Tesouro português
Além da rica gastronomia, Portugal resguarda uma das maiores preciosidades da doçaria mundial: o pastel de nata
Não há como negar que o pastel de nata é um dos patrimônios gastronômicos de Portugal. Assim como o brigadeiro é para os brasileiros, o docinho de massa folhada crocante e de recheio cremoso é a sobremesa mais popular em terras lusitanas. Não à toa, lojas especializadas no doce agrupam filas e longas horas de espera para que viajantes e nativos possam provar o quitute recém-saído do forno.

A fama do pastel de nata se deve ao sabor único, é claro. Mas muito do que o doce representa para Portugal resulta de sua criação. Acredita-se que, com a extinção das ordens religiosas do país no século XIX, frades do Mosteiro dos Jerónimos, como forma de sobrevivência, decidiram comercializar o pastelzinho em uma refinaria de cana-de-açúcar vizinha, localizada na Freguesia de Belém. Rapidamente o doce se popularizou com o nome de pastel de Belém e, em 1837, instalações anexas à refinaria começaram a reproduzi-lo.
Para manter a originalidade do produto, a receita foi trancada a sete chaves e os mestres pasteleiros trabalhavam apenas na “Oficina do Segredo”, evitando que alguém pudesse bisbilhotar a proporção correta dos ingredientes. Os mistérios ao redor do modo de preparo fizeram com que não existisse outro doce igual ao encontrado na fábrica.
O original pastel de Belém, no entanto, nada mais é do que um pastel de nata. Dessa forma, muitos outros estabelecimentos, assim como famílias na cozinha de casa, começaram a reproduzir, mesmo que com variações, o docinho que ganhou o paladar e o coração dos portugueses.
Império dos pasteizinhos

da marca
Duval Pestana é um dos muitos portugueses que cresceram saboreando pastéis de nata. Sua avó costumava preparar o doce por inteiro, desde as trabalhosas etapas da massa folhada até o creme de natas. A partir dessa receita, Duval construiu um verdadeiro império em São Paulo com a marca Manteigaria Lisboa, que hoje já somam nove unidades pela cidade.
Mas antes do sucesso em terras brasileiras, o português, ainda em seu país de origem, formou-se economista e somente aos 50 anos de idade, após ser demitido de uma multinacional, é que resolveu seguir a carreira de chef. “Decidi que não iria trabalhar para mais ninguém. Como sempre gostei de cozinhar, resolvi abrir um restaurante na cidade de Olhão, o Faz Gostos. Tive a sorte de ter um reconhecimento que eu não esperava”, afirma.
Apesar do sucesso consolidado, Duval não sossegou. Abriu uma filial do Faz Gostos e mais dois restaurantes em Lisboa. “Não sei por que, mas não consigo fazer a mesma coisa por muito tempo”, diz. A inquietude do chef se intensificou quando um amigo brasileiro, e hoje seu sócio, o convidou a inaugurar um negócio em solo tupiniquim. “Há muitos anos venho ao Brasil de férias e nunca pensei em consolidar um projeto por aqui. Mas fui convencido”, afirma.
Após uma visita malsucedida ao Rio de Janeiro, São Paulo foi a cidade escolhida por ele para firmar negócio e começar vida nova. “Quando cheguei, por acaso, fui provar pastéis de nata de diversas casas paulistanas”, diz. “‘Os meus são melhores’, pensei. E foi assim que surgiu a vontade de desenvolver o produto por aqui.”
Com a receita da avó em mãos e muitos testes depois, em 2015, a primeira Manteigaria Lisboa ganhou contornos na Rua Padre João Manuel, nos Jardins. Pouco tempo depois, a segunda unidade da loja abriu as portas na Pamplona. Desde então, os números não param de crescer. “Até o fim deste ano esperamos ter 15 estabelecimentos funcionando em São Paulo”, afirma.
Menos é mais
Focar em apenas um produto foi premissa de Duval na hora de consolidar o projeto da Manteigaria. “Nós, como consumidores, associamos uma marca a um produto. Aqueles que mais fazem sucesso são os mais simples. O que faz da Heineken uma das melhores empresas do mundo, por exemplo? Apenas água, lúpulo e cevada. Cheguei à conclusão de que o que complica estraga. Prefiro ser um peixe grande em um lago pequeno, do que um peixe pequeno em um lago grande”, diz.
Além da exclusividade, atentar-se bem à tradição (mas sempre com uma pitada de criatividade) é parte da fórmula do sucesso de Duval. “Sei que o brasileiro gosta de muito açúcar, mas me recuso a alterar a receita. Se eu deixar mais doce, vou ofuscar o sabor dos outros ingredientes”, afirma. De fato, os pastéis de nata da Manteigaria oferecem uma leveza peculiar ao paladar, longe de se tornar enjoativos e sendo uma boa opção para acompanhar os licores portugueses, como vinho do Porto, Ginjinha, Amarguinha ou Moscatel, disponíveis nas filiais em combos a preços convidativos.

Para o especialista, o pastel de nata perfeito deve ser crocante logo à primeira mordida. “Os aromas também são importantes: canela, limão-siciliano e outras especiarias”, diz. Assim como os originais de Belém, os doces da Manteigaria Lisboa mantêm a qualidade por ser preparados manualmente. “O creme é feito à mão. Já tentei prepará-lo em máquina, desandou. Não tem jeito, é um produto artesanal.”
É impossível desvendar o segredo da receita de Duval. Mas ele garante que o enigma para o sucesso é simplificar “a vida, os produtos e o trabalho dos funcionários, já que é uma empresa feita de pessoas para pessoas”. E essa premissa, levando em conta os milhares de docinhos que saem das lojas por dia, tem funcionado com maestria. “Esses dias fui andando até a filial da Pamplona e, passando pela Paulista, vi várias pessoas com sacolas da Manteigaria Lisboa na mão. Isso é, sem dúvida, um dos maiores prazeres que eu poderia ter.”




