Quão sustentável é o setor de bares e restaurantes?
Empreendimentos como o estrelado Lasai investem em produção própria de alimentos e privilegiam produtores de orgânicos localizados no mesmo estado; para diminuir o impacto do segmento no meio ambiente, o lixo ainda é o maior gargalo
Por: Daniel Salles
Ao longo dos seis anos em que morou em Londres, onde foi funcionário de Mario Testino, chegando à direção de arte do acervo do fotógrafo peruano, o carioca Daniel Gorin se habituou a reciclar o próprio lixo, por força de lei. Ao voltar para o Rio de Janeiro, em 2011, espantou-se ao constatar que pouca gente fazia isso na cidade — assim como hoje. “Me senti um extraterrestre”, lembra ele, que retornou para assumir o comando dos hoteis da família, o Ipanema Inn e o Arpoador (então chamado de Arpoador Inn).
Com Gorin como gerente geral, os dois empreendimentos foram modernizados e transformados, pouco a pouco, em exemplos de sustentabilidade. Em 2024, pelo segundo ano seguido, ambos conquistaram a certificação de lixo zero, concedida pelo Instituto Lixo Zero Brasil (ILZB). Só obtêm esse selo os estabelecimentos que destinam, no máximo, 10% dos resíduos para os aterros sanitários. No caso do Ipanema Inn, 90,6% do lixo ganham a destinação adequada — leia-se reciclagem e compostagem. O Arpoador atingiu a marca de 91,3%.
A compostagem é feita pela Vide Verde, companhia fluminense que coleta três mil toneladas de resíduos orgânicos por mês — volume que corresponde, praticamente, ao que é produzido na cidade do Rio de Janeiro todo dia. “A compostagem custa mais do que o direcionamento para os aterros sanitários, mas, com ela, recebemos adubo de volta, que utilizamos nos canteiros dos hoteis”, observa Gorin. “É uma escolha que, além de contribuir com o meio ambiente, resulta numa economia indireta”.
Desde 2021, a compostagem dos resíduos orgânicos dos dois hoteis deu origem a mais de 400 quilos de adubo. O volume que não é utilizado nos canteiros é doado para os colaboradores que demonstram interesse no material. “É uma política com cunho educativo”, acredita o gerente geral. “Ajuda a disseminar a importância de todos darmos atenção ao nosso lixo”.
A companhia responsável pela coleta de recicláveis é a Teiares. Mas a dupla de hoteis e seus dois restaurantes, o Quitéria e o Arp, não se limitam a garantir a sobrevida só de latinhas, long necks e companhia. Até a parafina das velas espalhadas pelos ambientes é reutilizada. Há uma empresa que se encarrega de produzir velas novas com as sobras. Ao todo, os empreendimentos de Gorin já direcionaram mais de 350 quilos de restos de parafina para a tal empresa.
As práticas em prol do meio ambiente não param por aí. Desde 2021, mais de 200 quilos de equipamentos eletroeletrônicos ganharam a destinação correta. Desde abril do ano passado, mais de 6.000 bitucas de cigarros foram transformadas em papel reciclado. Com isso, estima-se, elas deixaram de contaminar mais de 1.950 litros de água. “Sustentabilidade não é um ponto de chegada, é um conjunto de práticas que precisam ser revisitadas constantemente”, acredita Gorin. Com a adesão ao mercado livre de energia, os dois hoteis economizaram mais de R$ 400 mil desde agosto de 2022 — optou-se por uma empresa que faz uso de usina solar.
No Quitéria, comandado pelo chef David Cruz, a ordem é diminuir o desperdício de insumos ao máximo. Para isso, os lixos do restaurante são fotografados de tempos em tempos. “Isso costuma apontar caminhos para combater o desperdício”, recomenda Gorin. Constatou-se, por exemplo, que muitas frutas e pães do combo do café da manhã terminavam no lixo. Daí a decisão de diminuir as quantidades. “Agora, os garçons avisam aos clientes que esses itens podem ser repostos caso seja necessário”, acrescenta o hoteleiro. “A satisfação dos hóspedes, no final das contas, foi aprimorada”.

