Texto e fotos: Cris Berger, de Porto Alegre (RS)
O nome dele é sinônimo de cerveja. Eduardo Bier Corrêa, o Dado Bier, é o gaúcho que abriu, há 15 anos, em Porto Alegre (RS), a primeira microcervejaria brasileira. Hoje, mantém sete rótulos: Original, Royal Black, Weiss, Red Ale, Belgian Ale, American Brown Ale e Ilex. No embalo das cervejas especiais, veio a idéia da casa noturna, que ultrapassou os pampas e chegou à ponte aérea Rio–São Paulo. Na capital paulista, a casa fez sucesso entre novembro de 1996 e março de 2002. Até que Dado recebeu uma proposta “indecente” pelo terreno na região sul da capital paulista.
Os anos passaram e da noite, Eduardo cansou. Como ele mesmo diz: “O jogador tem que saber a hora de parar”. Agora, ele está de olho no mercado gourmet. Encerrou o negócio de casas noturnas e ampliou o restaurante, que fica no Bourbon Country, em Porto Alegre. A casa tem capacidade para receber 500 pessoas. Na entrevista a seguir, Dado, um “guri” de 43 anos, avisa: vai lançar uma cerveja para competir no mercado de pilsens de 600 mililitros e tem projeto de voltar a São Paulo em 2009.
Prazeres da Mesa – Como vê a compra de algumas microcervejarias nacionais pelas gigantes do mercado?
Há uma concentração de mercado muito grande, e isso é uma tendência mundial. No caso específico das Eisenbahn, Baden Baden e Devassa – três cervejarias amigas, parceiras e colegas nossas, há dois aspectos: primeiro uma dificuldade muito grande em avançar e evoluir nesse mercado e, por outro lado, num determinado momento uma oferta de realização, de venda do negócio. A soma dos dois gerou as três vendas. Acho que não queriam vender, mas o processo é natural. Eu lamento, um pouco… Lamento que um negócio comum no mundo inteiro e saudável, no Brasil não possa acontecer.
Você se refere à existência de microcervejarias?
Sim. Em países da Europa existem centenas de pequenas cervejarias bem-sucedidas. No Canadá e nos Estados Unidos, idem. Mas aqui no Brasil, a terra dos contrastes, esse negócio é pouco viável. Parece que meu depoimento é uma lamúria. Não é. Ele é um retrato fiel da realidade do setor nacional. Isso é assim, inquestionável.
O quanto a carga tributária tem a ver com esse cenário?
Primeiro, na parte industrial, nosso custo é muito alto. Não temos escala e fazemos produtos muitos elaborados. O que a gente chama de CPV (custo de produção) é alto. Quase toda a nossa matéria-prima (com exceção da água) é importada e, muitas vezes, de países europeus e americanos. Temos dificuldades na importação. O malte, em janeiro deste ano, subiu 125% para nós, anões. Custa muito caro produzir e os impostos são elevados. Quanto mais caro a gente vende, mais caro o imposto é. E temos de vender caro porque nos custa caro. A distribuição é caríssima. Por outro lado quando vamos vender essa cerveja “caríssima” (que é melhor do que as outras), encontramos uma enorme resistência nos pontos frios (bares e restaurantes). A maioria deles tem contrato de exclusividade com a AmBev, Kaiser ou com a Schin. Sobra vender para “os outros”. Quando se vai vender para o auto-serviço, para os supermercados, eles lhe extorquem. E fica a pergunta: e se ganha dinheiro em que?
Microcervejaria dá dinheiro?
Depende. Da forma tradicional, não.
Como é a forma tradicional?
Produzir cerveja artesanal e comercializar nos pontos frios. Há alternativas. O que nós estamos fazendo é ter bons pontos de venda próprios. Outro negócio que estamos trabalhando é o de cervejas requintadas (atualmente, temos sete, mas estamos para lançar mais duas). Queremos lançar uma cerveja mais leve e que tenha um custo de produção menor. Isso é possível com uns contratos de produção.
Uma cerveja para competir com…
Com as boas marcas de cerveja industrial, como Bohemia, Polar, Brahma Extra.
Mas sua empresa tem capacidade de produção?
Posso terceirizar numa outra fábrica com capacidade ociosa. Faço um esquema de barriga de aluguel. Vamos lançar em garrafas de 600 mililitros. Será tipo pilsen e vai chamar Original, nossa marca há 14 anos. Com essa cerveja pretendo atuar no mercado e não apenas no nicho que consome cervejas artesanais. O caminho é ter uma cerveja com preço competitivo.
O consumidor ganha algo com a compra da grande cervejaria pela pequena?
Nada.
A qualidade da cerveja gourmet pode cair?
Não posso afirmar isso. Não tenho esse direito. Agora, a paixão que existia por desenvolvimento de produtos muito elaborados e sofisticados, é natural que atenue. O amor com que se fazia o produto artesanal, acho que se perde.
Como você analisa o mercado de 1994 para cá?
Olha, a primeira vez que lancei uma cerveja de trigo, uma Weiss, em 1995, quase apanhei. Viam a cerveja turva e diziam: “Mas o que é isso? Está estragada?” Hoje em dia, falam que gostam da Weiss mais frutada, menos frutada, preferem produzida com fermento alemão, outros não. Já existe uma certa cultura cervejeira no Brasil.
Então, houve uma evolução?
Houve uma grande evolução. Paralelamente, houve uma concentração de mercado. 97,4% estão na mão de quatro empresas. A AmBev teve um papel muito importante. A Bohemia foi fundamental para que o consumidor soubesse o que é uma Weiss. Eles têm força de comunicação e o trabalho foi importante.
A procura por produtos gourmets aumentou. Com a cerveja é a mesma coisa?
As pessoas estão tendo um comportamento semelhante ao que tiveram com o vinho. Cerveja no Brasil não era chique.
É uma tendência ou moda harmonizar cerveja com pratos sofisticados?
Acho que é tendência – assim como os vinhos.
Brasileiro sabe apreciar cerveja de qualidade?
Está aprendendo.
Uma proposta tentadora o levaria a vender a microcervejaria?
Tudo tem preço na vida. Não tenho vontade nenhuma de vender. Nem necessidade hoje. Depois de vendido esse lote de cervejarias, ficamos instigados a realizar mais. Não estamos na vitrine, estou tocando e pretendo continuar. Não montei esse negócio para vender.