TERRA DO LEITE E DO MEL
Por Marco Antonio Rezende
Fotos Divulgação
Em fins de abril, fez aterrissagem no aeroporto Ben Gurion o voo inaugural Beijing-Tel Aviv, da Hainan Airlines, a maior companhia aérea privada da China. Grupos de viajantes chineses são a mais recente novidade no cenário turístico israelense, preparadíssimo para recebê-los. O governo formou guias fluentes em mandarim, nos hotéis de luxo há canais de TV chineses e até no fabuloso café da manhã típico israelense do venerável King David Hotel, de Jerusalém, já se infiltram acepipes daquele país.
Israel costumava ser um país visitado basicamente por pessoas interessadas em história ou religião. Jerusalém, a cidade sagrada das três crenças que têm Abraão como patriarca – judaísmo, cristianismo e islamismo – tem uma peculiar vibração de intenso espiritualismo que sempre encantou multidões de peregrinos. Mas há naquelas antigas paragens – atraindo gente do mundo inteiro – outras vibrações e novas tendências.
Para começar, Israel seguiu o exemplo recente de outros produtores de vinho do planeta e deu um notável upgrade em sua indústria vinícola. Marque um tour (com direito a degustação e almoço) por uma das boas vinícolas da Galileia para comprovar a surpreendente qualidade dos vinhos locais, brancos e tintos. Amantes da boa música se deliciam no festival anual de ópera ao ar livre, aos pés da antiga fortaleza de Masada, no deserto da Judeia: a música de Verdi combina com a brisa seca e fresca da noite, com a lua refletida nas águas do Mar Morto. Interessado em arquitetura? Bem, a visita ao bairro Bau Haus, de Tel Aviv, é uma experiência e tanto. Arte e cultura? Vá ao Museu de Israel ver lindos objetos da arqueologia bíblica, recolhidos de todo o Oriente Médio, e reserve emoção para ver de perto os originais dos famosos manuscritos do Mar Morto. Por fim, se quiser um pretexto religioso para descobrir paisagens fabulosas fora do circuito mais óbvio, compre da empresa jesustrail.com um passeio a pé de alguns dias, ao longo de 60 quilômetros, dormindo em pousadinhas rústicas, caminhando por trilhas pelas quais andou Jesus, desde a cidade de Nazaré, em que nasceu, até Cafarnaum, onde encontrou Pedro, o Pescador.
O cardápio de opções em Israel é extenso e inclui uma animadíssima Semana do Orgulho LGBT, em junho, patrocinada pelo governo – a maior, fora do mundo ocidental. No ano passado, a parada festiva que fechou o evento reuniu 180.000 pessoas em Tel Aviv, das quais 25.000 estrangeiras. À beira-mar, a cosmopolita e globalizada Tel Aviv mostra-se desafiadoramente permissiva em um pedaço do mundo particularmente conservador e repressivo – um paraíso para jovens hedonistas, que saem para jantar em restaurantes da moda, esticam a noite e andam pela praia ao raiar do dia com os sapatos nas mãos.
Como muitos países, Israel também vive um delicioso frenesi gastronômico. Chefs celebridades (alguns inevitavelmente tatuados) abundam em restaurantes descoladíssimos e em programas de TV. Na última edição da revista Time Out israelense, podem-se descobrir restaurantes que inovam sem perder a mão na tradição e infindáveis eventos ligados aos prazeres da mesa.
No mês passado, o festival Open Restaurants mobilizou glutões e turistas por quatro dias em Tel Aviv, em noitadas de boa comida, workshops culinários e visitas aos mercados e feiras ao ar livre guiados por chefs conhecidos. Na colorida e animada algazarra diária do Carmel Market, é inebriante o percurso entre garrafas de azeite de oliva, queijos com rótulos escritos à mão, melancias gigantescas e bulbos de alho do tamanho de bolas de tênis que rescendem a distância. Caixas de frutas vermelhas ficam lado a lado com feixes de ervas aromáticas de verde intenso.
A culinária israelense tem base em ingredientes e técnicas enraizados na história. Nos últimos tempos, vem sendo moldada por influências de África, Ásia e Europa e pela própria imigração de judeus vindos de diferentes cantos do mundo, formando o clássico melting pot. Historiadores mencionam registros bíblicos e arqueológicos de hábitos gastronômicos perto do ano 1000 a.C., nos dias dos primeiros reis de Israel. No chamado período do Segundo Templo (de 516 a.C. a 70 a.C.), a força das culturas grega e romana influenciou a gastronomia da elite aristocrática e do alto clero, que se regalava com bebidas alcoólicas, pratos picantes, peixe, carne, vegetais frescos ou em salmoura, azeitonas e frutas secas. O povo em geral se alimentava com o que ainda constitui a base da comida israelense, as chamadas sete espécies: azeitona, figo, tâmara, romã, uva, trigo e cevada.