O Arp e o Quitéria mostram como o setor de bares e restaurantes podem aderir, efetivamente, à sustentabilidade e quais são os principais gargalos para o segmento diminuir o impacto no meio ambiente. O lixo, como já ficou claro, impõe desafios complexos. Para descobrir qual é o destino, exatamente, que o setor está dando para cada tipo de descarte e quais são os principais desafios para a adoção de práticas mais sustentáveis, o Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro, o SindRio, contratou, no ano passado, a consultoria Bota pra Girar.
A entidade foi incumbida de traçar um raio-x do segmento no que se refere à gestão de resíduos — o objetivo final é incentivar a gestão inteligente do lixo em restaurantes e bares. Mais de dez estabelecimentos foram esquadrinhados pela Bota pra Girar a pedido do SindRio — da rede Gula Gula ao tradicionalíssimo Bode Cheiroso, no Maracanã. Em resumo, constatou-se que só metade dos endereços analisados é adepto da reciclagem e da compostagem. “A verdade é que a maioria dos estabelecimentos desse ramo despacha o lixo, integralmente, para os aterros sanitários, o que é sabidamente insustentável”, afirma Fernanda Cubiaco, CEO da Bota pra Girar.
Uma das justificativas mais comuns tem a ver com a falta de espaço para a separação de lixo. O ideal é manter na cozinha um daqueles galões de plástico, com tampa preta, para despejar todos os alimentos que sobram na fase de pré-produção, os resto

s de comida deixados pelos clientes e todos os produtos biodegradáveis, a exemplo de canudos, copos e guardanapos de papel. Também é recomendado reservar um espaço para itens recicláveis, lembrando que nada disso faz sentido se empresas especializadas em coletar materiais do tipo e resíduos orgânicos não forem contratadas.
“Muitos empresários do ramo alegam que a correria do dia a dia impede seus estabelecimentos de aderirem à separação do lixo”, revela Cubiaco. “Mas basta ter motivação, que precisa vir de cima para baixo. Do contrário, a separação não tem como virar um novo hábito nos restaurantes e bares”. Diz Sérgio Abdon, diretor-executivo do SindRio: “O grande aprendizado de 2024 foi a confirmação do tamanho da oportunidade que temos no segmento para desenvolver a cultura da separação, do descarte e da coleta seletiva de resíduos. O principal desafio que temos pela frente é a busca de um modelo mais sustentável — no qual as boas práticas possam se alinhar, cada vez mais, aos custos”.
A parceria do SindRio com a Bota pra Girar vai continuar em 2025. “Vamos estreitar o relacionamento com as empresas especializadas na coleta de resíduos orgânicos e recicláveis”, adianta Abdon. “Com o auxílio da Bota Pra Girar, a ideia é intensificarmos a coleta seletiva em determinadas regiões da cidade, com a participação de um número maior de estabelecimentos, de forma a facilitar a roteirização da coleta por parte das empresas responsáveis por isso e reduzir os custos para os bares e restaurantes que aderirem ao projeto”.
A escolha de fornecedores de alimentos que se preocupam com o meio-ambiente também ajuda a tornar os restaurantes e bares mais sustentáveis. Sétimo colocado na última edição do ranking “Latin’s America 50 Best Restaurants”, o Lasai, do chef Rafa Costa e Silva, mantém um sítio na Serra Fluminense de onde saem 30% dos legumes utilizados no restaurante. A propriedade também dispõe de um galinheiro com cerca de 150 galinhas — todos os ovos terminam na cozinha do incensado endereço, premiado com duas estrelas Michelin. No mais, o Lasai privilegia produtores de orgânicos localizados na Serra Fluminense. Sucesso de crítica e de público, o restaurante é mais uma prova de que a sustentabilidade é um bom negócio.