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Bacalhau: um mergulho profundo

Foi durante uma reportagem para Prazeres da Mesa, anos atrás, que a chef Heloisa Bacellar se apaixonou pelo rei dos mares. Hoje, ela virou expert no pescado, já visitou a Noruega e tem até livro publicado sobre o tema

Estudiosa e devoradora de livros, Heloisa Bacellar começou sua história com o bacalhau há pouco mais de uma década. Convidada a participar de uma reportagem, em que teria de criar receitas com o peixe, a chef  se debruçou sobre livros e foi além de referências de pratos. Aprendeu sobre a pesca do peixe. “Achei aquele mundo incrível”, diz. Logo depois da publicação da matéria, visitou a Noruega e pôde conhecer de perto a história do peixe que tanto lhe chamara atenção.

A chef Heloisa Bacellar. Foto: Ricardo D´angelo.

“O que mais me encantou foi ver o bacalhau de perto. Todo mundo brinca sobre a cabeça dele e chegar a Svolvaer, um vilarejo de casas vermelhinhas, ir pescar e ver como tudo funciona, do mar até as fábricas, a secagem… Foi algo impressionante”, afirma. A chef comanda o Lá da Venda, em São Paulo, além de manter o Na Cozinha da Helô, site com receitas e dicas. Agora, ela volta a Prazeres da Mesa para ensinar truques infalíveis para preparar o rei dos mares e impressionar nesta Páscoa.

De família católica, ela conta que a celebração pascal sempre foi uma ocasião importante em sua casa. “Havia um prato especial, sobremesas legais. Além disso, fazíamos a caça aos ovos de chocolate que durou até todas as crianças crescerem”, afirma Helô. Ela reforça que, embora seja presença quase que obrigatória em datas como Páscoa e Natal, o bacalhau pode (e deve) ser consumido também nas refeições do dia a dia.

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Segredos para dessalgar

Um dos principais pontos para quem vai preparar o peixe está em fazer uma dessalga benfeita. E Heloisa, de cara, alerta que não existem processos rápidos e milagrosos para essa etapa. “É preciso lembrar que o peixe passa por salga e desidratação. Então a dessalga e a reidratação têm de ser feitas com muita seriedade, pois além de tirar o sal, temos de devolver a água e a textura para o peixe”, diz. “Em três horas, você pode até dessalgá-lo, mas não vai ter um produto final com a textura, sabor e aroma característicos.”

Por isso, para garantir um bom bacalhau nesta Páscoa, a chef explica que é preciso calcular um dia de dessalga para cada centímetro de posta, trocando a água (sempre gelada) de 4 em 4 horas. “Mas não precisa acordar de madrugada para isso. É só fazer antes de dormir e ao acordar.” Para checar se o sabor está bom, vale provar um pequeno pedaço, uma lasquinha. “Tenha em mente que a carne vai aumentar de tamanho. Então, uma peça de 3 centímetros chegará a, no máximo, 5 centímetros”, diz. A chef ainda ressalta a importância de controlar o processo. Isso porque se passar do ponto, o peixe perderá toda sua riqueza e ficará sem sal e sem gosto.

Os diferentes tipos de bacalhau
  • Gadus morhua – O mais nobre. Ou seja, tem a carne mais suculenta, sua posta desmancha em camadas (diz-se, despetala), após ser cozida.
  • Gadus macrocephalus – Carne mais clara e fibrosa, que não se desmancha em lascas. É a espécie pescada no Pacífico.
  • Ling – Para cozidos ou para fazer recheio. Essa é a espécie com o filé mais estreito.
  • Saithe – Sua carne desfia com facilidade e, por isso, é usado para fazer bolinhos e recheios. Seu sabor costuma ser mais acentuado do que o dos demais.
  • Zarbo – É o mais fibroso, por isso vai bem em caldos e pirão.

Como preparar o bacalhau

Passado o momento mais crítico do preparo do bacalhau, Helô parte para a cocção. Aqui, desmistifica uma cultura, a qual considera desnecessária: de que o peixe tem de sempre ser aferventado antes de ir para a receita propriamente dita. “Não se deve colocar mais água nele, pois isso fará com que perca sabor e nutrientes. A fervura só é bem-vinda se a ideia for servir as lascas em uma salada ou, então, se for preciso soltar os pedacinhos miúdos colados nas espinhas”, diz. Caso contrário, basta passá-lo primeiro na frigideira e depois levar para assar no forno.