“A cozinha israelense sempre teve como base produtos locais”, diz Ronen Skinezis, de origem grega, chef do animado restaurante Manta Ray, “mas também historicamente sempre se beneficiou com as especiarias importadas e facilmente à mão considerando a posição do país à beira-mar e na ponta ocidental da rota da seda”. O restaurante de Skinezis, com um varandão aberto para as areias da praia, com vista para o Promontório de Jafa e os arranha-céus de Tel Aviv, é um bom lugar para entender a força dos ingredientes locais. Ali, ele serve desde um fantástico mezé árabe de 12 pratos até lindos lagostins pescados a pouco metros.
Mas o que moldou a cena gastronômica de Israel contemporâneo foi a milenar diáspora depois da destruição do Segundo Templo: a cozinha judaica continuou se desenvolvendo na Península Ibérica, no mundo árabe, na Europa do Leste e em todo lugar em que houvesse uma comunidade judaica estabelecida.
O período de vida rústica nos kibutzim no início do novo Estado de Israel ficou para trás. Na década de 70 começaram a chegar os primeiros restaurantes franceses e italianos, apontando um novo jeito de usar os ótimos peixes e crustáceos do Mediterrâneo e outros ingredientes que crescem naquelas terras bíblicas. Nos anos 1980, novos sabores do mundo começaram a ser descobertos pelos jovens israelenses, na onda das viagens internacionais em massa.
A verdadeira novidade hoje é a onda crescente da cozinha vegan em Israel. Com Berlim – que tem uma pletora de restaurantes vegan e vegetarianos e até uma rede de supermercados vegan –, Tel Aviv é uma das capitais mundiais do movimento que rejeita qualquer alimento de origem animal, inclusive leite, queijos e ovos. Há na cidade uma dúzia de boas casas exclusivas, mas praticamente todos os demais restaurantes, cafés e lanchonetes da cidade oferecem aos clientes pelo menos um par de opções veganas. Ori Shavit, que tem ares, sotaque e aparência de nova-iorquina, descobriu o movimento tardiamente, aos 39 anos, depois de trabalhar anos em uma revista de gastronomia. Agora é blogueira (vegansontopo.com), professora de culinária vegan e militante da proteção aos animais, além de ter o próprio restaurante, Miss Kaplan, na centralíssima Kaplan Street. “Há alguns anos estimava-se que 2% da população adotava essa filosofia”, diz. “Agora já superamos 5%.” No Miss Kaplan, um dos pratos de maior sucesso é uma espécie de hot dog sem salsicha. É feito com uma cenoura grande marinada em uísque Jack Daniel’s, defumada com chips de maçã e servida com um pãozinho cozido ao vapor.
Outra estrela vegan em Israel é Harel Zakaim, que emigrou do Irã com os pais depois da revolução dos aiatolás. Seu restaurante, Zakaim Original, é um hino à sustentabilidade: nele não há nenhum objeto comprado novo, tudo foi usado previamente ou é emprestado ou reciclado, inclusive panelas, talheres, taças de vinho e o piano de cauda perto da porta de entrada. No Zakaim, dá até para esquecer que se está em um restaurante vegan, já que todo o cardápio celebra com fantasia a glória dos ingredientes, mais do que simplesmente procura substitutos para a carne. Tudo ali é feito sem produtos industrializados, e até o Bloody Mary é fresquíssimo, feito com tomates-cereja esmagados na hora.
Para um evento gastronômico mais tradicional mas refinado, o point em Tel Aviv é o restaurante Messa, cuja arquitetura e decoração lembram o Hotel Dellano, em Miami Beach: tudo branco, diáfano, esvoaçante. Seu chef (e sócio), Aviv Moshe, um autodidata que tentou primeiro ser boxeador, pode ser considerado o Alex Atala de Israel. Sua família tem origem no território curdo, que fica na tríplice fronteira de Iraque, Turquia e Irã, e nos pratos que prepara nota-se o uso delicado de temperos típicos do Oriente Médio e ingredientes de excepcional qualidade, tratados com técnicas clássicas.
Para arrematar a viagem, Prazeres de Mesa pediu aos chefs Ronen Skinezis (do Mantra Ray), Harel Zakaim (do Zakaim Original) e Aviv Moshe (do Messa) que preparassem um menu completo, com entrada, prato principal e sobremesa.
Confira as receitas de salada thai de sashimi de salmão; baklava de vitelo; sopa de lentilhas pretas com crostini de parmesão e espetinho de vieiras com alecrim; lula com molho de manga e iogurte; e batatas quebradas fritas com ketchup caseiro e aïoli de abacate.