Existem algumas máximas no mundo do vinho. Uma delas é que dificilmente você vai abrir uma garrafa de Esporão e não gostar. A busca pela qualidade constante faz dessa marca uma das mais confiáveis do mundo do vinho. A Herdade do Esporão está na zona chamada Baixo-Alentejo, cerca de 170 quilômetros a sudeste de Lisboa, dentro da DOC Reguengos de Monsaraz.
A propriedade tem 702 hectares de área, delineada desde 1267, época em que era chamada Defesa do Esporão. Cerca de 450 hectares são destinados aos vinhedos, dos quais 77 têm certificação orgânica e outros 123 estão em conversão biológica. Essa mudança na filosofia de produção começou em 2008, por impulso de João Roquette, CEO da empresa.
Hoje toda a propriedade é cultivada com manejo integrado e os estudos necessários para a implementação de uma agricultura limpa o levaram a outras descobertas. Em um estudo geológico foram identificados sete perfis de solo nos vinhedos. Isso permitiu separar os vinhedos em parcelas (ou talhões) e dar um tratamento individualizado a cada lote, o que não é pouco, afinal, além da grande extensão dos vinhedos, são 37 castas plantadas e já produtivas e outras 157 variedades plantadas em caráter experimental.
A cada ano o Esporão convida um artista para ilustrar os rótulos da linha reserva. Em 2016, o arquiteto português Duarte Belo foi o responsável pela ilustração. Foto: Ricardo D'AngeloPara colocar ordem em tantos componentes, o enólogo australiano David Baverstock é uma engrenagem importante que chegou ao Esporão em 1992. Seu estilo pragmático e objetivo, fundamental em um projeto com essa dimensão, conseguiu dar consistência aos vinhos Esporão e em linhas nas quais isso não é possível pelo standard elevado faz-se apenas nos melhores anos (como Private Selection e Torre do Esporão).
Proposta, qualidade e preços claros e bem equacionados levaram o Esporão a ser a marca mais importada no Brasil em 2017 (em volume, segundo dados de seu importador, a Qualimpor).
O primeiro vinho produzido sob a marca Esporão foi justamente o Esporão Reserva Branco, em 1985, quando a vinícola se chamava Finagra. O Esporão começou a contar com vinícola própria em 1987. Em 1995 foi implantado o sistema de irrigação para os vinhedos e, em 2002, a produção de brancos ganhou uma unidade de produção separada da dos tintos.
No menu de castas, sempre formaram a espinha dorsal a Arinto, responsável pelo cítrico e acidez, a Roupeiro, que aporta notas florais e de frutas brancas, e a Antão Vaz, responsável pela estrutura do vinho. A partir de 2011, a Sémillon, conhecida por compor em sua forma varietal o Private Selection Branco, também começou a integrar a seleção de castas do Esporão Reserva Branco. Segundo Baverstock, a Sémillon ajuda na percepção de textura do vinho, um item mais próximo da arquitetura que da decoração.
O trabalho de geologia realizado em 2008 identificou que as melhores parcelas para essas castas brancas estão nos solos argilo-arenoso de coloração castanho-avermelhado. Esse tipo de solo consegue reter mais água e entregar mais nutrientes às videiras, o que ajuda na retenção da acidez e desenvolvimento dos aromas dessas variedades brancas. Como contraponto, as parcelas com xisto e menor percentual de argila mostraram melhor aptidão para abrigar castas tintas em geral.

A vinificação do Esporão Reserva Branco segue protocolos bastante tradicionais para vinhos brancos, com fermentação em tanques de inox e estágio em barricas de carvalho. No entanto, o processo está longe de ser uma fórmula. O enólogo explica que nas safras provadas (2002 em diante) inicialmente os vinhos fermentavam maioritariamente em barricas de carvalho americano (cerca de 60% do volume), com estágio posterior de seis meses nas mesmas barricas, e uma menor parte em tanques de aço inox. Após 2008, essa proporção se inverteu (60% em inox e 40% nas barricas) com proporção crescente de barricas francesas e mais uso de barricas usadas em vez das novas; um retrato do atual gosto do consumidor, com vinhos focados na fruta e menor participação da madeira.
