San Pedro de Atacama além do deserto

San Pedro de Atacama é daqueles lugares que, à primeira vista, parecem existir apenas para ser contemplados. O pequeno povoado, localizado a mais de 2.400 metros de altitude no norte do Chile, é cercado por vulcões, lagoas de sal, gêiseres e cordilheiras que se transformam a cada estação. Basta alguns dias no vilarejo para perceber que a energia não está apenas nas paisagens: ela também habita nos espaços gastronômicos, nos mercados de artesanato e nas iniciativas locais que transformaram a região em um polo cultural do deserto mais árido do mundo.
Se no passado San Pedro era visto apenas como ponto de apoio para explorar os cenários ao redor, hoje a cidade consolidou uma vida própria. O vilarejo recebe milhares de turistas por ano, e o Brasil ocupa posição de destaque nesse fluxo: estima-se que mais de 60% dos visitantes sejam brasileiros, interessados tanto nos passeios naturais quanto na experiência de imersão no cotidiano do Atacama. Essa transformação se deve a um grupo de empreendedores locais que acreditaram no potencial da região para muito além da contemplação. Entre eles, está Pancha Echeverría.
Pancha Echeverría: hospitalidade com raízes no deserto
Pancha fundou, há 28 anos, o restaurante Adobe, hoje um destaque de San Pedro. O espaço nasceu quando a cidade ainda recebia poucos visitantes e cresceu acompanhando a explosão do turismo. Com arquitetura em adobe — o barro que dá forma a grande parte das construções da região —, o restaurante é reconhecido por unir tradição e criatividade, valorizando ingredientes locais e reinterpretando sabores chilenos em pratos que conversam com o ambiente ao redor.
O cardápio traz combinações que refletem a diversidade do país. Destaque para o pincho de cordeiro patagônico servido sobre churrasca, pão típico preparado na parrilla, acompanhado por maionese de manga, hortelã e azeitonas de Azapa. Há ainda opções como ceviche de algas e lula e pratos aromatizados com rica-rica, erva típica do deserto que também marca presença em drinks autorais.



À noite, o Adobe ganha outro formato: música ao vivo ao redor de uma fogueira, pizzas saindo do forno e mesas ocupadas por viajantes do mundo todo. A atmosfera é descontraída, mas o serviço mantém o cuidado e a precisão que transformaram o restaurante em referência. O espaço também ampliou sua atuação para o catering de passeios dos turistas, eventos e celebrações, sempre com apresentações coloridas e cuidadosas.
Muito além do Adobe
A trajetória de Pancha não parou por aí. Ela lidera também o Mercado Blanco, dedicado ao artesanato local e pensado como vitrine para artistas e produtores do Atacama. O projeto nasceu da percepção de que os turistas buscavam levar consigo mais do que fotos: queriam peças que carregassem a identidade do lugar.



Outra iniciativa é o Adobe Al Paso, versão de delivery do restaurante, que atende viajantes em busca de refeições rápidas seja para um lanche ou para um piquenique no deserto, sem abrir mão de sabor. Já sua própria casa foi transformada no Casa Luna, um hotel de pequena escala que oferece aos hóspedes a experiência de estar em um lar, com simplicidade, aconchego e vista para o vulcão Licancabur. A proposta é receber com hospitalidade genuína, sem a impessoalidade de grandes hotéis.
Esses projetos evidenciam como Pancha contribuiu para consolidar o pequeno povoado San Pedro como base de passeios e como destino para permanecer, explorar e experimentar.
Gastronomia contemporânea no deserto: Ephedra



A experiência gastronômica de San Pedro de Atacama não se limita aos pratos afetivos do Adobe. Em 2024, o chef Sergio Armella, natural da região, inaugurou o restaurante Ephedra, que rapidamente se tornou destaque no cenário local. Com passagem por cozinhas como o Geranium na Dinamarca, o
Boragó no Chile e o El Chato na Colômbia, Armella retornou à sua cidade natal com a proposta de reinterpretar ingredientes do deserto de forma contemporânea.
O restaurante é pequeno e intimista, operado em parceria com sua esposa, Carolina, que gerencia a carta de vinhos e a operação do espaço. O cardápio propõe um percurso que valoriza a técnica do chef sem perder a identidade local.
Entre os destaques, estão as mollejas de porco, a truta curada por três dias, servida com emulsão de batata morada de San Juan, e o cabrito acompanhado de trigo mote, um grão tradicional da culinária andina. A sobremesa, feita com milho, abóbora e batata, encerra a refeição com equilíbrio inesperado.
Um povoado que se reinventa


O crescimento de San Pedro de Atacama não se resume à gastronomia. O vilarejo abriga feiras de artesanato, pequenos cafés, pousadas familiares e agências que conectam visitantes a experiências autênticas. A economia local encontrou no turismo uma forma de sustento, mas também de valorização
cultural.
Ao caminhar por suas ruas de terra, é comum cruzar com mochileiros recém chegados, famílias inteiras em busca de contato com a natureza ou viajantes que retornam pela segunda ou terceira vez. Para além das excursões às lagoas altiplânicas, ao Vale da Lua ou aos gêiseres de El Tatio, muitos voltam para reviver a atmosfera do povoado: sentar-se à sombra de uma árvore na praça, ouvir um grupo local tocar música andina ou jantar em um dos restaurantes que se reinventam a cada temporada.
As mudanças pelas quais San Pedro passou nos últimos 30 anos levantam questões sobre sustentabilidade e preservação. O desafio agora é manter a essência do vilarejo diante do aumento do fluxo turístico. Projetos como os de Pancha Echeverría e Sergio Armella apontam um caminho possível: valorizar os recursos locais, oferecer hospitalidade autêntica e criar experiências que respeitem o ambiente e a cultura do deserto.
Hoje, em San Pedro, o turismo vai além de admirar montanhas e céus estrelados. É também provar um pão feito na parrilla, conhecer artesãos que moldam a cerâmica há gerações, compartilhar uma pizza ao redor da fogueira ou interagir com um dos inúmeros cachorros que habitam pela cidade. Inesquecível.



