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SEM PERDER A TERNURA

Por Ursula Alonso Manso, do Rio de Janeiro
Fotos Samuel Antonini/ divulgação

Enquanto uns vão com a fermentação natural, Rafael Brito Pereira está voltando com o trigo moído na hora. Dono da padaria mais comentada do Rio de Janeiro, The Slow Bakery, esse ex-publicitário acaba de triplicar a capacidade de produção já de olho no próximo passo. Mas isso sem perder a ternura. Ou melhor, sem deixar de lado o processo artesanal, que exige três dias para resultar em um pão de crosta firme com interior macio e aerado – e que fez até o über chef Quique Dacosta, três estrelas Michelin, cair de amores pela Slow durante visita à Cidade Maravilhosa em setembro de 2016.

Depois de um mês de obras para acrescentar um segundo andar à cozinha, a Slow reabriu em fins de janeiro com capacidade para até 6 toneladas de pão por mês. “Não é porque é artesanal que tem de ser pequeno, frágil e não pode ter escala”, afirma Ludmila Spíndola, a Lud, parceira de Rafa na vida e na padaria. “A questão não é quanto eu vou produzir, mas como vou produzir, o processo leva três dias, tanto para 10 quilos de pão por mês quanto para 6 toneladas”, afirma ele. “No primeiro dia, eu refresco o levain; no segundo, começo a fazer o pão e, no terceiro, vou assá-lo”, diz Rafa, que trabalha com farinhas italianas e francesas sonhando em moer o próprio trigo.

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A inspiração para o padeiro é Jonathan Bethony, do projeto Bread Lab, de resgate de sementes crioulas de trigo em parceria com o chef Dan Barber, na Blue Hill Farm, dos Estados Unidos. E nem adianta dizer ao Rafa que as condições climáticas no Brasil não são lá as melhores para o cultivo do grão. “Também falavam que não dava para plantar mirtilo aqui. E dá. Quero em dois ou três anos plantar meu trigo, ou pelo menos parte dele, e ter um moinho de pedra, igual ao das padarias que conheci fora do Brasil”, diz. “Não vejo o trigo como commodity, mas como um meio de aproximação do padeiro com o agricultor.”

Antes de se apaixonar pelo produto, Rafa se encantou pela busca de ingredientes e pelo processo de conversão de água, farinha e sal em pão. Em março de 2014, ao tomar a decisão de substituir por bancada, forno e geladeira os computadores da agência de comunicação que mantinha com a jornalista Ludmila, ele deu início a uma carreira de padeiro autodidata. No começo, debruçou-se sobre o livro Tartine Bread, do californiano Chad Robertson, dono da padaria Tartine, de São Francisco, que descreve em 67 páginas uma receita básica de pão. “Não queria fazer pão, queria fazer aquilo e chegar ao pão.” The Slow Bakery abriu as portas em março de 2016, quando o casal já acumulava experiência com a venda pela internet e participara de feiras da Junta Local, que reúne pequenos produtores no Rio.

Junto à padaria em Botafogo, funciona um café de 20 lugares, sempre cheio, nascido de um bem-sucedido crowdfunding. Lud revela que o dinheiro dos dois era suficiente apenas para montar a área de produção na parte detrás da loja. A frente, segundo ela, estava no esqueleto. A quantia solicitada no financiamento coletivo somava 24.000 reais, com cotas de 15 a 1.500 reais. Foram arrecadados 36.000 reais. A cota mais alta, aliás, trazia como recompensa uma semana como aprendiz na padaria. “Contatei a benfeitora para marcar a data da imersão, e ela declinou da oferta, dizendo que comprara a cota simplesmente porque estava escolhendo o lugar que queria frequentar na cidade”, diz Rafa.

Além de 12 tipos de pão – incluindo o Rio Sourdough, produzido com um fermento de mais de 150 anos, trazido dos Estados Unidos por um amigo indiano –, a Slow oferece tartines, sanduíches e croques, em um cardápio elaborado a seis mãos com a consultoria da chef Anna Elisa de Castro. Duas boas pedidas são o croque da Fofa e a panelinha de ovo (veja as receitas em prazeresdamesa.com.br), uma releitura do shakshuka, comida de rua comum em Israel. À exceção do açúcar e do presunto, comprados da indústria, todos os demais ingredientes usados são adquiridos de pequenos produtores ou feitos na casa, como o cottage, o mascarpone, o iogurte, a granola, as compotas e as geleias.

Na cozinha, trabalham funcionários com passagem por restaurantes conhecidos da cidade, a exemplo de Oro, Miam Miam e Riso Bistrô, que se alvoroçaram com a visita do chef Quique Dacosta, até então um desconhecido para o padeiro. Já no coração da Slow, embora Rafa receba currículos inclusive da Espanha e de Portugal, os assistentes de padaria são recrutados no Núcleo Avançado em Tecnologia de Alimentos (Nata) – escola com cursos de leite e derivados e de panificação mantida pelo governo do estado e o Grupo Pão de Açúcar em uma comunidade carente do município de São Gonçalo. “Entendemos a padaria como um espaço de transformação econômica, ambiental e social”, afirma Lud.

The Slow Bakery
Rua São João Batista, 93, Botafogo, tel. (21) 3563-8638, Rio de Janeiro, RJ; theslowbakery.com.br

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