O “champagne” que fala catalão
Com espumantes de altíssimo nível, a Gramona, criada em 1850 na Espanha, lidera transição biodinâmica na região do Alto Penedés
Celso Masson I Colaborador (@celsomasson)
Champagne. Mundialmente famosa, essa região da França espalhou seu nome de diversas formas ao longo da história. Sempre com nobreza e caráter. Primeiro, porque quase todos os reis franceses foram coroados na Catedral de Reims, principal cidade de Champagne. Depois, por ali estar uma denominação de origem que hoje engloba 32 mil hectares de vinhedos excepcionais para a produção de espumantes. Altamente regulada, essa Appellation d'Origine Contrôlée (AOC) estabelecida em 1927 protege seus produtores a ponto de impedir o uso da palavra champagne em rótulos de bebidas que não sejam dali. Acima de tudo, champagne é sinônimo da excelência na elaboração de bebidas que se tornaram objetos de desejo em celebrações especiais.
Isso não significa que outras regiões sejam incapazes de produzir espumantes de qualidade equivalente. Há ótimos exemplares feitos na Itália, no Brasil, em Portugal e até na Inglaterra. Ainda assim, se existe uma marca capaz de rivalizar com o que melhor do que se produz em Champagne, ela atende pelo nome Gramona. Sua história, seus rótulos e sua filosofia merecem ser conhecidos.
A história começa em 1850 com Josep Batlle, um viticultor que trabalhava para uma família proprietária de vinhedos em La Plana, no vale do rio Anoia, na região de Penedés, Espanha. Quando a praga filoxera começou a devastar os vinhedos da França e de grande parte da Europa, Pau, filho de Josep Batlle, teve ideia de vender vinho base com a uva Xarel·lo para os produtores franceses. Naquela época, a Catalunha era a principal fornecedora de cortiça para as rolhas usadas nas garrafas de vinhos e espumantes. Ele se valeu desse atributo para fazer negócios que impulsionaram a empresa familiar.
O nome Gramona aparece na geração seguinte, quando a filha de Pau, Pilar, se casa se com Bartolomé Gramona. É ali que tem início uma visão inovadora para a elaboração de espumantes de longa maturação, cujo apogeu ocorre já na década de 1950, com a criação do primeiro rótulo Lustros, lançado no mercado em 1961. Hoje com a quinta e a sexta geração da família de viticultores à frente do negócio, a Gramona lidera o movimento da região do Alto Penedés na produção de espumantes à altura dos melhores do mundo. Sempre com respeito pelo meio ambiente e pelas pessoas, eles cultivam suas vinhas de acordo com os princípios da agricultura orgânica e biodinâmica.
O que a Gramona faz são “champagnes” que falam catalão, ou seja, que expressam as melhores características desse terroir privilegiado, distante apenas 30 km de Barcelona, tendo a uva Xarel·lo como protagonista. Por não estar em Champagne, seus espumantes precisam ser engarrafados com o nome genérico cava. “Cavas são elaborados em toda a Espanha, mas a Catalunha concentra o maior número de produtores, com 200 milhões de garrafas anualmente”, diz Linda Díaz Morales, que trabalha para a Gramona há 14 anos e hoje acumula os cargos de head sommelier e gerente de exportação para a América Latina.
Se toda a Espanha produz cava, de diferentes perfis e preços, como os melhores produtores poderiam se diferenciar? A resposta a essa pergunta exigiu uma união de diversos vitivinicultores da região de Penedés, que financiaram um estudo acadêmico sobre solo, clima, história e cultura, envolvendo pesquisadores e universidades. “Foram cinco anos de trabalho até que o resultado pudesse ser referendado pela União Europeia”, afirma Linda.
A filosofia Corpinnat
Essa união de esforços deu origem à Corpinnat, uma marca coletiva criada com o objetivo de distinguir os excelentes vinhos espumantes produzidos a partir de uvas 100% orgânicas colhidas à mão e vinificadas integralmente nas instalações das próprias vinícolas. “O nome escolhido é a fusão das palavras Cor (coração) e Pinnat, que deriva da raiz etimológica que se refere à origem de Penedés”, diz Linda.
