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A comida da roça

Como os ingredientes da culinária caipira chamaram a atenção de um grande profissional de cozinha

A trajetória de Rafa Cardoso é extensa, e claramente se configura na categoria case de sucesso. Formado em hotelaria e gastronomia pelo Senac Campos do Jordão, ele já estagiou em grandes cozinhas, como D.O.M e Mugaritz, chefiou casas em São Paulo, Goiânia e Belo Horizonte, foi professor de gastronomia em diversas entidades e, em 2013, palestrou no renomado congresso Madrid Fusión, na Espanha.

Por Laura Gomes (Aluna de jornalismo do Centro Universitário UNA) 

Produção Cristina Esquilante

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Foto: RJ CastilhoCom a carreira de 13 anos consolidada na gastronomia, o chef se mudou com a família para uma pequena fazenda em Silveiras, pequeno município paulista no Vale do Paraíba. Ali, cria porcos a pasto e se dedica ao resgate do caruncho, uma espécie de porco crioulo da Serra da Bocaina. Por isso, abandonou o sobrenome e assumiu oficialmente o apelido: Rafa Bocaina. Foi o necessário para que ele encontrasse uma nova paixão: o estudo da comida caipira. “O Brasil vive hoje um reconhecimento dessa cultura, que é muito importante na nossa história. A cozinha brasileira começou a ser valorizada olhando muito para a Amazônia, para o Nordeste, que têm leituras muito importantes do nosso território.”

Com uma proposta diferente, Rafa levou para o Mesa Minas um produto pouco visto no mercado atualmente, mas descrito por ele como uma “joia”: o redanho de porco, manta de gordura que envolve os órgãos abdominais do animal. O nome remete a uma renda, material de aparência semelhante ao ingrediente. Segundo ele, esse produto geralmente só é adquirido de pessoas que criam o animal, pois o mercado não está habituado a fazer uso dessa e de outras partes do porco. “Antigamente, se você quisesse comprar uma galinha, por exemplo, iria direto a quem criasse. Hoje em dia, basta ir a um supermercado e adquirir o produto congelado. Nós perdemos esse contato direto com o produtor, e com isso, perdemos também a oportunidade de comprar outras partes saborosas do animal, que são descartadas. O redanho é uma delas”, afirma.

Para o chef, a culinária do interior foi a norteadora da cultura gastronômica do país e, por isso, deveria ser mantida com as receitas originais. Mas muitas levam ingredientes que não são encontrados mais, por diversos fatores econômicos e culturais. “Nós, caipiras, temos um receituário muito importante, que só é executado quando temos nossa própria criação. Tudo o que compramos hoje em dia é de intermediários, e estes não têm acesso às joias do animal.”

Com o objetivo de popularizar este ingrediente, Rafa Bocaina trouxe a receita de bolinho de redanho – que nada mais é que carne picada envolvida na manta de gordura. A produção do recheio é feita com carne processada, moldada em formatos arredondados. A finalização é feita com a adição de temperos como alho, sal e pimenta-do-reino. Logo após ser embrulhado no redanho, o bolinho vai para a frigideira, na qual é preparado com um leve fio de azeite.

Em um bate-papo descontraído e intimista, a aula uniu não só gastronomia, como também história e cultura caipira. O dono da Salumeria Curiango celebrou o retorno positivo dos presentes, e declarou que conseguiu atingir seu maior objetivo no evento: conscientizar o público. “Espero ter passado um pouco da importância da ancestralidade e dos velhos cadernos de receita, com um olhar de resgate de elementos que são importantes para nossa atual qualidade de vida. Esse conhecimento deve vir como uma releitura dos tempos modernos, na qual temos a consciência de que todos esses ingredientes são necessários para entender o mundo gastronômico atual”, finalizou.

*Reportagem publicada na edição 198 de Prazeres da Mesa

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