Broinhas de fubá com brandade de bacalhau. Foto: Ricardo D´angelo.

Por fim, outra dica de ouro de Heloisa é entender que cada pedaço tem um uso dentro da cozinha e que tudo pode ser aproveitado. Ou seja, dos ossos e da cabeça, faz-se o caldo. Do rabo e das nadadeiras, desfia-se para preparar bolinhos. E, por fim, do lombo, serve-se a posta. Sempre lembrando que, quando o assunto é bacalhau, ele é a estrela e deve ser tratado como tal, por isso, evite colocar mil ingredientes em um prato, tirando o foco do peixe. “É um exemplo de que menos é mais”, afirma a chef.

Desbravando a tradição

Durante a viagem à Noruega, o que cativou a chef foi a consciência de todos em relação às responsabilidades com o peixe e com o meio ambiente. Há uma forte fiscalização contra a pirataria – navios que praticam a pesca ilegal, assim como respeito às quantidades permitidas para pesca para cada barco. “Se todos cuidassem do que é seu, do mesmo modo que eles fazem, o mundo seria incrível”, diz Heloisa.

Da experiência, além das boas memórias, ficaram as ideias. Como perceber que os noruegueses gostam de servir o bacalhau salgado e seco com carne de porco, caso por exemplo de bacon e presunto. “Se preparamos outro peixe, não combinamos desse modo porque o sabor do pescado costuma ser delicado. Mas o bacalhau é único, é intenso e segura os ingredientes fortes”, afirma a chef, que acrescenta ainda que a leve combinação apenas com azeite e legumes, na Noruega, é feita mais com o peixe fresco e, raramente, com ele depois de salgado e seco.

Com influência da fazenda

Apesar de ter nascido na capital paulista, Heloisa Bacellar passava bastante de seu tempo na fazenda da família, em São Luiz do Paraitinga, no interior de São Paulo. Foi lá portanto que, aos 6 anos, já grudada na barra da saia da avó Peti, ela aprendeu a fazer maionese, empadinha e se divertia escolhendo o feijão e descascando abacaxi.

Lombo de bacalhau com caponata siciliana. Foto: Ricardo D´angelo.

Como aconteceu com muitos apaixonados por cozinhar, na hora de escolher uma profissão, em um momento no qual não havia cursos de gastronomia por aqui, ela acabou seguindo outra carreira, a do direito. “Mas quando pude, fui fazer o que queria. Viajei para a França e fui estudar por lá”, diz. Em 1998, de volta ao Brasil, ela abriu o Atelier Gourmand para dar aulas e dividir seu conhecimento. Aos poucos, ela foi deixando o traje social do escritório para vestir o dólmã, até que mudou de vez de profissão.

Ao longo dos mais de 20 anos na gastronomia, Helô já publicou uma série de livros. Ademais, divide seu tempo entre o restaurante e as redes sociais. “Sempre testo muito as receitas antes de publicá-las e busco responder todos os seguidores e leitores que entram em contato comigo. Isso porque a essência do Na Cozinha da Helô é ser um espaço no qual faço o que gosto e ainda posso me comunicar com as pessoas.” É também nesse clima que a chef divide agora algumas de suas receitas com bacalhau, sendo duas para fazer com o nobre lombo e duas para aproveitar as aparas que sobram. São elas, portanto: broinhas de fubá com brandade de bacalhau; salada de bacalhau com grão-de-bico; lombo de bacalhau ao forno com caponata siciliana; e papillote de bacalhau no leite de coco. (clique no nome de cada receita, para acessar o modo de preparo)

Salada de bacalhau com grão-de-bico. Foto: Ricardo D´angelo.

*Reportagem publicada na edição 199 (março 2020), de Prazeres da Mesa

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Isabel Raia

Na equipe desde 2014, Isabel Raia é editora de Prazeres da Mesa. É formada em jornalismo, pela PUC-SP e pela Universidad de Castilla-La Mancha (na Espanha), e pós-graduada em Cozinha Brasileira, pelo Senac. Isabel tem na gastronomia uma de suas grandes paixões (principalmente se a receita incluir queijo ou chocolate).

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