Hoje são 19 produtores comprometidos com um conjunto de valores que se materializada na Aliança pela Terra, iniciativa criada para disseminar o respeito às pessoas, ao ambiente e a cepas históricas, que devem ser no mínimo 90% do corte de cada cava Corpinnat. A Gramona lidera esse movimento de diversas formas. Dos 500 hectares de vinhedos com certificação biodinâmica Demeter na região, 100 são da empresa.
“Abraçamos o biodinamismo, mas com base acadêmica. Reduzimos as emissões de gases de efeito estufa com energia renovável e garrafas mais leves. Usamos tração animal em 22 hectares de vinhedos, onde não entram tratores. Também fazemos um trabalho de precisão nas videiras, com o que chamamos ‘Poda de Respeito’, com a Escola Catalã de Podas”, diz Linda. “Isso é entender a terra”.
Na vinificação, o longo período de autólise, em que as leveduras ficam em contato com o mosto, é outro princípio adotado pelos produtores – a exemplo do que a Gramona faz desde a metade do século 20. Pela legislação espanhola, um cava deve ter 9 meses de envelhecimento. Cava reserva, 15 meses. Na Gramona, o mínimo é 24 meses. No rótulo III Lustros, de 7 a 8 anos.

A autólise é um mecanismo de enzimático de quebra da parede celular durante a segunda fermentação do espumante, feita na garrafa. Quanto mais longo o período de autólise, maior a integração do gás carbônico com o líquido, resultado em borbulhas mais finas. No campo organoléptico, mais meses de contato com as leveduras resultam em aromas sublimes, de frutas secas, tostado, cacau, toffee.
Isso aparece em cada taça do cava Gramona Imperial, brut biodinâmico com seis gramas de açúcar por litro e seis anos de autólise. Criado pela terceira geração da família, é a expressão da arte do blend de quatro variedades (Xarel·lo, Parellada, Macabeo e Chardonnay). Além da personalidade de cada casta, somam-se as características das diferentes parcelas de vinhedos. De cor dourada pálida, seus aromas são dominados por frutas brancas maduras e um toque floral, bem como notas cítricas e amanteigadas.
Prestes a completar 75 anos de sua primeira safra, vinificada em 1951, o III Lustros é um espumante que merece posição de destaque entre os melhores do mundo. Complexo, reflete perfeitamente seu terroir, a propriedade Font de Jui, situada entre o rio Anoia e as colinas de Mas Escorpí. Feito com uvas Xarel·lo, Macabeo e Parellada, ele se vale dos princípios da biodinâmica na viticultura, com uso de compostos feitos na propriedade. Depois de elaborado, repousa nas caves por ao menos 80 meses com uma rolha de cortiça natural – algo incomum, uma vez que até em Champagne é usada uma tampa metálica nesse processo. O dégorgement (remoção da rolha para a expulsão das borras acumuladas no gargalo) é feito à mão, assim como o toque artesanal de envolver cada garrafa em celofane vegetal compostável.
Com tantos cuidados, o ponto alto desse cava fica para a etapa final, com a adição do licor de expedição – o líquido que se acrescenta à bebida após concluída a segunda fermentação na garrafa. Esse licor é a assinatura de cada Maison de Champagne e de todo produtor de espumante feito no método tradicional. No Lustos, entra um licor elaborado no estilo Jerez, processo conhecido como Solera. Nesse sistema, vinhos antigos vão passando por barricas de carvalho de diferentes idades para ganhar maior complexidade. Na Gramona, entram no licor de expedição vinhos centenários. “É um tesouro da família”, afirma Linda.
Sem nada de açúcar, o Lustos é o ápice do que um cava pode entregar. Suas notas de envelhecimento são muito evidentes e revelam brioche e damascos secos. Estruturado, com uma frescura vibrante e uma redondeza cheia de personalidade, é plenamente gastronômico. Após ter passado pelas importadoras Casa Flora e Grand Cru, a marca Gramona chega ao Brasil pela World Wine. Os preços partem de R$ 269 (caso do branco Gessamí e do Gramona Mart Xerel.lo Vermell, ambos vinhos tranquilos) e chegam a R$ 1.490 (Gramona Celler Batlle Brut 2014).




