graus no momento de adicionar a manteiga. “Quem for sovar com a mão pode reduzir a quantidade de manteiga para facilitar sua incorporação.”

A receita de croissant exige um pouco mais de técnica, mas, ainda sim, pode ser feita em casa, tendo atenção à temperatura do ambiente e dos ingredientes. “O ideal é trabalhar com uma manteiga seca e, a cada nova dobra da massa, levar o preparo para a geladeira ou para o congelador por aproximadamente 1 hora”, afirma Jacques. Tanto trabalho promete recompensa, tal qual como o nascimento de um filho, é só tirar o pãozinho do forno para ter certeza de que a espera valeu a pena – e ainda sair orgulhosamente postando fotos nas redes sociais.

Jacques Paulin é presença confirmada no Mesa Ao Vivo, no Semana Mesa SP. Saiba mais acessando o site www.semanamesasp.com.br

Foto Ricardo D'Angelo
Brioche de chocolate branco e goiaba

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