Vamos às safras de Esporão Branco degustadas
safras 2002, 2004, 2008 e 2011
David Baverstock atentou que não era mera coincidência que alguns dos melhores brancos (2004 e 2011) fossem das mesmas safras em que existiram o Torre do Esporão, tinto ícone da vinícola. “Estes anos apresentaram mais contrastes de frio e calor, com destaque para as noites frescas, importantíssimas para os brancos alentejanos, e a maior amplitude térmica favorece a produção de tintos de alta gama.” Mesmo com mais de 15 anos, o 2002 está em seu auge, com notas minerais, álcool integrado, untuoso e com acidez na medida para deixá-lo fácil de beber. Apenas um toque de marzipã com caramelo e as frutas amarelas cristalizadas indicam alguma idade da garrafa.
A safra 2004 no Esporão é considerada uma das melhores para os brancos. Hoje mostra notas de laranja, ameixa-amarela e toque amendoado. A acidez pulsante com conjunto equilibrado indica que há espaço para mostrar mais camadas de complexidade com o tempo. “Os vinhos nos dão estas surpresas; esta linha é pensada para ser consumida em cinco anos após a safra e, neste caso, com mais de 13 anos mostra que ainda pode evoluir”, diz Baverstock.
A safra 2008 apresenta a fruta em ótimo ponto de maturação, com toques de caju e carambola, talco e leve amendoado. Um ano de clima fresco, mas com acidez justa, sem extremos. Para fechar a lista dos favoritos, a safra 2011, na nova fase da linha, com Sémillon e menor aporte de carvalho (e maior participação de carvalho francês).
A essa altura, as vinhas tinham idade média de 20 anos e o vinho tem ótima definição, que o faz parecer mais direto, com notas cítricas e de pera. Nuances minerais seguem presentes, com leve untuosidade e toque tostado no final. Já está ótimo, mas deve melhorar com mais um par de anos.
safras 2003, 2005, 2006 e 2015
As safras 2003 e 2005 estão em seu limite de consumo e provam que fruta muito madura com carga mais generosa de carvalho é uma combinação que pode deixar o conjunto pesado. A safra mais antiga, com laranja confit e caramelo, começa a lembrar um Amontillado, com seus toques oxidativos. A acidez mediana oferece algum obstáculo para terminar a garrafa.
A 2005 segue o mesmo caminho, mas um pouco mais íntegra. Damasco, laranja cristalizada e caramelo-claro no nariz, com textura untuosa e generosa. A seu favor, a acidez está um degrau acima que a 2003. A safra 2006 é um caso diferente. Está ótima, com um estilo sedutor repleto de tostados (casca de pão, amêndoa e defumado), tomilho, pera e grapefruit. Já está totalmente integrado e não deve melhorar, é o momento de bebê-la.
Em 2015, embora mais jovem, também retrata um ano quente, que não deve ter vida longa. Em compensação, entrega aromas expansivos de maçã madura, canela e iogurte, com corpo generoso e untuoso. Por agora, a acidez consegue domar tanta potência.
safras 2012, 2013, 2014 e 2016
Como se pode prever, as safras mais recentes mostram mais potencial para o futuro. Mas não só pela jovialidade. Jogam a favor a idade mais avançada das videiras, com frutos mais consistentes, e resistem mais às intempéries do clima, e o novo estilo de vinificação, no qual a fruta se mostra mais precisa e fresca, com menos interferência do carvalho.
A edição de 2012 ainda está fechada e promete ser um dos mais longevos Esporão Reserva Brancos. Por hora, toques de maçã, pera, mineral, hortelã e ótimo frescor com estrutura firme. Em 2013, o vinho mostra uma faceta mais cítrica, por força da Arinto, com toques de maçã-verde e acidez pulsante que deve se integrar com o tempo. Limpo e claro em sua proposta.
A safra seguinte, 2014, recorda a 2012, mas já está mais pronta e começa a revelar seu tremendo potencial. Cítrico, mineral, álcool que não se percebe e ótimo frescor por agora, deve mostrar em breve outras capas de aromas.
A safra 2016, que está disponível no momento (R$ 159,86, na Qualimpor), apesar de ser de um ano quente, não mostra essa influência na taça. Segundo o enólogo, novas técnicas para proteger os cachos das uvas, seja pelo manejo da canópia (galhos e folhas), seja pela aplicação de pó de argila nas plantas (que reflete uma parte dos raios solares). Na taça, flores brancas, maçã-verde, leve untuosidade, mas com estrutura leve. Não se notam notas amadeiradas e tem final levemente salino.